A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

ANÁLISE DA ENTREVISTA QUE LAMPIÃO CONCEDEU EM BREJO SANTO, EM 1926 NO CONTEXTO DO QUE NOTICIAVA A IMPRENSA DA ÉPOCA. COLUNA PRESTES. UMA NOTÍCIA FALSA PÕE A VILA DE BREJO EM ALERTA. LAMPIÃO VAI A JUAZEIRO SE ALISTAR AO GOVERNO PARA LUTAR CONTRA O CAVALEIRO DA ESPERANÇA.

A Serra do Poço está localizada no município de Brejo Santo,
na região de fronteira entre o Cariri cearense e o Pajeú pernambucano. 
Registro feito a partir da Barragem dos Porcos.
Foto: Acervo dA Munganga.

O jornal Gazeta de Juazeiro colheu impressionante reportagem a respeito de Lampião e seu grupo, ao passar por Brejo Santo, na direção do Pajeú.

Publicada também pelo Jornal do Recife, em 25 de fevereiro de 1926, a matéria fornece interessantes informações sobre Lampião e o seu bando. O célebre bandoleiro andava fardado de Coronel, depois de realizar malfeitos na região, matando, roubando e lançando o terror por toda a parte.

Nessa época, levas de romeiros pediam a proteção do padre Cícero e se obstinavam em permanecer em Juazeiro, único ponto onde se julgam a salvo do banditismo.

Francisco Saraiva Xavier, mas conhecido como Chiquinho,
foi proprietário da fazenda Poço e vizinho do major Firmino Inácio 
e Dona Sinhá, no sítio Cachoeirinha,
localizados às margens do Riacho dos Porcos.
Foto: acervo de Maria do Socorro Cardoso Xavier.

Estava o senhor Francisco Saraiva Xavier no seu sítio Poço, na vila de Brejo dos Santos (atual Brejo Santo – CE), quando apareceu ali Lampião e um numeroso grupo de bandidos pedindo-lhes pousada. Vinham todos a cavalo e estavam armados até os dentes.  Chiquinho Xavier, como era conhecido, não pôde deixar de dar pousada aos estranhos hóspedes, que se mostraram desde logo sem cerimônias, tomando conta da casa.

O fazendeiro aproveitou o ensejo para realizar uma entrevista ao Rei do Cangaço.

Contou o parnamirinense, radicado em Brejo Santo, casado com Eulália Sampaio Cardoso Martins Xavier,  que o grupo de facínoras era composto de Lampião, Dé Araújo e Sabino, formando um grupo de 45 homens. Vinham de Aurora, tendo penetrado a Paraíba e, após as mais terríveis depredações, retornavam ao Ceará para, em seguida, internarem-se nos sertões do Pajeú pernambucano.

O anfitrião pediu que Lampião se apresentasse, tendo dito:

- Eu sou o coronel Lampião, o homem mais valente do Brasil.

Em seguida, apresentou os principais componentes do seu grupo.

- Aqui o meu estado maior... major Horácio Novais, meu secretário..., capitão fulano..., tenente sicrano.

O repórter descreveu que todos estavam fardados como verdadeiros militares, cada um apresentando as divisas dos seus imaginários postos. A segunda pergunta questionava a Lampião quais os objetivos com a tropa naquele lugar:

- Ando recrutando gente para a guerra... – respondeu Virgulino Ferreira.

Chiquinho Xavier não compreendeu bem a resposta e Lampião se pôs a conversar desembaraçadamente, expondo todos os seus planos com desassombro.

- Por ora somos 32 homens, 32 que você está vendo e mais 20 que mandei a uma diligência (incendiar as propriedades de um fazendeiro na Paraíba). Vim ao Ceará somente recrutar gente para a guerra. Pretendo agora no Pajeú completar uma força de 200 homens para atacar uma cidade importante no Pernambuco, a fim de aumentar o número de homens a mil.

E dizendo isto, mostrou uma porção de rifles e munição que levava de sobressalência, para distribuir com os novos recrutas. As condições do engajamento eram as seguintes: Lampião daria um rifle com munição, fardamento e 1000$000 (cem mil réis) em dinheiro ao recruta e este então fizesse pela vida daí por diante.

- E para que o Coronel quer tanta gente? Indagou Chiquinho Xavier, curioso.

- Não lhe disse que era para a guerra? Tornou Lampião. Quero juntar mil homens para declarar guerra oficial aos estados da Paraíba e Pernambuco. Hei de fazer uma guerra tão violenta a estes Estados que o meu nome ficará na história.

