A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo Isso!

quarta-feira, 25 de março de 2020

RAIMUNDO CARDOSO DOS SANTOS - O PODEROSO PAJÉ DA VILA DE PORTEIRAS


Panorama da administração pública da vila de Porteiras
 para o ano de 1908.

 
ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E
INDUSTRIAL DA CORTE E PROVINCIA
DO RIO DE JANEIRO, setor de Notabilidades, anos de 1908.
Recolhido no site memoria.bn.br,
da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.


    Segundo Joaquim dos Santos, ao confrontar as narrativas orais com registros escritos de época, percebeu em sua publicação "Cruz da Rufina - História e Tradição Oral", que as narrativas condizem com a caracterização de Raimundo Cardoso dos Santos como um coronel que exacerbava seu poder.

    Para o autor, Raimundo Cardoso dos Santos foi um abastado senhor de engenho do Cariri cearense, residente na região serrana do município de Porteiras, no sopé na Chapada do Araripe. Vale ressaltar que a sua família, de origem portuguesa, é considerada contribuinte da formação da sociedade caririense, atuando como povoadores da região, nos séculos XVIII e XIX, obtendo assim prerrogativas sociais, inicialmente no tocante à posse de latifúndios. Naquele contexto, influenciou na formação da hierarquia social do Cariri. Seus descendentes, coronéis de prestígio social, ingressaram na política como Intendentes municipais e Tenentes da Guarda Nacional, como é o caso do próprio Raimundo Cardoso.

    Filho do português Antônio Cardoso, que constituiu uma família possuidora de poder politico e econômico no Cariri, Raimundo Cardoso foi citado no Livro de Nomeação dos Intendentes do Ceará como Intendente da Guarda Nacional em 26 de maio de 1896. Foi reeleito em 1902, governando o município de Porteiras até 1904, quando o termo "Intendente", que representava o administrador público, foi substituído por "Prefeito". No mesmo ano, foi eleito Prefeito de Porteiras, administrando o município sucessivamente até 1915, quando foi deposto por líderes políticos das localidades vizinhas de Brejo dos Santos e Milagres. Pouco tempo depois, através da intercessão de lideranças políticas do Cariri, retornou ao poder.

    O padre Antônio Gomes de Araújo nos apresenta mais informações acerca de Raimundo Cardoso em seu artigo O Magnífico Reitor da Universidade do Ceará: O Tenente-Coronel da Guarda Nacional, Raimundo Cardoso dos Santos era filho do casal Antônio Cardoso dos Santos, mais conhecido como Antonino, e Maria Xavier Bezerra, filha do grande proprietário rural caririense, o coronel Francisco Xavier de Sousa, tronco da família Xavier desta zona e de Salgueiro, em Pernambuco. 

    “De Antonino e sua referida mulher descendem: Coronel Raimundo Cardoso dos Santos, ex-intendente e chefe político de Porteiras, deposto em 1915 pelos Lucenas, de Brejo Santo, associados ao célebre José Inácio do Barro, mas reposto pelo presidente do Estado, Benjamim Barroso; Aristarco Cardoso, ex-prefeito da dita comuna; o já citado juiz Antônio Cardoso dos Santos; Francisco Xavier Saraiva, ex-deputado estadual; o mencionado Joaquim Cardoso dos Santos, Quinco Cardoso; Antônio Xavier Saraiva, médico; José Cardoso de Alencar, bacharel e talentoso advogado, e seus irmãos, Mozart e Odálio, aquele, médico, e este, bacharel.” (ARAÚJO, 1959, p. 14).

    Entretanto, Maria do Socorro Cardoso Xavier, em sua publicação "Cardoso - Troncos e Galhos de um Clã Caririense", afirma que Raimundo Cardoso dos Santos era irmão do coronel José Cardoso dos Santos (Zuza Cardoso), coronel Aristides Cardoso dos Santos e Antônio Cardoso dos Santos “I”. 

