O jornal
Gazeta de Juazeiro colheu impressionante reportagem a respeito de Lampião e seu
grupo, ao passar por Brejo Santo, na direção do Pajeú.
Publicada também pelo Jornal do Recife, em 25 de fevereiro de 1926, a matéria fornece
interessantes informações sobre Lampião e o seu bando. O célebre bandoleiro
andava fardado de Coronel, depois de realizar malfeitos na região, matando,
roubando e lançando o terror por toda a parte.
Nessa época,
levas de romeiros pediam a proteção do padre Cícero e se obstinavam em
permanecer em Juazeiro, único ponto onde se julgam a salvo do banditismo.
Estava o
senhor Francisco Saraiva Xavier no seu sítio Poço, na vila de Brejo dos Santos
(atual Brejo Santo – CE), quando apareceu ali Lampião e um numeroso grupo de bandidos
pedindo-lhes pousada. Vinham todos a cavalo e estavam armados até os
dentes. Chiquinho Xavier, como era
conhecido, não pôde deixar de dar pousada aos estranhos hóspedes, que se
mostraram desde logo sem cerimônias, tomando conta da casa.
O fazendeiro aproveitou o ensejo para realizar uma entrevista ao Rei do Cangaço.
Contou o
parnamirinense, radicado em Brejo Santo, casado com Eulália Sampaio Cardoso
Martins Xavier, que o grupo de facínoras era composto de Lampião, Dé
Araújo e Sabino, formando um grupo de 45 homens. Vinham de Aurora, tendo
penetrado a Paraíba e, após as mais terríveis depredações, retornavam ao Ceará
para, em seguida, internarem-se nos sertões do Pajeú pernambucano.
O anfitrião
pediu que Lampião se apresentasse, tendo dito:
- Eu sou o coronel Lampião, o homem mais
valente do Brasil.
Em seguida,
apresentou os principais componentes do seu grupo.
- Aqui o meu estado maior... major Horácio
Novais, meu secretário..., capitão fulano..., tenente sicrano.
O repórter
descreveu que todos estavam fardados como verdadeiros militares, cada um
apresentando as divisas dos seus imaginários postos. A segunda pergunta
questionava a Lampião quais os objetivos com a tropa naquele lugar:
- Ando recrutando gente para a guerra... – respondeu
Virgulino Ferreira.
Chiquinho
Xavier não compreendeu bem a resposta e Lampião se pôs a conversar
desembaraçadamente, expondo todos os seus planos com desassombro.
- Por ora somos 32 homens, 32 que você está
vendo e mais 20 que mandei a uma diligência (incendiar as propriedades de um
fazendeiro na Paraíba). Vim ao Ceará somente recrutar gente para a guerra.
Pretendo agora no Pajeú completar uma força de 200 homens para atacar uma
cidade importante no Pernambuco, a fim de aumentar o número de homens a mil.
E dizendo
isto, mostrou uma porção de rifles e munição que levava de sobressalência, para
distribuir com os novos recrutas. As condições do engajamento eram as seguintes:
Lampião daria um rifle com munição, fardamento e 1000$000 (cem mil réis) em
dinheiro ao recruta e este então fizesse pela vida daí por diante.
- E para que o Coronel quer tanta gente?
Indagou Chiquinho Xavier, curioso.
- Não lhe disse que era para a guerra? Tornou
Lampião. Quero juntar mil homens para
declarar guerra oficial aos estados da Paraíba e Pernambuco. Hei de fazer uma
guerra tão violenta a estes Estados que o meu nome ficará na história.
- E não tem medo do Governo Federal?
Lampião riu ironicamente e continuou:
- Nós não sabemos o que é medo. O meu plano
é resistir como um leão até o Governo nos conceder anistia.
Francisco
Xavier estava de queixo caído. Todavia, Lampião prosseguiu:
- Agora vou lutar a descoberto. Estou
aborrecido de caminhar por veredas. Só andarei agora pelas estradas e faço
questão de me encontrar com os “macacos” do Governo.
A matéria ressaltava
a vaidade de Lampião, devido à celebridade que o seu nome havia ganhado nos
jornais e citava outras matérias contemporâneas, em que se descrevia um homem
de atitudes contraditórias às selvagerias também alardeadas. Por exemplo, sobre
as horríveis depredações da Paraíba, nos sítios Cipó e Catingueira, ele foi
citado, no jornal O Rebate, de Cajazeiras como um chefe de bando generoso e
moderado.
Outra matéria contava
que, no Ceará, Lampião teria dado 500$000
(quinhentos mil réis) para o conserto de uma capela, e mais 100$000 (cem mil
réis) de esmola a uma velhinha e obrigou um dos cabras a restituir 60$000
(sessenta mil réis) que roubara de um pobre lavrador.
Trajado como
um Coronel do exército, no Poço, em Brejo Santo, usava meias de seda, camisa
palha de seda, lenço também de seda ao pescoço, passado num anel de brilhante,
relógios, pulseira nos dois punhos, bornal, cartucheira ataviados com moedas de
ouro, chapéu de abas largas, ao modo dos bandidos de cinema.
