O Major Francisco Chicote, respeitado pela comunidade inteira por sua patente, sua moral, seu fino trato e concórdia, desgostava daquela aversão do filho caçula às letras, aos estudos; temia aquele espírito indomável em sempre querer impor as próprias vontades a tudo. É bem verdade que o rapazinho não era preguiçoso. Realmente nascera para tratar da brutalidade da terra, dos bichos, desses negócios. Encaminhara o menino ao Seminário por insistência de Donina, apegada à crença de que a fé nos ensinamentos cristãos abrandassem aquele temperamento inconsequente. Anos antes, encaminhara Quinco, um dos filhos, que de lá retornou com refinamento de educação, até arranhando o francês.
Até determinado ponto da estrada, já se podia divisar de longe, pequenino, no alto de um morro, uma imponente construção toda murada, parecendo até um castelo das histórias de Camongi, ouvidas tantas noites em Brejo dos Santos pelo menino.
- Ali está o Seminário, meu filho. Sua casa, a partir de hoje, por um bom tempo!
O pai aconselhava-o, ressaltando a necessidade de evoluir nos estudos e melhorar a disciplina, com o pensamento em Deus. Isso faria dele um grande homem.
O menino, já um rapazinho de quatorze anos, insistia que não queria ser padre. Poderia ficar no Brejo e retomar as aulas com o professor Krebs; prometia também ir à missa mais vezes, como sonhava a mãe. O velho major respondeu àquelas promessas somente com um olhar sisudo, demonstrando que não se tratava de negociação, mas de imposição.
Seminário São José - Crato, onde Chico Chicote estudou, em 1893, até ser expulso, depois de entrar em luta corporal, com um colega, armado de um canivete.
De perto, o Seminário São José parecia ter a grandiosidade de uma das pirâmides do Egito, pensou Chiquinho, que um dia se admirara ao descobrir as gigantes de Gizé, nas gravuras de um livro amarelado de História Geral, do professor particular.
O primeiro portão abria um corredor ladeado por dois imensos canteiros separados por pequenos muros intercalados, onde finalmente, uma segunda e suntuosa entrada de três portas e três altas janelas, guardaria um mundo de solidão, amizade e violência. Muitos anos mais tarde, na cela de uma cadeia, ele lembraria que estivera mais preso e mais vulnerável naquele “ambiente de santidade”, do que pelas grades de um crime.
O ambiente interno, pesado de silêncios, funcionava como um relógio de parede, cheio de atividades sem graça e rotineiras. O tempo era uma eternidade de demora. Sentia-se como um pássaro na gaiola. Precisava de licença para tudo, até para conversar – aliás, cochichar.
Fingia que rezava, que cantava, que sabia acompanhar o latim. Um dia fora descoberto e denunciado por Horácio, um seminarista bajulador do professor Aristarco, o terror do Seminário. Foram suas primeiras, longas e dolorosas palmadas.
... Continua
Hérlon Fernandes Gomes - Paiol de Pólvora (romance histórico inédito)