A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

sábado, 29 de fevereiro de 2020

1939: O CANGACEIRO MORENO EM BREJO SANTO


A RUA DO JUÁ

E A CONSTRUÇÃO DO PRIMEIRO CAMPO DE AVIAÇÃO NA CIDADE



Durvinha e Moreno, 1936.
Imagem do filme de Benjamim Abrahão/ Imovision.


Por volta de 1939, fugindo de Tacaratu, em Pernambuco, os cangaceiros Moreno (Antônio Inácio da Silva), sua companheira Durvinha (Durvalina Gomes de Sá) e o cabra João Garrincha, depois de uma estafante caminhada, chegaram a Brejo Santo, onde esperaram o anoitecer para poderem se aproximar da casa do pai de Moreno, localizada na Rua do Juá (Rua Tiburtino Inácio), o trecho, na altura do Clube das Mães, temendo uma emboscada. Com o escurecer, Moreno se dirigiu a casa do progenitor e bateu na porta. De dentro da residência soou uma indagada voz:

- Quem é que está batendo na porta?

- É Antônio, pai!

O velho Manoel Inácio da Silva abriu a porta, se abraçou com o filho, o abençoando. Depois de conversarem por alguns minutos, os cangaceiros se dirigiram para outro local onde foram procurar uma dormida, longe dos casebres, na solidão da mata, na segurança do cobertor negro espalhado pela noite fria.

Um dos amigos de Moreno, um rapaz chamado Francisco, morador da famosa Rua da Lama, pediu pra acompanhar Moreno. O cangaceiro armou o rapaz, com um mosquetão e o jovem sumiu antes do amanhecer, levando a arma.

No período de tempo em que Moreno permaneceu em Brejo Santo, cometeu uma série de atrocidades, destacando-se a mais infanda, aquela em que um homem e uma mulher, moradores do Sítio “Imbuzeiro”, acusados de delação, foram, em represália, seviciados com requintes de perversidade. A mulher tivera a ponta da língua cortada com punhal, enquanto o homem fora castrado.

Enquanto isso, o então Interventor Municipal, José Matias Sampaio, recebera comunicado do Governo Estadual, o interventor Menezes Pimentel, orientando-o a construir um campo de aviação para receber o Chefe de Polícia e Segurança Publica.

Autoridades e curiosos foram assistir a chegada
do primeiro do avião em Brejo Santo.
Entre eles, o menino Edmar Alves de Lucena e seu pai,
Heráclito Alves de Moura (de terno escuro, logo atrás).
Foto: acervo de Edmar Alves de Lucena.

O “aeroporto” fora construído no Sítio Capoeiro, região entre os Sítios Pau D’arco e Malhada do Boi. Para a terraplanagem daquele “aeroporto” foram contratados centenas de trabalhadores, tarefa executada em tempo recorde, tendo sido toda custeada pelos cofres municipais.

O Secretário de Polícia e Segurança Publica o capitão Cordeiro Neto viria supervisionar os trabalhos do Comandante da tropa dos duzentos soldados, que para cá vieram para capturar o cangaceiro Moreno.

Notícia do jornal Diário de Notícias (RJ),
de 30 de junho de 1939.

O comandante Cel. Antônio de Oliveira, conhecido por Antônio das Coans, contava com a atuação policial competente do subtenente Alfredo Dias que, por sua vez, tinha para executar tarefas, no sentido do aprisionamento de Moreno, e de sua total confiança, os sargentos Germano e Arnou.

O sargento Arnou consegue chegar ao Sr. Pedro Antônio, portador de uma carta de Moreno a um fazendeiro, em cuja carta solicitava ajuda financeira, mas jamais aqueles soldados, sargentos, tenente, comandante conseguiriam prender Moreno, que conseguiu fugir para outras terras.

Toda perseguição a Moreno se dava apenas na zona leste da cidade, hoje o Bairro São Francisco, naturalmente, por aquela parte da cidade residir os pais e tios de Moreno.

