Essa pergunta — ou melhor, sua resposta — desafia o consenso atual sobre o povoamento das Américas. Aprendemos na escola que o homem migrou da Ásia para as Américas entre 8 e 10 mil anos atrás, através da América do Norte, pelo estreito de Bering, seja utilizando embarcações primitivas ou mesmo andando sobre o gelo que ligava os dois continentes durante a era glacial (sim, ainda estamos em uma era glacial).
Por incrível que pareça, essa teoria data do século XVI, proposta por José de Acosta em 1590. Ela ganhou força em 1930 e foi retomada nos anos 1970, tornando-se praticamente unânime entre os historiadores desde então.
A partir da década de 1970, apenas cogitar a possibilidade de outra forma de entrada nas Américas — ou mesmo questionar a data de 13 mil anos — era considerado uma ofensa.
Porém, pesquisas realizadas pela renomada arqueóloga Niéde Guidon, na Serra da Capivara, no estado do Piauí, ainda nos anos 1970, trouxeram à tona novos fatos acerca desses povos.
Atraída pela maior coleção de pinturas rupestres do mundo, a pesquisadora decidiu aprofundar seus estudos e realizou escavações em vários pontos-chave da extensa área que, graças a seus esforços, foi transformada no Parque Nacional da Serra da Capivara, instituído em 1979.
Essas buscas culminaram na descoberta de dezenas de artefatos pré-históricos — como pontas de lança, cerâmicas, machados — e até dois esqueletos humanos datados de aproximadamente 12 mil anos.
Mas não parou por aí. Quanto mais se escavava, mais antigos eram os achados, chegando a incríveis 50 mil anos, comprovados por meio das técnicas científicas de datação por radiocarbono e termoluminescência (TL).
É importante destacar que as pinturas rupestres possuem entre 6 e 12 mil anos. Apenas as fogueiras e os artefatos encontrados nas escavações possuem datas mais antigas.
Mas o que as pinturas rupestres da Serra da Capivara têm a ver com a nossa Pedra da Letra, em Mauriti-CE?
Tudo!
Ambas estão localizadas no continente sul-americano, no Nordeste do Brasil, relativamente próximas (cerca de 500 km de distância), e apresentam a mesma composição de matéria-prima utilizada na tinta: ocre, óxido de ferro, entre outros.
Que fique claro: essas não são manifestações artísticas dos povos indígenas que reconhecemos como legítimos habitantes da região, mas sim de um povo — ou povos — anteriores.
O Ceará era ancestralmente habitado por povos indígenas dos troncos Tupi (Tabajara, Potyguara, Tapeba, entre outros) e Jê (Kariri, Inhamum, Jucá, Kanindé, Tremembé, Karatius, entre outros). E, como já foi dito, é fato que não foram esses povos os autores das obras em questão.
Então, quem seriam?
Padrões semelhantes aos nossos são registrados em outros continentes, como África e Ásia, e ainda em países das Américas, como Argentina, México e Estados Unidos. Eles datam, em sua maioria, do mesmo período: entre 6 e 13 mil anos, quase como se fosse um costume ou uma vocação desses povos.
Seria um equívoco
atribuir a um único povo a autoria dessas obras. Sabe-se que foram
feitas por paleoíndios, possíveis ancestrais dos povos indígenas
conhecidos. Alguns autores arriscam sugerir grupos como Kaingang,
Xokleng, Guarani, entre outros, como possíveis responsáveis.
Entretanto, não encontrei, entre esses autores, estudos ou artigos científicos que tornem essas teorias fatos. Afinal, um mesmo povo compartilha uma língua, cultura, história e características físicas. Como pode alguém afirmar que se trata dos mesmos povos de 12 mil anos atrás, se, ao longo dos milênios, nenhum povo da Terra permaneceu o mesmo? Todos se fundem, se dividem, se adaptam — e, assim, originam novos grupos.
A resposta para o título deste texto é: ainda não sabemos.
Faltam estudo, pesquisa, interesse, curiosidade e vontade.
O objetivo deste artigo, além de informar, é provocar, instigar e, definitivamente, estimular o leitor à evidente reflexão que ele propõe.
Fontes consultadas:
- Guida, Victor. A ocupação do continente americano à luz dos novos dados genéticos e o sensacionalismo midiático. Arqueologia e Pré-História, 9 de novembro de 2018.
- Leite Neto, João. Índios e Terra - Ceará: 1850-1880.
- Pivetta, Marcos. Niéde Guidon: uma arqueóloga no sertão. Revista Pesquisa FAPESP.
- Tommasino, Kimiye. Povos indígenas no Brasil: Kaingang.
Excelente texto. Muito esclarecedora as informações acerca das pinturas rupestres, da Pedra da Letra, em nossa Mauriti-Ce.
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