Wilton me conta que nasceu em 22/06/1965, em Brejo Santo-CE, filho de Maria Ivanilda Teixeira e Silva e Wilton Santana e Silva. A ideia primeira de seu nome era se chamar igualmente ao avô, Antônio Teixeira Leite, acrescido de Neto, por vontade de seu pai, Wilton Santana, grande amigo do sogro. Mas em 12 de Janeiro de 1965, antes do nascimento da criança, o jovem pai sucumbe em um acidente de trânsito. Com o nascimento do menino, seu Antônio recusa a homenagem:
- Vai se chamar como o pai, Wilton Santana Filho. É seu primogênito e único filho.
A referência de pai foi o avô, já que do pai biológico só lhe restaram lembranças contadas. Na altura dos seus 70 anos, Sêo Antônio se viu e se sentiu na doçura da paternidade novamente, um pai com benefícios de avô. Ele se apegou tanto ao menino, que até adoecia quando se apartavam.
Entre Brejo Santo e a Fazenda Piçarra, de Porteiras, a criança cresceu na curiosidade por descobrir as histórias daquele avô e pai, como canta um bom trovador paraibano. Causos antigos, de longos tempos do cangaço, seduziam o menino. Histórias de amizade, de traições, de tiroteio, bang-bangs mais interessantes que os faroestes de John Wayne, assistidos no Cine Alvorada. Seu avô era seu herói, sertanejo samurai, com seu gibão de couro, era um cavaleiro armado, vaqueiro de coragem, intrépido na caatinga, nas pegas de bois. A velhice não atingira sua alma. O avô era famoso, dava entrevistas a escritores que vinham de longe comprovar e anotar suas memórias: Nertan Macêdo, professor Antônio Amaury, Hilário Lucetti, José Peixoto Jr., Napoleão Tavares Neves...
Wilton se levanta, em determinado momento da conversa, e entra em casa; volta com duas fotografias em preto e branco.
- Estas fotos são de quando a escritora Aglae esteve por aqui. Era uma pessoa extremamente simpática, carismática demais, inteligente ao extremo. Era uma pessoa extremamente interessante. Eu era pequeno, mas eu a admirava.
Foto tirada em final de expediente. Setembro/1970.Velho engenho da Fazenda Piçarra. Identifica-se, de óculos escuros, Ivanilda (mãe de Wilton), Aglae, Sr. Antônio e o menino Wilton, em primeiro plano. |
Na Fazenda Piçarra, corriam os tempos da moagem, um quente setembro. Aglae quis conhecer o cotidiano, os hábitos do lugar, transportando o passado para o presente, ressuscitando nomes, confirmando fatos da época lampiônica. Ela e o avô pareciam velhos conhecidos, porque dominavam tanto das mesmas histórias! Sêo Antônio se admirava do quanto aquela professora sabia de tudo, parecia até ter vivido naqueles tempos. E como era simpática! Aglae sentia ter descoberto grande relíquia.
Aquele senhor estava ligado a três emblemáticas figuras desses anos findos da década de 20, tinha muitas amizades, transitava de Padre Cícero a Lampião. Era muito amigo do coronel Chico Chicote, que não se dava com o Rei do Cangaço. Metido com essas personalidades, além de tantas outras interessantes, Sr. Antônio viveu histórias incríveis de se contar, confirmadas na rica bibliografia deixada sobre o cangaço.
Olharam a bagaceira, sentiram o cheiro de mel de cana fervendo. Ao fim de quase uma semana, Aglae havia feito muitas anotações. Seu livro estava quase pronto. Aquela visita à Piçarra foi tão engrandecedora, que a escritora levou Sr. Antônio para o Recife, a participar de entrevistas e de eventos. Em um deles, Sr. Antônio chegou a reencontrar os ex-cangaceiros Candeeiro e Barreira, além de conhecer a filha de Lampião, Expedita Ferreira.