    O coronel Raimundo Cardoso tinha fama de ser violento e truculento. O mesmo fez época na vila de Porteiras e suas cercanias. Viveu no limiar entre a Monarquia e República. Conhecido pelas suas proezas e valentia, abusou de poder e crueldade. Viveu na época do apogeu do coronelismo. Mandavam os homens que detinham poder político-econômico e social sobre os demais membros da comunidade. Era o mandonismo político. Este foi uma sequela da República Velha no Brasil. 

    Chefe autoritário da citada vila de Porteiras, na gestão do Conselheiro Antônio Pinto Nogueira Acioly, se aliou politicamente ao padre Cícero Romão Batista, que na época já detinha influência política e religiosa no Cariri. Foi convidado para participar do Pacto dos Coronéis em Juazeiro do Norte, em 04 de outubro de 1911, mas não esteve presente, sendo representado pelo próprio Sacerdote. Caído com o Governo Acioly em 1912, Raimundo Cardoso tomou parte na Sedição de Juazeiro, chefiada por Padre Cícero e Floro Bartolomeu, bafejados por Pinheiro Machado, caudilho da política federal de Hermes da Fonseca. Vitoriosa a sedição, ao qual depôs o presidente do estado Franco Rabelo, Raimundo Cardoso retomou a direção dos destinos de Porteiras, em abril de 1914.

    Com isso, após a sua deposição do cargo de Intendente em Porteiras, o próprio Padre Cícero intercedeu por ele junto ao governo estadual de Benjamim Barroso, ao qual era Vice-Governador.

    Diz-se que a toponímia da cidade de Porteiras, se origina do fato de que nos tempos do mandonismo do coronel Raimundo Cardoso, só entrava na vila com sua autorização. Na realidade, havia uma última porteira de acesso, que separava a zona canavieira da área pastoril. 

    Também segundo a tradição oral, o coronel Raimundo Cardoso mandava aplicar supositório de pimenta nos seus desafetos. Mandava capar os seus inimigos e o capador, o cangaceiro Cobra Preta, dizia as suas vitimas: “Vai ter nada não! Eu tenho mão boa!” O coronel Raimundo Cardoso era homem de muitos capangas e costumava ir em auxilio de coronéis, seus amigos e parceiros de arbitrariedades, levando sequazes. 

    É típico, nesse tocante, um depoimento do coronel Raimundo Cardoso dos Santos, em conversa com o Dr. Alípio Baltar, Juiz de Direito de Jardim, e com o Dr. Paulo Pedro de Moura Montenegro, Promotor de Justiça da mesma Comarca, dizia. “- Quando cheguei a Porteiras, havia mais de cem mulheres da vida. Cabras faziam desordens. Resolvi estabelecer a ordem. Passei a fazer o policiamento com os meus cabras. Algum tempo depois, um dos meus homens de confiança comunicou-me que os cabras do coronel fulano provocavam brigas em todas as feiras. Disse-lhe que mantivesse a ordem. Numa das feiras seguintes, estava em casa, quando me avisaram que havia barulho. Não saí, pois, se o fizesse, os meus cabras só agiriam com ordem minha. Preferi que agissem livremente. Na verdade, um cabra do coronel fulano estava alterando a ordem. Um dos meus cabras atirou e o cabra do coronel fulano caiu morto. Agora, meu cabra vai ser julgado. Uma coisa, porém, eu lhes digo, Dr. Juiz e Dr. Promotor, todo cabra que chegar aqui com desordem fica estirado no chão com uma bala.” (MONTENEGRO, 2011, p. 343).