- E não tem medo do Governo Federal? Lampião riu ironicamente e continuou:

- Nós não sabemos o que é medo. O meu plano é resistir como um leão até o Governo nos conceder anistia.

Francisco Xavier estava de queixo caído. Todavia, Lampião prosseguiu:

- Agora vou lutar a descoberto. Estou aborrecido de caminhar por veredas. Só andarei agora pelas estradas e faço questão de me encontrar com os “macacos” do Governo.

A matéria ressaltava a vaidade de Lampião, devido à celebridade que o seu nome havia ganhado nos jornais e citava outras matérias contemporâneas, em que se descrevia um homem de atitudes contraditórias às selvagerias também alardeadas. Por exemplo, sobre as horríveis depredações da Paraíba, nos sítios Cipó e Catingueira, ele foi citado, no jornal O Rebate, de Cajazeiras como um chefe de bando generoso e moderado.

Outra matéria contava que, no Ceará,  Lampião teria dado 500$000 (quinhentos mil réis) para o conserto de uma capela, e mais 100$000 (cem mil réis) de esmola a uma velhinha e obrigou um dos cabras a restituir 60$000 (sessenta mil réis) que roubara de um pobre lavrador.

Trajado como um Coronel do exército, no Poço, em Brejo Santo, usava meias de seda, camisa palha de seda, lenço também de seda ao pescoço, passado num anel de brilhante, relógios, pulseira nos dois punhos, bornal, cartucheira ataviados com moedas de ouro, chapéu de abas largas, ao modo dos bandidos de cinema.

Nos pousos, o bandoleiro chefe costumava tocar uma harmônica e outros jogavam moedas de ouro no chão. O major Horácio Novais era quem lia as últimas notícias dos jornais para o coronel Lampião, que o ouvia atentamente, interrompendo-o aqui e ali para fazer os seus comentários sempre galhofeiros.

Lampião demonstrava gosto por ver seu nome em letras de forma e se interessava especialmente pelas notícias relativas aos revolucionários da Coluna Miguel Costa-Prestes, aos quais devotava um verdadeiro culto de admiração:

- Só não gostei do nome dessa tal Coluna Peste, mas se esses peste é contra o Governo, tô com eles.

UMA FAKE NEWS ANTIGA ASSUSTOU BREJO DOS SANTOS

Grupo de brejo-santenses formado para proteger a vila de Brejo dos Santos
de um possível ataque de Lampião, em janeiro de 1926.
1 - Zé Chicote, 2 - Antônio Cornélio, 3 - Mestre Olívio, 4 - Pedro Celião,
5 - Elias Bastos, 6 - Zé Celião, 7 - Antônio Simplício, 8 - Basílio Neto,
9 - Antônio Matias, 10 - João Gomes.
Foto: Acervo Seculte Brejo Santo.

No início de janeiro de 1926, espalhou-se pela vila de Brejo dos Santos uma notícia, que alvoroçou o povo brejo-santense, que correu para se armar. Saia gente de todo canto avisando e pedindo para que as pessoas se prevenissem contra o possível ataque do famigerado bandido. Outras pegaram em armas e se juntaram em grupos com o intuito de enfrentar a horda que se dizia aproximar para grande arruaça. Vários homens, de fato, se reuniram, em busca de um plano que amenizasse os possíveis estragos na cidade.

O coronel Manoel Leite de Moura, que era conhecidamente manso, logo se avexou, procurando defesa. Conforme nos contou o neto do dito coronel, Francisco Leite Quental e o co-autor Antônio Klévisson Viana Lima, no livro - Lampião e Outras Histórias Curiosas do Cangaço: “na agonia e no desespero da tão decantada invasão, correu e agarrou o seu rifle cruzeta e colocou a cartucheira na cintura. Quando voltou todo equipado, chamou logo a atenção dos presentes, pelo inusitado da vestimenta. Guardando certa pose, desfilava um tanto orgulhoso e altaneiro pela casa, quando se ouve um barulhozinho: “top... top... top...” O nêgo Zé Felix, seu amigo e compadre, por sinal muito valente, depois de observá-lo atentamente, disse: - “Coroné, o sinhô colocou a cartucheira foi de cabeça pra baixo e as balas estão todas despencando!” Ninguém aguentou e todos caíram na gargalhada, enquanto o Coronel repetia desapontado: - “Ô que seiscentos diabo! Eu não dou pra isso, definitivamente eu não dou pra isso...”

Coronel Manoel Leite de Moura
 e sua esposa, Antônia Leite Tavares.
Foto: acervo dA Munganga.

