Era Natal de 1939. O bando do cangaceiro Moreno assustava Brejo Santo, no Ceará. Estava homiziado pelas bandas da Capoeira do Cão, onde já havia feito a barbaridade de castrar um homem e arrancar a língua de dois delatores seus. A população estava assustada. Em virtude dessa ameaça, dona Sinhá e o major Firmino Inácio, na Cachoeirinha, mandaram um sinal para Cacimbas, avisando a Maria Pia que naquele ano, infelizmente, não conseguiriam cumprir a obrigação da Missa do Galo. Era melhor não pegarem estrada a cavalo, como costumeiramente faziam. A prima rica de Sinhá mandou um bilhete a outra, tranquilizando-os. Há pouco tempo estava de carro novo, um Ford coupé. Não se preocupassem, que ela os buscaria, participariam do leilão, iriam à missa, com rapidez e em segurança.
Assim se combinou, assim se fez. Já eram duas da madrugada, quando retornavam e se aproximavam de Cacimbas. Divisaram um monturo de caules, galhos e pedras, no meio da estrada, que fez Maria Pia frear bruscamente. Era o bando de cangaceiros!
Sabedores da riqueza de Maria Pia, concluíram que um assalto seria negócio rendoso, por isso estavam ali para emboscá-la. Quem sabe umas joias ou até mesmo o automóvel só para fazerem umas arruaças.
Ameaçadores, os bandidos se aproximavam encandeados pelos faróis do automóvel, coisa rara naquele tempo. Maria Pia demorou a entender que estavam sendo atacados, até que percebeu também que estava sozinha no carro: o marido Zé Pimenta, a prima e o major saltaram do carro na primeira oportunidade, e se embrenharam no meio da caatinga. Ela estava paralisada de surpresa.
Moreno tomou a frente do bando, gritando como autoridade:
− Aqui ninguém passa, nem mesmo a “baroa” das Cacimbas! Desça do carro, que a gente vai fazer uma vistoria!
Nesse momento, Maria Pia desceu do carro, enfurecida pelo transtorno, mas, principalmente porque não gostava do pejorativo apelido de “baronesa das Cacimbas”. Armada de revólver, gritou mais alto:
− Aqui quem está falando é Maria Pia, estou dentro de minhas terras e quero ver quem é o cabra macho que vai me empatar! – Deus dois tiros para cima e retornou ao carro. Acelerou o tanto que pôde e atravessou rasgando pneus, arrasando escombros e deixando cangaceiros admirados daquela valentia. Moreno gargalhou:
− Arre, diacho! Pense numa muié cangaceira! – E se deram por satisfeitos. Precisavam tirar o chapéu para todo aquele ímpeto. A tal “baroa das Cacimbas” era mais macho que muito homem.
Zé Pimenta, major Firmino e dona Sinhá só foram encontrados quando o sol raiava. Para facilitar o resgate, Maria Pia mandou dois moradores seus com as zabumbas para o meio do mato. Ao ouvirem os sons, gritaram. Estavam assustados, picados por todas as espécies de mosquitos. As canelas de dona Sinhá, alvas como leite, escorriam sangue, feridas de carrapichos e arbustos.
Hérlon Fernandes Gomes
Porto Velho, Rondônia
26 de Maio de 2023
Agradecimentos: a Generosa Maria dos
Santos, que contou esta e outras histórias interessantíssimas a Bruno Yacub.
Parabéns pelo artigo. Os da terrinha exilados nas terras de Rondom agradecem. Abraços.
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