    Possivelmente teve dois filhos. Joaquim Cardoso, mais conhecido como Jacu, teve participação no conflito deflagrado entre os chefes políticos de Porteiras e Brejo dos Santos, em 1915. E uma filha chamada de Dona Pinto. Este nome foi devido ao casamento com o coronel Antônio Pinto de Sá Barreto, ex-deputado estadual e ex-intendente da cidade de Barbalha e que fazia oposição ao Governo do Estado, Nogueira Acioly. Era o ano de 1906 e Antônio Pinto fundara o jornal “O Lutador”, jornal eminentemente político e ficou ligado indelevelmente à política de Jardim por haver acolhido em suas páginas o bravo manifesto político do coronel Napoleão Franco da Cruz Neves, conhecido como coronel Franco de Jardim, este rompido com o governo Acioly. 

    A Dona Pinto além de muito valente, saíra ao pai: era cruel e arbitrária. Saiu da sua cabeça o bárbaro assassinato do alferes Ernesto, que tanto traumatizou Barbalha no passado. O inditoso alferes Ernesto chegou a esconder-se debaixo da saia rodada da sua mulher que, ao ser empurrada pelos cabras de Dona Pinto, descobriu Ernesto que foi ali mesmo trucidado. 

    Como o ser humano não é só alimária, o coronel Raimundo Cardoso dos Santos defendia mulheres ofendidas e desonradas. O homem que desonrasse uma moça e este não reparasse o mal que cometeu, casando-se com a moça ofendida, ele obrigava a casar ou capava o ofensor. Já era conhecido, quando isto ocorria nas redondezas, era chamado a resolver a questão moral. Na verdade, o caso aconteceu com uma neta sua, conforme está descrito no jornal sobralense "A Ordem", edição de 24 de maio de 1917:

    "FORTALEZA, 23 - O individuo Carlito, espanhol, artista patinador do "American Circus", que trabalhou nesta cidade, conseguiu, com habilidade, cativar as atenções de uma filha do falecido deputado estadual, coronel Antônio Pinto de Sá Barreto, chegando a raptá-la da casa paterna. Com a intervenção da polícia efetuou-se o referido casamento.

    Carlito resolveu explorar torpemente a honra de sua esposa, causando este fato a mais viva e justa revolta por parte da família da moça.

    Chamado à Porteiras, neste Estado, por aquela família, para lá seguiu o referido indivíduo conduzindo a sua inditosa vítima.

    Notícias daquela localidade relatam que o Sr. Raimundo Cardoso, avô da esposa de Carlito, depois de ouvir as declarações de sua neta, mandara castrar a macete o aventureiro Carlito, que se acha no Crato, gravemente enfermo."

    Segundo a tradição oral, o coronel Raimundo Cardoso se engraçou por uma jovem que veio trabalhar em uma de suas fazendas, em Porteiras. Vinda de Barbalha, a jovem era bem educada, de cor branca e de cabelos longos. Ela se chamava Rufina. 

    A relação entre Raimundo Cardoso e Rufina logo se tornou um assunto presente nas vozes do povo, que a chamavam de "mulher do mundo". Posteriormente, a esposa do Coronel, não sendo identificada, tomou conhecimento do romance. Com ciúmes e raiva da situação em que se encontrava, por ser uma senhora rica, de família tradicional e possuidora de prestígio frente à sociedade de então, resolveu por fim ao caso amoroso que a envergonhava, mandando assassinar a rival. 

    O coronel Raimundo Cardoso, temendo a ira da esposa e sabendo que sua amante estava grávida, programou sua transferência para outra fazenda sua e ordenou, a um de seus cabras, que a levasse sem que sua esposa tomasse conhecimento. Contudo, ela ficou sabendo do plano de seu marido e ofereceu, ao mesmo cabra que havia recebido as ordens do patrão, certa quantia em dinheiro para que matasse Rufina sem deixar vestígios do crime e, em seguida, desaparecesse daquelas terras. 