Nos pousos, o bandoleiro chefe costumava tocar uma harmônica e outros jogavam moedas de ouro no chão. O major Horácio Novais era quem lia as últimas notícias dos jornais para o coronel Lampião, que o ouvia atentamente, interrompendo-o aqui e ali para fazer os seus comentários sempre galhofeiros.
Lampião demonstrava
gosto por ver seu nome em letras de forma e se interessava especialmente pelas
notícias relativas aos revolucionários da Coluna Miguel Costa-Prestes, aos quais devotava um
verdadeiro culto de admiração:
- Só não gostei do nome dessa tal Coluna Peste, mas se esses peste é contra o Governo, tô com eles.
UMA FAKE NEWS
ANTIGA ASSUSTOU BREJO DOS SANTOS
No início de janeiro de 1926, espalhou-se pela vila de Brejo dos Santos uma notícia, que alvoroçou o povo brejo-santense, que correu para se armar. Saia gente de todo canto avisando e pedindo para que as pessoas se prevenissem contra o possível ataque do famigerado bandido. Outras pegaram em armas e se juntaram em grupos com o intuito de enfrentar a horda que se dizia aproximar para grande arruaça. Vários homens, de fato, se reuniram, em busca de um plano que amenizasse os possíveis estragos na cidade.
O coronel
Manoel Leite de Moura, que era conhecidamente manso, logo se avexou, procurando
defesa. Conforme nos contou o neto do dito coronel, Francisco Leite
Quental e o co-autor Antônio Klévisson
Viana Lima, no livro - Lampião e Outras Histórias Curiosas do Cangaço: “na agonia e no desespero da tão decantada
invasão, correu e agarrou o seu rifle cruzeta e colocou a cartucheira na cintura.
Quando voltou todo equipado, chamou logo a atenção dos presentes, pelo
inusitado da vestimenta. Guardando certa pose, desfilava um tanto orgulhoso e
altaneiro pela casa, quando se ouve um barulhozinho: “top... top... top...” O
nêgo Zé Felix, seu amigo e compadre, por sinal muito valente, depois de
observá-lo atentamente, disse: -
“Coroné, o sinhô colocou a cartucheira foi de cabeça pra baixo e as balas estão
todas despencando!” Ninguém aguentou e todos caíram na gargalhada, enquanto
o Coronel repetia desapontado: - “Ô que
seiscentos diabo! Eu não dou pra isso, definitivamente eu não dou pra isso...”
Coronel Manoel Leite de Moura e sua esposa, Antônia Leite Tavares. Foto: acervo dA Munganga. |
Chalé do Cel. Manoel Leite de Moura, na vila de Brejo dos Santos. Década de 1940. Foto: acervo dA Munganga. |
Como dito no
subtítulo, foi apenas uma fake news. O bando de Lampião não passou pelo centro
da Vila de Brejo dos Santos, do Poço, onde concluiu a entrevista, seguiu para o
Pajeú.
Notícias
outras noticiavam que Lampião nutria "simpatia' pelos revoltosos da Coluna
Prestes, a respeito dos quais acompanhava as notícias por meio da imprensa. Sua
admiração pelo "Cavaleiro da Esperança" aparentemente seria tanta que
planejava formar um batalhão para se unir aos rebeldes tenentistas, com quem
faria uma "guerra oficial" aos estados de Pernambuco e da Paraíba. Os
revoltosos, em teoria, estariam tentando aliciar o "rei" dos
cangaceiros, de acordo com Flores da Cunha, em carta ao "coronel "Ângelo
Gomes Lima, mais conhecido por Ângelo da Gia.
Especulações
de que oficiais da Coluna teriam recomendado que Prestes convidasse o bandoleiro
a se unir aos revoltosos, mas que ele teria se recusado; e de que um primo de
Lampião, na Paraíba, teria se oferecido ao "Cavaleiro da Esperança"
para convidar Virgulino a se unir à sua Coluna, o que também foi rejeitado. Até
mesmo um cangaceiro, José Alves da Cunha, o Ventania, teria sido capturado
pelos soldados de Prestes e incorporado à Coluna, durante a passagem dos
"revoltosos" pela região. E que o próprio Lampião chegou a afirmar que
havia aprendido muito com os revolucionários.
Conforme dito,
foram somente especulações, pois não há nenhum indício, seja da parte de
Lampião, seja de entrevistas ou documentos de Prestes ou dos oficiais tenentistas,
de que o mais famoso comunista brasileiro tivesse manifestado entusiasmo em se
unir aos cangaceiros. Pelo contrário, como se sabe, o "capitão" Virgulino
Ferreira se aliaria ao Governo por um breve período para lutar contra Prestes e seus soldados, quando vai
receber a patente de Capitão do Batalhão Patriótico, em 06/03/1926, em Juazeiro
do Norte-CE, chamando-se de legalista por onde passasse.