Lampião, Cangaço e Nordeste foi um sucesso de vendas e de crítica. A 1ª edição, lançada em 1970, com 5 mil exemplares, esgotou em duas semanas. Mais duas edições saíram posteriormente, dentro de um ano. É um livro que influenciou muitos pesquisadores e escritores, a exemplo de Ângelo Osmiro e Manoel Severo. Eles me confidenciaram que foi o responsável por apaixoná-los pelo fenômeno social do cangaço.
Foi um sucesso editorial, levando Aglae a percorrer todo o Brasil, em conferências por universidades, onde foi homenageada com diversos certificados de honra ao mérito, por magníficos reitores.
Aglae Lima de Oliveira faleceu de câncer na cidade de Recife, em 04 de junho de 1984, aos cinquenta e nove anos. Sua obra continua inspiradora. Lampião, Cangaço e Nordeste não foi mais reeditada. É livro raro, caro, verdadeiro ouro nos sebos. Merece uma reedição.
A última escritora a visitar Sr. Antônio foi a respeitada professora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, autora de A Derradeira Gesta. Ele viveu longos 99 anos de idade, falecendo em 31/08/1994.
Estamos sentados no velho banco, dos tempos dos cangaceiros, eu, Bruno Yacub e Wilton. Velho banco testemunha de todas essas histórias, onde se sentaram Lampião e tantos apaixonados pesquisadores.
Wilton (22 anos) e o avô Antônio (92 anos). |
Aglae e Sr. Antônio da Piçarra se foram, mas obra e memória permanecem vivas, aprimoradas por outras pesquisas. Wilton é a perpetuação das memórias deixadas pelo avô; é um exímio conhecedor do assunto, mente enriquecida pelas obras que leu ao longo de décadas. Wilton é um tesouro vivo e a Piçarra representa, até hoje, espécie de oráculo das obscuras histórias do cangaço.
Hérlon Fernandes Gomes
Agradecimentos especiais a Bruno Yacub, que me acompanha e me inspira nessas incursões. Para Wilton Santana e sua mãe, D. Ivanilda, pelo carinho e amizade de família. Aos meus avós maternos, José Milagres da Silva e Hosana Fernandes de Moura, compadres em batismo de Sr. Antônio. Vovó, aos 103 anos, em seus delírios ao passado, ainda recorda o velho compadre, como se vivo fosse. Para meu pai, Sebastião Gomes da Silva, barbeiro de Sr. Antônio até o último momento de vida.
Bruno Yacub, Wilton Santana e eu. Piçarra. Dezembro de 2021. |
Leia também: LAMPIÃO, CANGAÇO E NORDESTE – AGLAE LIMA DE OLIVEIRA – O FESTEJADO LIVRO E SUA HISTÓRIA COM SR. ANTÔNIO DA PIÇARRA – 1ª PARTE
Muito bom relato sobre personagens que mantém viva, as histórias do cangaço no sertão nordestino brasileiro.
ResponderExcluirArtigo maravilhoso, unindo o presente com o neto-filho, Vilson Piçarra, ao passado na figura do seu "Avôhai"/avô e pai, Antônio da Piçarra.
ResponderExcluirParabéns e sinceros agradecimentos ao autor👏👏👏👏👏👏
Antônio Teixeira leite da Piçarra Filho.
Por que será que não há um comentário sequer acerca dessa bela história?
ResponderExcluirSegundo vários historiadores do Cangaço, “Lampião, Cangaço e Nordeste” é um clássico.
Clássico que é clássico se garante ainda mais quando recebe crítica.
Até porque no lançamento dele houve críticas, como se vê nessa matéria: “Lampião, Cangaço e Nordeste foi um sucesso de vendas e de crítica”.
E por que não o fazer agora?
Certamente diversas pessoas gostariam de colaborar numa provável reedição.
Necessita de correções de ordem geral. Em especial, no que tange à visita de Lampião a Cabrobó, em 1926 (FERRAZ e FERRAZ, 2018). Cabrobó: cidade pernambucana; em conta de chegada.
Luiz Gonzaga Biones Ferraz (WhatsApp: 81 999760277).