    “Ela [Rufina] era uma mulher de vida livre, de um senhor de engenho aqui no pé-da-serra. E a mulher do engenheiro, que o marido dela tava amando a ela... Então, ela [Rufina] tava até grávida dele. Aí ele soube que a mulher ia peitar um cabra pra matar ela. Ele foi, fez uma carga de queijo, de tudo quanto era coisa num burro pra tirar ela pra fora, mas deixa que a mulher peitou o caba pra no caminho matar ela. Num teve jeito, por que o caba já foi mandado do patrão.(...) O patrão mandou deixar ela, mas a mulher disse: - Tu vai deixar, e no caminho tu mata ela, aí vai embora. Aí dobrou o valor do dinheiro e ele matou ela e abriu no mundo.(...) E depois desse desastre ele desapareceu, porque o patrão mandava matar [ele] também.”  (SANTOS, 2011, p. 60).

    Pois bem, indispondo-se com a população dirigente de Brejo dos Santos, ela o depôs, violentamente, pelas armas em 1915, o que ocasionou a intervenção do Governo do Estado, então provisoriamente nas mãos do coronel Benjamim Barroso, que mandou a Brejo dos Santos uma expedição de 500 homens, numa demonstração quase ingenua de força, sob o comando do coronel Ernesto Medeiros.

    O cangaceiro Raimundo Maximiano de Morais, vulgo Mundinho, nascido em Brejo dos Santos, ao ser preso em 1928, foi entrevistado pelo repórter do jornal "O Ceará" e a ele fez a seguinte afirmação: 

    “Pouco depois dessa façanha (referindo-se ao ataque dos colegiados a Porteiras, no início de junho de 1915), quando se encontrava no sitio Guaribas, de propriedade de Chico Chicote, tomou, por duas vezes, parte na defesa daquela propriedade, atacada por forças do governo.” 

    O cabo Galdino, da força expedicionária, violeiro e poeta repentista, cantou nos seguintes versos pessimistas os principais núcleos populacionais daquela zona: 

“Brejo é uma ticaca, 
Milagres, curral de fome; 
Porteiras, pau de desgraças, 
No Macapá não tem homem, 
No Jardim só corre lobisomem.” 

    Sem o disparo dum tiro, o coronel Raimundo Cardoso dos Santos foi reposto no cargo de Intendente de Porteiras. 

    O Cariri foi pacificado. 

    O tenente coronel Raimundo Cardoso dos Santos, “O Poderoso Pajé da vila de Porteiras”, assim noticiado pelo jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, faleceu as 19h00min, do dia 11 de outubro de 1917, no Sítio Crioulos, em Barbalha. Era uma quinta-feira.

    P.S.: A criação do Distrito de Paz de Porteiras data de 09 de agosto de 1858, no termo da vila de Jardim. Sua emancipação política e elevação à categoria de Vila, ocorreu em 17 de agosto de 1889. Sendo desmembrada de Jardim, foi suprimida em agosto de 1920. Foi restaurada pela Lei n° 2002, de 16 de outubro de 1922, sob a denominação de Conceição do Cariri. Foi suprimido novamente por Decreto de 20 de maio 1931 e em divisão administrativa de 1933, figurava como distrito pertencente ao município de Brejo dos Santos. Anos depois, por decreto estadual de 1938, voltou a se chamar Porteiras, e o município de Brejo dos Santos passou a se chamar Brejo Santo.

   Porteiras foi elevada à categoria de município com distrito único em 22 de novembro de 1951, quando foi finalmente desmembrada de Brejo Santo. A divisão territorial, constituída apenas do distrito-sede, permaneceu até 2005, quando foi criado o distrito de Barreiros.


Este texto é dedicado ao Povo de Porteiras, Ceará.