Registros da passagem de Lampião em Juazeiro do Norte, em março de 1926, feitas por Lauro Cabral de Oliveira Leite e Pedro Maia.
Grupo completo, vendo-se a primeira fila de joelho no chão; a segunda de pé e a terceira em cima de um banco. Lampião e Antônio Ferreira aparecem no lado esquerdo da fotografia. Foto de Pedro Maia. |
PS: Francisco
Saraiva Xavier, mais conhecido por Chiquinho, nasceu em Leopoldina, hoje
Parnamirim – PE, em 1896 e é filho de Pedro Xavier de Souza e Josefa Leocádia
de Castro Saraiva. Casou-se em 10.12.1917 com Eulália Sampaio Martins Cardoso,
mais conhecida por Lolosa, nascida 04.04.1892, no sítio Crioulos, em Barbalha –
CE, sendo filha de João Martins Cardoso de Oliveira e Maria Glória Sampaio
Cardoso. Chiquinho e Lolosa tiveram os seguintes filhos: Audízio Martins
Xavier, Olavo Martins Xavier, Alberto Martins Xavier, Adalberto Martins Xavier,
Agemir Marins Xavier, Agamenon Martins Xavier, Aldo Martins Xavier, Adair
Martins Xavier, Marlene Xavier do Amaral e Maria Sampaio Xavier Mariano.
O Brejo é Isso!
Por Bruno Yacub Sampaio Cabral.
Agradecimento especial aos amigos Hérlon Fernandes Gomes e Ângelo Osmiro Barreto.
PANORAMA ATUAL DA FAZENDA
POÇO, ANTERIORMENTE PERTENCENTE A FRANCISCO SARAIVA XAVIER.
Referência bibliográfica:
- BONFIM, Luiz Ruben F. de A; Lampeão antes de ser Capitão; Paulo Afonso; Editora Oxente; 2ª Edição; 2020;
- CABRAL, Bruno Yacub Sampaio. Análise da entrevista que lampião concedeu em brejo santo, em 1926 no contexto do que noticiava a imprensa da época: coluna prestes. uma notícia falsa põe a vila de brejo em alerta. lampião vai a juazeiro se alistar ao governo para lutar contra o cavaleiro da esperança. Brejo Santo, 2021. Disponível em: < https://amunganga.blogspot.com/2021/12/analise-da-entrevista-que-lampiao.html >. Acesso em: 27 dez. 2021;
- CHANDLER, Billy James; Lampião: o rei dos
cangaceiros; São Paulo; Paz e Terra; 1981;
- IRMÃO, José Bezerra Lima; Lampião: a raposa das
caatingas; 4ª
edição; Salvador; JM Gráfica & Editora Ltda; 2018;
- PERICÁS, Luiz Bernardo; Os Cangaceiros: ensaio
de interpretação histórica; São Paulo; Boitempo; 2010;
- QUENTAL, Francisco Leite; e Lima, Antônio
Klévisson Viana; Lampião e Outras Histórias Curiosas do Cangaço; Brejo Santo; 2005;
- MACIEL; Frederico Bezerra; Lampião: seu tempo e
seu reinado; Petrópolis; Vozes; v. III; 1986;
- MELLO, Frederico Pernambucano de; Guerreiros do
sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil; São Paulo; A Girafa; 2011;
- MELLO, Frederico Pernambucano de; Benjamim
Abrahão: entre anjos e cangaceiros; São Paulo; Escrituras Editora; 2012;
- MELLO, Frederico Pernambucano de; Apagando
Lampião: vida e morte do rei do cangaço; São Paulo; Global; 2018;
- NETO, Lira; Padre Cícero: poder, fé e guerra no
sertão; São Paulo; Companhia das Letras; 2009;
- SANTOS, Robério (organizador); Álbum do Cangaço
2; 2018;
- XAVIER, Maria do Socorro Cardoso; Cardoso:
troncos e galhos de um clã caririense; João Pessoa. Sal da Terra Editora; 2006;
- XAVIER, Maria do Socorro Cardoso; A saga de um
clã Xavier; João Pessoa; Sal da Terra Editora; 2012;
- WALKER, Daniel; Padre Cícero, Lampião e coronéis: análise de vida política de Padre Cícero através de dois eventos: outorga da
patente de Capitão a Lampião e o Pacto dos Coronéis; Fortaleza; Expressão
Gráfica e Editora; 2017;
- WALKER, Daniel; Lampião e sua falsa patente de
Capitão; Rio de Janeiro; Katzen Editora; 2019;
- Jornal O Combate (SP); edição de 13 de janeiro de
1926;
- Jornal A Província (PE); edição de 26 de janeiro
de 1926;
- Jornal do Recife (PE); edição de 25 de fevereiro
de 1926.
Gostei muito da reportagem. Dos livros citados, li apenas o do Lira Neto, onde consta que o grupo de Lampião nunca se confrontou com a Coluna Prestes(Francisco Alves dos Santos Jr, natural de Milagres-CE).
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