Pois bem, o delegado da cidade soube rápido da chegada dos cangaceiros e enviou alguns soldados para a captura de Moreno. Os combatentes cercaram a casa de Manoel Inácio. Um dos guarnecedores se aproximou e foi dar uma volta nos arredores da residência, na intenção de ver se encontrava com Moreno. Ofuscado pela escuridão, outro soldado que fazia o cerco, viu na hora em que uma figura armada se aproximou da frente da casa e imaginando ser Moreno, disparou o mosquetão. O homem caiu. Atordoado pelo barulho do tiro, Manoel Inácio acordou, acendeu a lamparina e saiu gritando:

- Mataram meu filho! Mataram meu filho!

No meio da confusão, pela claridade difusa da lamparina, Manoel Inácio constatou que o morto não era seu filho. O soldado que havia realizado o disparo correu para averiguar a presa abatida e tamanha surpresa, chorou a tragédia onde tombara um dos amigos de farda e por esse crime, na ânsia de tornar-se herói, teria que prestar contas como afoito e bisonho, ofuscado pela noite, sendo traído por seus reflexos de guerrilheiro.

O policial morto pelo “fogo amigo” tratava-se do soldado Oliveira e este namorava Geralda Simplício, Professora da cidade.

Ao amanhecer, Moreno se dirigiu a cidade, encontrando no caminho, com um colega que havia estudado com ele. O amigo relatou o que tinha acontecido na noite anterior, pedindo para que ele não seguisse na direção da casa do pai, pois corria o risco de ser morto ou preso e, ainda, por seu pai já ter saído da cidade, temendo represálias por parte da polícia. Moreno então agradeceu a informação e ganhou as caatingas, retornando “pras Alagoas”.







Dedicamos esse artigo aos filhos e demais descendentes de Moreno e Durvinha, em especial a querida amiga Nely Maria da Conceição (Lili) e aos parentes em Brejo Santo.

O Brejo é Isso!

Bruno Yacub Sampaio Cabral

Referência Bibliográfica

- LIMA, João de Sousa; Moreno e Durvinha, Sangue, amor e fuga no cangaço; Editora Fonte Viva; Paulo Afonso – BA; 2007;
MACÊDO, Lenira; Juarez: Questão de honra, coragem e missão; Expressão Gráfica Editora; Brejo Santo – CE; 2009;
- ARAÚJO, Francisco Alves; Veredas do chão nativo; Brejo Santo – CE; 2003;
- SILVA, Otacílio Anselmo; Esboço Histórico do Município de Brejo Santo; em Itaytera, N° 2; Crato – CE; 1956;
- Jornal Diário de Notícias; Anno X; N° 5114; Rio de Janeiro (RJ), 30 de junho de 1939; pág. 2.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

QUEIMADA DO MEIO: A HISTÓRIA DO POVOADO DE SÃO SEBASTIÃO EM BREJO SANTO-CE

    A história da formação da povoação de São Sebastião, em Brejo Santo - Ceará é contada através da sabedoria popular, passada entre as gerações e esta tradição oral ainda hoje é presente.

Antigas veredas da Queimada do Meio,
Vila São Sebastião,
Brejo Santo - CE.

Povoado de São Sebastião. Fonte: Google Earth.
    