    Por Bruno Yacub Sampaio Cabral 

    Para saber mais sobre a deposição do coronel Raimundo Cardoso dos Santos e o conflito entre Brejo Santo e Porteiras:






Fonte bibliográfica 

- ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DA CORTE E PROVINCIA DO RIO DE JANEIRO, setor de Notabilidades, anos de 1908. Recolhido no site memoria.bn.br, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
- ARAÚJO, Padre Antônio Gomes de; O Magnífico Reitor da Universidade do Ceará; em revista Itaytera, Ano V; N° V; Crato – CE; 1959; 
- ARAÚJO, Padre Antônio Gomes de; Povoamento do Cariri; Obras do Padre Antônio Gomes de Araújo, Vol. 2; Faculdade de Filosofia do Crato; 1973; 
- CABRAL, Bruno Yacub Sampaio; Subsídios para a História de Brejo Santo, Vida e Morte do cangaceiro Raimundo Maximiano de Morais, vulgo Mundinho; em Itaytera; N° 48; Crato – CE; 2019; 
- MACÊDO, Joaryvar; O Império do Bacamarte: uma abordagem sobre o coronelismo no cariri cearense; 3ª Edição; Universidade Federal do Ceará, Casa de José de Alencar, Programa Editorial; Fortaleza – CE; 1998; 
- MONTENEGRO, Abelardo Fernando e Sá, Gildácio Almeida (Organizador); Fanáticos e Cangaceiros; Expressão Gráfica Editora; Fortaleza – CE; 2011; 
- PINHEIRO, Irineu; Efemérides do Cariri; Fortaleza; Imprensa Universitária; 1963;
- SANTOS, Cícero Joaquim dos; No Entremeio dos Mundos: tessituras da morte da rufina na tradição oral; Dissertação (Mestrado), Universidade Estadual do Ceará, Departamento de História; Fortaleza – CE; 2009; 
- SANTOS, Cícero Joaquim dos; Passado Alumiado: representações históricas de porteiras; IMOPEC; Fortaleza – CE; 2011; 
- SANTOS, Cícero Joaquim dos; Cruz da Rufina: história e tradição oral; Curitiba; ; CRV; 2021;
- WALKER, Daniel; Padre Cícero, Lampião e Coronéis: análise da vida política de padre cícero através de dois eventos: outorga da patente de capitão a lampião e o pacto dos coronéis; Expressão Gráfica e Editora; Fortaleza – CE; 2017;
- XAVIER, Maria do Socorro Cardoso; Cardoso: troncos e galhos de um clã caririense; Sal da Terra Editora, João Pessoa – PB; 2009; 
- Jornal “A Noite” (RJ); Anno VII; N° 2.092; 12.10.1917; pág. 04; Recolhido no site memoria.bn.br, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
- Jornal "A Ordem" (CE); Anno 1; N° 38; 24.05.1917; pág. 01; Recolhido no site memoria.bn.br, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

sexta-feira, 20 de março de 2020

CORONEL SIMPLÍCIO PEREIRA DA SILVA - UM DOS PROPRIETÁRIOS DA NASCENÇA


"A fazenda Nascença pertenceu aos Santos até 1850, data em que foi adquirida pelo coronel Simplício Pereira da Silva, célebre mandatário do Pajeú. Depois de Simplício, a Nascença passou, respectivamente, às mãos de João Alves Biró, Manuel Inácio Medeiros, Antônio Leite Rabelo da Cunha, Raimundo Tavares de Souza, Basílio Gomes da Silva e José Jacinto de Araújo." (Otacílio Anselmo e Silva).



Casarão da fazenda Nascença.


Simplício Pereira da Silva, o "Peinha de Mão", nascido no ano de 1784, consta ter falecido na fazenda Baixa Grande, freguesia de Jardim, Ceará, aos 10 de janeiro de 1859, com 75 anos de idade. Capitão, depois Tenente Coronel da Guarda Nacional, promovido em 19 de novembro de 1842, quando prendeu os implicados na Revolta do Exú, denominada de Pré-Praieira, foi proprietário das fazendas Olha D'água da Boa Vista e Cachoeira, residia em Belmonte (atual São José do Belmonte) e seus interesses políticos abrangiam as vilas de Barbalha e Santo Antônio na Barra de Jardim, também comarca de Crato. Foi um grande líder da família Pereira do Pajeú, destemido e inquieto.