Chalé do Cel. Manoel Leite de Moura, na vila de Brejo dos Santos. Década de 1940.
Foto: acervo dA Munganga.

Como dito no subtítulo, foi apenas uma fake news. O bando de Lampião não passou pelo centro da Vila de Brejo dos Santos, do Poço, onde concluiu a entrevista, seguiu para o Pajeú.

Notícias outras noticiavam que Lampião nutria "simpatia' pelos revoltosos da Coluna Prestes, a respeito dos quais acompanhava as notícias por meio da imprensa. Sua admiração pelo "Cavaleiro da Esperança" aparentemente seria tanta que planejava formar um batalhão para se unir aos rebeldes tenentistas, com quem faria uma "guerra oficial" aos estados de Pernambuco e da Paraíba. Os revoltosos, em teoria, estariam tentando aliciar o "rei" dos cangaceiros, de acordo com Flores da Cunha, em carta ao "coronel "Ângelo Gomes Lima, mais conhecido por Ângelo da Gia.

Especulações de que oficiais da Coluna teriam recomendado que Prestes convidasse o bandoleiro a se unir aos revoltosos, mas que ele teria se recusado; e de que um primo de Lampião, na Paraíba, teria se oferecido ao "Cavaleiro da Esperança" para convidar Virgulino a se unir à sua Coluna, o que também foi rejeitado. Até mesmo um cangaceiro, José Alves da Cunha, o Ventania, teria sido capturado pelos soldados de Prestes e incorporado à Coluna, durante a passagem dos "revoltosos" pela região. E que o próprio Lampião chegou a afirmar que havia aprendido muito com os revolucionários.

Conforme dito, foram somente especulações, pois não há nenhum indício, seja da parte de Lampião, seja de entrevistas ou documentos de Prestes ou dos oficiais tenentistas, de que o mais famoso comunista brasileiro tivesse manifestado entusiasmo em se unir aos cangaceiros. Pelo contrário, como se sabe, o "capitão" Virgulino Ferreira se aliaria ao Governo por um breve período para lutar contra Prestes e seus soldados, quando vai receber a patente de Capitão do Batalhão Patriótico, em 06/03/1926, em Juazeiro do Norte-CE, chamando-se de legalista por onde passasse.

Registros da passagem de Lampião em Juazeiro do Norte, em março de 1926, feitas por Lauro Cabral de Oliveira Leite e Pedro Maia.

Ao Lampião "patriota" de 1926, atuando agregado ao Batalhão
Patriótico, não ficava bem o uso de chapéu de couro de aba
arrebitada, símbolo máximo do cangaço. Melhor o de feltro.
Foto de Pedro Maia.
Texto: Frederico Pernambucano de Mello.
Tendo recebido a patente de capitão honorário das forças legais,
despira o chapéu de couro, símbolo máximo do cangaço.
Máquina pronta, luz ideal, Lampião segura delicadamente o fotógrafo
 pelo braço e lhe sussurra ao ouvido: "Tu vai tirar meu retrato só daqui
pra cima (e fez um gesto significativo querendo dizer: só o busto!)
"
 e continuou: "Mas cuidado para não pegar meu olho cego, viu?"
 Porém Pedro, como bom profissional que era, sombreou o lado
direito do rosto do cangaceiro e fez um belo perfil,
 representando a melhor foto de Lampião, conhecida mundialmente. 
Foto: Pedro Maia.

Ainda no Juazeiro, Lampião (de chapéu de couro) e 
Antônio Ferreira (irmão de Lampião), vulgo Esperança portam
mosquetões mauser 1895, com pesadas cartucheiras de
 duas camadas à cintura (cerca de cem cartuchos)
e broches do Padre Cícero no peitoral.
Foto de Lauro Cabral de Oliveira Leite.
Texto de Frederico Pernambucano de Mello.

Grupo de Lampião em visita ao Juazeiro em março de 1926. Da esquerda, de pé,
o chefe e o seu irmão mais velho, Esperança, armas em riste. Dos 21 bandoleiros,
 15 portavam rifles Winchester, e 6, fuzis ou mosquetões Mauser. Sabino recusou-se
 ostensivamente a posar, retirando-se com os seus 16 homens.
Foto de Pedro Maia.
Texto de Frederico Pernambucano de Mello.

Grupo completo, vendo-se a primeira fila de joelho no chão; a segunda de pé e a terceira
em cima de um banco. Lampião e Antônio Ferreira aparecem no lado esquerdo da fotografia.
Foto de Pedro Maia.