    Na primeira metade do século XIX, a colonização das margens do Riacho dos Porcos, desde sua nascente, em Jardim, até o encontro com o Rio Salgado, em Quimami, já tinha iniciado, tanto pelo "Sertão de Fora" (pela colonização baiana), como pelo "Sertão de Dentro" (pela colonização pernambucana).
    No território onde hoje se encontra o município de Brejo Santo, existiam currais de gado cavalar e vacum, tanto na região do Poço e Canabravinha, como também na região próxima ao sopé da Chapada do Araripe, chamada de Nascença. Foi por conta das estradas de acesso aos Cariris Novos que passavam pelo pátio da Nascença, a razão pelo início da ocupação urbana naquela área.
    Pois bem, devido ao flagelo da calamitosa seca que assolou o nordeste brasileiro entre 1877 e 1879, Inácio Pereira da Silva e sua prole deixaram a vila de Sousa, na província da Paraíba e foram para a vila de Santo Antônio de Jardim (hoje Jardim-CE), de onde por conta de conflitos políticos, foram embora para o sítio Baixio do Couro (hoje Penaforte-CE) e posteriormente pediu guarida ao coronel Domingos Leite Furtado, este chefe político da vila de Milagres, acolhendo Inácio Pereira e sua família em uma de suas propriedades, localizada no sítio Ludovico, às margens do Riacho Tamanduá, hoje região de fronteira entre os municípios de Brejo Santo e Milagres.
    Foi devido à orientação do próprio Cel. Domingos Furtado, que Inácio Pereira comprou uma parte de terra localizada aproximadamente a uma légua do distrito de Brejo dos Santos, existindo no centro da propriedade uma grande clareira, local onde era comum a prática de queimadas de Angicos (Anadenanthera colubina) para a retirada de uma das matérias-primas para confecção de sabão, o local era conhecido como a Queimada do Meio, próximo ao Riacho Porteiras.

Antiga ponte sobre o Riacho Porteiras.
    
    Na Queimada do Meio, a família se instalou e começou a labuta na propriedade com criações e cultivo da terra. Chegaram a construir um açude, que hoje serve como atrativo de recreação e lazer para a comunidade. Inácio era devoto de Santo de Antônio e sempre fazia questão de comemorar sua devoção, participando de novenários e os festejos eram sempre animados com banda cabaçal. Na Vila São Sebastião, a tradição da cultura popular ainda se encontra viva e pujante, através da banda cabaçal Mestre Elias Rosinha, com mais de sessenta anos de atuação.

Banda Cabaçal Mestre Elias Rosinha.
Foto: Seculte Brejo Santo. 

    Inácio Pereira da Silva foi assassinado numa Semana Santa, por lavradores que estavam trabalhando em sua roça, na Queimada do Meio, no ano de 1877. Após o final de mais um dia árduo na lavoura, tentando tirar da terra seca, dura e judiada pela mais devastadora seca da história do Brasil, alimentos para abastecer sua família, Inácio precisou voltar a plantação e quando lá chegou, deparou com os mesmos trabalhadores colhendo, sem seu consentimento, as poucas vagens de feijão brotadas no meio daquela sequidão. Inácio então tentou dar voz de prisão aos saqueadores, porém, estes partiram para atacar Inácio, matando-o. Neste ínterim, os filhos de Inácio ao perceberem que já tinha passado o horário do pai estar em casa, vão a sua procura e o encontram morto no meio da roça, junto aos assassinos: eram dois homens e uma mulher. Como vingança, os filhos de Inácio matam os dois homens no mesmo local e escalpelam a mulher, que também participou da morte do pai. Tanto Inácio, quanto os seus assassinos foram enterrados na mesma roça, local do fatídico fim do patriarca povoador da Vila São Sebastião.
    Em 1977, em memória do centenário da morte de Inácio Pereira da Silva, seus descendentes decidem construir um cruzeiro no mesmo local de sua morte e descanso final.









   Foram seus filhos: José Inácio da Silva, Joaquim Inácio da Silva, Antônio Inácio da Silva, João Inácio da Silva, Francisco Inácio da Silva, Manoel Inácio da Silva, Francelina Inácio da Silva, Josefa Inácio da Silva, Francisca Inácio da Silva, Antônia Inácio da Silva e Maria Inácio da Silva.