Por sua pequena estatura era alcunhado por Peinha de Mão. Cel. Simplício participou de muitas aventuras e a literatura diz que gostava de matar índios. Entre batizados e pagãos, matou até perder a conta. Peinha de Mão lutou com um bando de cabras do Pajeú contra o Coronel de milícias, Joaquim Pinto Madeira, o homem da "Coluna, do Trono e do Altar". O coronel Simplício foi um dos principais combatentes dos fanáticos da Pedra do Reino, ocorrido em Belmonte, Pernambuco, em 1838. Neste fato triste e cruel, Simplício Pereira perdeu dois irmãos: Alexandre Pereira da Silva e Cipriano Pereira da Silva.

Dizem que Simplício Pereira, guiado por um índio traiçoeiro, assassinou na Serra Negra, município pernambucano de Floresta, o chefe do Partido Liberal em Pajeú de Flores, o Cel. Francisco Barbosa Nogueira Paz.

O coronel Simplício casou duas vezes, primeiro com Ana Joaquina do Amor Divino (Dona Ana Nunes), falecida na fazenda Baixa Grande, em Jardim, aos 12 de junho de 1878, com origens na Casa da Torre, filha de Aniceto Nunes da Silva e de Antônia Lourenço Aragão. O segundo casamento foi com Cândida Firmino dos Santos, realizado no pátio da Fazenda Nascença, no arraial de Brejo dos Santos, freguesia de Jardim, adquirida em 1850. Sua permanência lá durou ao menos até 1858, quando foi batizada sua filha Maria Pereira dos Santos, fruto do segundo casamento, nascida em 02 de dezembro de 1858 e batizada no Sítio Brejo pelo padre Joaquim de Sá Barreto, vigário da vila de Barra do Jardim (atual Jardim - CE).

As histórias sobre Simplício Pereira, em seu tempo, são infinitas. O apelido de Peinha de Mão ocorria por ser um homem pequeno, porém o que lhe faltava em altura, sobrava em coragem e ousadia. "Conta-se que certa vez Simplício foi aprisionado por sete ou oito índios e um deles o levava nas costas amarrado. Por ser ele pequeno como a peia que se colocava nas patas dianteira dos cavalos no sertão, conseguiu soltar-se com uma faca que trazia escondida e cravou o índio, saindo em desembalada correria para a casa da fazenda, ali assediado de flechas, entrincheirou-se e matou os índios que o levavam preso".



CORONEL SIMPLÍCIO PEREIRA E O ALDEAMENTO DE JARDIM 



O texto abaixo tem como base as informações obtidas por Irineu Nogueira Pinheiro para o livro Efemérides do Cariri, de 1963. 

Mais de um século depois do descobrimento do Cariri pelo homem branco, continuava ali a luta entre o aborígene e os descendentes dos primitivos povoadores. 

Na primeira metade do século XIX, em Jardim, viviam Xocós e Huamães, remanescentes de suas tribos, a alimentar-se de caça e, também, já que esta não era bastante, de carne de gado alheio que encontravam no mato. Daí questões entre eles e os fazendeiros, que os assassinavam quando podiam, sem piedade. 

No Ceará, ou melhor, no Brasil sempre mataram índios como se fossem bichos do mato. 

Costumavam vender os indígenas jardinenses mel e cera de abelha, cujo dinheiro mal dava para comprarem fumo que muito apreciavam. 

Pretendeu o governo aldea-los, mas ele próprio reconhecia que a terra sem lagos e rios perenes não garantia pescarias constantes, e em virtude de verões prolongados e secas periódicas, não proporcionava caça suficiente às necessidades dos aldeados. 

Era impraticável o projeto, mas teimaram em realiza-lo. No caso de Jardim, ao erro do aldeamento juntaram outro imperdoável, qual o de encarregarem da execução da empresa o coronel Simplício Pereira da Silva, potentado de más entranhas, inimigo fidagal dos indígenas que ele matava como as feras em toda a parte em que os encontrava, usando para este fim da traição e de todos os meios, quaisquer que eles fossem. 