Foto da família Ferreira na visita de Lampião ao Juazeiro, tirada pelo fotografo
 Lauro Cabral de Oliveira Leite. Da esquerda para a direita: Domingos Paulo,
 um desconhecido, Sebastião Paulo, Ezequiel, João Ferreira, um desconhecido,
Francisco Paulo, Virgínio e José Dandão. Sentados: Antônio Ferreira, Angélica,
 Joana (mulher de João Ferreira), Mocinha, Anália e Virgulino.
 

PS: Francisco Saraiva Xavier, mais conhecido por Chiquinho, nasceu em Leopoldina, hoje Parnamirim – PE, em 1896 e é filho de Pedro Xavier de Souza e Josefa Leocádia de Castro Saraiva. Casou-se em 10.12.1917 com Eulália Sampaio Martins Cardoso, mais conhecida por Lolosa, nascida 04.04.1892, no sítio Crioulos, em Barbalha – CE, sendo filha de João Martins Cardoso de Oliveira e Maria Glória Sampaio Cardoso. Chiquinho e Lolosa tiveram os seguintes filhos: Audízio Martins Xavier, Olavo Martins Xavier, Alberto Martins Xavier, Adalberto Martins Xavier, Agemir Marins Xavier, Agamenon Martins Xavier, Aldo Martins Xavier, Adair Martins Xavier, Marlene Xavier do Amaral e Maria Sampaio Xavier Mariano.

O Brejo é Isso!

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral.

Agradecimento especial aos amigos Hérlon Fernandes Gomes e Ângelo Osmiro Barreto.

PANORAMA ATUAL DA FAZENDA POÇO, ANTERIORMENTE PERTENCENTE A FRANCISCO SARAIVA XAVIER.




Referência bibliográfica:

- BONFIM, Luiz Ruben F. de A; Lampeão antes de ser Capitão; Paulo Afonso; Editora Oxente; 2ª Edição; 2020;

- CABRAL, Bruno Yacub Sampaio. Análise da entrevista que lampião concedeu em brejo santo, em 1926 no contexto do que noticiava a imprensa da época: coluna prestes. uma notícia falsa põe a vila de brejo em alerta. lampião vai a juazeiro se alistar ao governo para lutar contra o cavaleiro da esperança. Brejo Santo, 2021. Disponível em: < https://amunganga.blogspot.com/2021/12/analise-da-entrevista-que-lampiao.html >. Acesso em: 27 dez. 2021;

- CHANDLER, Billy James; Lampião: o rei dos cangaceiros; São Paulo; Paz e Terra; 1981;

- IRMÃO, José Bezerra Lima; Lampião: a raposa das caatingas; 4ª edição; Salvador; JM Gráfica & Editora Ltda; 2018;

- PERICÁS, Luiz Bernardo; Os Cangaceiros: ensaio de interpretação histórica; São Paulo; Boitempo; 2010;

- QUENTAL, Francisco Leite; e Lima, Antônio Klévisson Viana; Lampião e Outras Histórias Curiosas do Cangaço; Brejo Santo; 2005;

- MACIEL; Frederico Bezerra; Lampião: seu tempo e seu reinado; Petrópolis; Vozes; v. III; 1986;

- MELLO, Frederico Pernambucano de; Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil; São Paulo; A Girafa; 2011;

- MELLO, Frederico Pernambucano de; Benjamim Abrahão: entre anjos e cangaceiros; São Paulo; Escrituras Editora; 2012;

- MELLO, Frederico Pernambucano de; Apagando Lampião: vida e morte do rei do cangaço; São Paulo; Global; 2018;

- NETO, Lira; Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão; São Paulo; Companhia das Letras; 2009;

- SANTOS, Robério (organizador); Álbum do Cangaço 2; 2018;

- XAVIER, Maria do Socorro Cardoso; Cardoso: troncos e galhos de um clã caririense; João Pessoa. Sal da Terra Editora; 2006;

- XAVIER, Maria do Socorro Cardoso; A saga de um clã Xavier; João Pessoa; Sal da Terra Editora; 2012;

- WALKER, Daniel; Padre Cícero, Lampião e coronéis: análise de vida política de Padre Cícero através de dois eventos: outorga da patente de Capitão a Lampião e o Pacto dos Coronéis; Fortaleza; Expressão Gráfica e Editora; 2017;

- WALKER, Daniel; Lampião e sua falsa patente de Capitão; Rio de Janeiro; Katzen Editora; 2019;

- Jornal O Combate (SP); edição de 13 de janeiro de 1926;

- Jornal A Província (PE); edição de 26 de janeiro de 1926;

- Jornal do Recife (PE); edição de 25 de fevereiro de 1926.