    Com o passar dos anos, em 1927 houve um grande surto de doença misteriosa, que vinha dizimando a comunidade. Os filhos e netos de Inácio Pereira apavorados, fizeram seus rogos: "Se aquela epidemia fosse embora, a família pagaria a promessa instalando um quarto de oração, em agradecimento a São Sebastião".
    A epidemia cessou e a comunidade começou a chamar de milagre, se mobilizando para o pagamento da promessa. O Vigário da Paróquia Sagrado Coração de Jesus na época, era o padre Raimundo Nonato Pita. Este, além de aprovar a ideia, convenceu a comunidade a construir uma capela no mesmo local da antiga casa de Inácio Pereira, sendo São Sebastião seu patrono, com sua primeira missa realizada em 20 de janeiro de 1930 pelo padre Pedro Inácio Ribeiro.

Aspecto da antiga capela de São Sebastião.

Aspecto das tradicionais festas do padroeiro, no povoado de São Sebastião.
    
    A partir da religiosidade do povo do lugar, ao passar dos anos, foi mudando a denominação de sítio Queimada do Meio para sítio São Sebastião.
    Já é hábito que, quando citamos o povoado de São Sebastião, chamamos de “Vila de São Sebastião”, erroneamente. Legalmente, o "São Sebastião" ainda possui a denominação de “Sítio” ou “Povoado”, pois até o momento, nunca houve projeto de lei que o elevasse a categoria de Vila.
    Assim se formou a comunidade de São Sebastião, em Brejo Santo-CE.

O Brejo é Isso!

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral





Aspecto atual da comunidade São Sebastião, Brejo Santo - CE.













Registros dos 90 anos da Festa de São Sebastião, janeiro de 2020. 
Acervo Francélio Cardoso.






Referências:

- Vila São Sebastião, Seu Povo e Sua História; Jovens Felizes em Cristo (J.F.C.); Brejo Santo, Ceará; 2007;
- Entrevista com Pedro José Lino (Pedro Juca), bisneto de Inácio Pereira da Silva, em janeiro de 2023.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

O IMPORTANTE PAPEL DAS MULHERES NO FOGO DAS GUARIBAS


FOGO DAS GUARIBAS – 93 ANOS

01.02.1927 – 01.02.2020


No Fogo das Guaribas só havia duas mulheres dentro da casa grande do Tenente-Quartel-Mestre da Guarda Nacional, o coronel Francisco Pereira de Lucena, Chico Chicote: Dona Geracina Gomes da Silva, esposa, e Josefa Inácio de Lucena (Zefinha), sua filha. Nenhuma serviçal da casa estava na hora; aquelas duas tiveram importante papel no decorrer do tiroteio que durou 31 horas.

Geracina Gomes da Silva, esposa de Chico Chicote.
Fonte: Acervo família Lucena.

Josefa Inácio de Lucena, filha de Chico Chicote.
Fonte: Acervo família Lucena.
Chico Chicote atirava com vários rifles e fuzis a seu dispor: dona Geracina e a filha foram encarregadas de os municiarem. Chico Chicote só atirava! E de tanto atirar, os armamentos ficaram com os canos incandescentes. As duas mulheres foram também encarregadas da refrigeração dos armamentos em latas de água, ali postas para isto, possibilitando a Chico Chicote, seu filho Vicente Inácio de Lucena (Vicente Chicote) e os cabras Mané Caipora e Sebastião Cancão, atirarem continuamente, como se fossem muitos defensores. Elas foram poupadas da morte, e presenciaram a bárbara morte do chefe da família.

Não houve tempo de se alimentarem. Somente a luta tenaz e a resistência heroica estavam na agenda daquele pequeno grupo de quatro homens e duas mulheres, sustentando um fogo desigual contra policiais de três Estados. Nunca se viu coisa igual antes! Guaribas jamais será repetida, porque Chico Chicote morreu!

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral

O Brejo é Isso!



Fonte bibliográfica:

- NEVES, Napoleão Tavares; Cariri – Cangaço, Coiteiros e Adjacências, Crônicas Cangaceiras; pág. 62; Editora Thesaurus; Brasília – DF, 2009;

- Diário Oficial dos Estados Unidos do Brazil; Ano XXXVII – 10° da República – N° 309; 15 de novembro de 1898; pág. 3872.