Por intermédio do major Manoel José de Sousa, do Coité, conseguiu Simplício entender-se com os indígenas e seu cacique. 

Não querendo este submeter-se ao aldeamento proposto, agarrou, de repente, o coronel Simplício, no meio da conversa, o couro do ventre do chefe índio, torceu-o com força entre o polegar e o índice de sua mão direita, dizendo-lhe num tom de imenso despeito e rancor: 

- E por que não te queres aldear, capitão velhaco? 

Em fúria, gritou o cacique ao coronel, apertando-lhe, violentamente, em revide, o couro da barriga: 

- Por que tu, também, és um capitão velhaco. 

Mas enfim, por ameaças ou por persuasão, ou o que é mais provável, por ambas as coisas, aldearam, após algum tempo, os indígenas jardinenses. 

Em 1845, uma grande seca atingiu a Província do Ceará. No ano seguinte, por falta de recursos, permitiram que os indígenas deixassem sua aldeia e fossem viver no mato, onde quisessem, à maneira de seus antepassados. 

Mantinha-se vigilante o ódio de Simplício Pereira. Passados poucos anos, um certo Félix, vaqueiro de uns dos sobrinhos e tutelados do coronel, matou a tiro de bacamarte ao mísero Cacique dos Xocós. 

Para caracterizar, mais uma vez, a prepotência e crueldade de Simplício Pereira, narraremos o seguinte episódio. 

Certo dia, numa de suas propriedades, em sua casa de morada almoçavam juntos, patriarcalmente, o coronel Simplício e alguns agregados seus. De primeiro, comiam, regra geral, à mesma mesa amos e moradores, a manejarem colheres e não facas e garfos, a rasgarem a carne assada com as mãos, a roerem ossos de galinha ou de criação, segurando-os com os dedos da mão direita, até tirar-lhes todas as fibras, a dentes. 

Sucedeu que, no meio do almoço do coronel, sacudiu fora, pela janela, um dos que estavam à mesa o osso que ele já descanara, de todo. Fê-lo, porém, o osso bater no coronel Simplício sentado à sua frente. 

Frio medo coou na alma do pobre homem que, logo, suspendeu a comida e se desfez em mil desculpas. Tremeram os que assistiram à cena e lhe previram o desfecho. 

Foi dura e inapelável a resposta do potentado: “Coma para depois morrer.” 

Mas qual a causa do ódio implacável de Simplício Pereira contra os indígenas de Jardim? 

Pelo ano de 1838, um tal João Antônio começou a pregar que, em Pedra Bonita ou Pedra do Reino, em dois rochedos ali erguidos, encantava-se o reino de El-Rei Dom Sebastião, de Portugal, falecido, havia séculos, em Alcacer Quibir, na África. 

Temerosos das consequências que lhes poderia proporcionar o fanatismo de Pedra Bonita ou Pedra do Reino, levados, talvez, também, por sentimentos de violência que lhes eram inatos, resolveram cinco irmãos da família Pereira, muito numerosa em Pernambuco, intervir o reduto dos fanáticos, prende-los ou mata-los. 

Na luta à mão armada, morreram dois dos irmãos. Juraram os três restantes vingar as vítimas em todas as circunstancias que lhes fossem propícias. 

Para cumprimento desse terrível voto foi que Simplício Pereira matou indígenas em Jardim, como se fosse caça do mato.



O Brejo é Isso!

por Bruno Yacub Sampaio Cabral


Fonte Bibliográfica

- NEVES, Venício Feitosa; O Patriarca, Crispim Pereira de Araújo "Ioiô Maroto"; Editora e Gráfica Real; Cajazeiras - PB; 2016;
- OLIVEIRA, Tomas Paoliello Pacheco de; Revitalização étnica e dinâmica territorial, Alternativas contemporâneas à crise da economia sertaneja; Contra Capa Livraria Ltda; Rio de Janeiro - RJ; 2012;
- SILVA, Otacílio Anselmo e, Esboço Histórico do Município de Brejo Santo, em revista Itaytera N° 2, Instituto Cultural do Cariri, Crato - CE, 1956;
- CABRAL, Bruno Yacub Sampaio; Dos Santos do Brejo ao Brejo dos Santos; Revista O Brejo; Ano 1; N° 1; 2019; Brejo Santo - CE;
- PINHEIRO, Irineu Nogueira; Efemérides do Cariri; Imprensa Universitária do Ceará; 1963;

sábado, 7 de março de 2020

O CAFÉ DE DONA DOFINA



Há lugares e pessoas que de alguma forma permanecerão muito vivos dentro de nós, mesmo que os anos passem e tentem embotar nossas lembranças. O Café de Dona Dofina ficava ali na Rua Intendente Lourenço Gomes, onde hoje é o Bar de Mororó, entre a Santa Teresinha e minha rua. Cresci ali, a partir dos braços de minha mãe, que me levava nas suas idas e vindas, para tomar um café descompromissado ou desfrutar de todos os banquetes de deleites que aquele lugar oferecia.

Era um cheiro sempre quente de bolos no forno, tachos fumegantes de doces que saía da cozinha, atravessava a sala, dançando pelas mesas, atravessando portas e janelas e tomando a rua.O lugar era a própria casa da senhora, já viúva e desde há muito empreendedora naquele mercado doméstico que povoava os gostos de toda uma gente, provavelmente já antes de 1950. Ajudada principalmente por Francisca, sua fiel escudeira, na execução dos temperos e ingredientes, caldeirões e colheres de pau, Dona Dofina executava sua alquimia do sabor, conquistando uma vasta e fiel clientela.

- Dona Dofina, me dê um pão com doce de leite e banana.

- Dona Dofina, eu quero uma cajuína gelada e um pão doce!

- Dona Dofina, a senhora já tem doce de mamão verde com coco?

- Dona Dofina, quero aquele torresmo que só a senhora sabe fazer?

- Dona Dofina, por acaso a senhora tem um bolo de puba e de bom-bocado?

- Dona Dofina, me conte o segredo desses seus bifes apimentados? Não me diga que é só a banha de porco e pimenta do reino...

- Dona Dofina, é verdade que a senhora usa pedra ume pra cortar o leite?

E estava ela ali, sorridente, mãos quentes, cabelos brancos e longos arrumados num coque, vestido folgado com bolsos fartos, para passar um troco, solícita, com sua mente bem viva. Sem egoísmo, não escondia seus segredos culinários - embora fosse difícil acertar o ponto de seus gostos, porque todas as suas medidas eram feitas no olho.

A velhice não lhe roubara a vivacidade, a alegria no rosto e o carinho com que recebia cada um. As crianças das redondezas estavam sempre a querer agradar a eleita avó de todos, levando-lhe rosas, bulgaris e outras flores certamente roubadas em algum jardim desvigiado, para lhe enfeitarem os santos; ou pimentas, de algum quintal conhecido, para compor seus molhos. Flores ou pimentas eram sempre recompensadas com uma guloseima. Quando a meninada era grande, sedenta feito formiga, ela nos afagava com um cheiro, afinal, a pobre não podia padecer daquele prejuízo.

O café já não existe mais. Dona Dofina nos deixou há tantos anos que nem sei mais. Alguns sabores daquela época nunca se repetirão do mesmo jeito. Vez por outra, quando minha mãe refaz uma receita de doce, de bolo, que leva um desses preciosos segredos por ela compartilhados, a gente volta a revisitá-la, guiados pelos sabores inesquecíveis e por doces saudades.

Porto Velho-RO, 07 de março de 2020.



Hérlon Fernandes Gomes