A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

sábado, 22 de junho de 2019

O Cangaço em Brejo dos Santos no Regime Monárquico - Parte II

Com o passar do tempo, contínuas desavenças puseram fim à aliança de João Calangro e com os Quirinos. Um cronista da época, citado pelo escritor Abelardo Fernando Montenegro e que se escondia sob o pseudônimo de Azéglio, assim se referiu aos dois grupos hostis: "Os dois bandos transitavam pelas fraldas da Serra do Araripe. Emboscavam-se reciprocamente. Cada um dos beligerantes se esforçava por aumentar as suas hostes, o que não era difícil, pois até os soldados de linha dos destacamentos de Jardim, Missão Velha e Milagres desertavam e se reuniam aos bandidos".

João Calangro, de estatura baixa, vermelho, sardento e de cabelos cor de fogo, intitulava-se General Brigadeiro João de Sousa Calangro. Jactava-se de haver praticado 32 assassinatos e de não ser por nenhum deles processado.

Remontam àquela época os sucessivos tiroteios travados entre os dois bandos rivais nas feiras de Brejo e Porteiras, onde os cangaceiros se fartavam de cachaça e arruaçavam livremente.

Conta-se que, certa vez, ouvia João Calangro um grande tiroteio em Brejo dos Santos. Dirigia-se para lá imediatamente. O seu grupo lutava com o de Quirino. No lugar Regato, a 2 quilômetros da rua, escutando gemidos que partiam de uma moita à margem do caminho, verificava que se achavam baleados dois bandidos inimigos. Acabava de matá-los.

Em outra ocasião, depois de um combate contra os Quirinos, em Porteiras, repreendia João Calangro a um dos seus cabras, por ter aplicado um pontapé no cadáver de um adversário. " Não faça isto, ele era um cangaceiro honrado".

Um tiro acidental porém havia de determinar o fim daquele estado de coisas. Num dos primeiros dias de feira do ano de 1878, Calangros e Quirinos se defrontaram no antigo "Comércio" de Brejo Santo, na Rua Velha. No decorrer do tiroteio, o velho águas-belense Inácio Gonçalves Bezerra, mais conhecido como Inacinho, foi morto por um tiro do grupo de João Calangro, que, na realidade, não lhe foi dirigido. Pai extremoso, Inacinho procurava os filhos na área perigosa. Estes, em número de cinco, imediatamente após o crime, partiram em perseguição aos Calangros, abatendo um dos bandidos no lugar Canafístula, a três quilômetros do povoado. No dia seguinte, retomaram a trilha dos bandoleiros com o auxílio de um índio domesticado, exímio rastejador.


Aspecto atual do antigo "Comércio" ou "Rua Velha".
O primeiro logradouro de Brejo Santo hoje chama-se Rua Cel. Ferraz.

Aspecto atual da antiga "Rua Velha", sentido norte-sul.

Aspecto atual da antiga "Rua da Velha", sentido sul-norte.

Aspecto atual do antigo "Comércio" ou "Rua Velha".
O primeiro logradouro de Brejo Santo hoje chama-se Rua Cel. Ferraz.

Calangro, como de costume, dispersara o grupo para embaraçar seus perseguidores. Contudo, não evitou que mais dois sicários do seu séquito fossem derrubados de uma árvore, na serra de Canabrava, quando devassavam uma colmeia.

Logo depois do episódio de Canabrava, o coronel João Gomes da Silva foi ao lugar Piçarra, informado que fora da presença de Calangro naquele sítio. Não o encontrou porém. No dia seguinte, recebeu um recado do famoso bandido, aconselhando-o a ficar em casa e deixar a perseguição a cargo dos seus cabras. De sua tocaia, Calangro deixou João Gomes passar em paz, reservando a carga do seu trabuco para os indivíduos de sua laia.

Após esses acontecimentos, que tiveram grande repercussão na própria Capital, o Presidente da Província, Dr. José Júlio Albuquerque de Barros (primeiro e único Barão de Sobral. Foi Presidente das Províncias do Ceará - 08.03.1878 a 02.07.1880 -  e do Rio Grande do Sul - 16.07.1883 a 19.09.1885), resolveu agir decisivamente contra aqueles grupos de malfeitores. 

No dia 02 de outubro de 1878, a povoação de Brejo dos Santos transformara-se em verdadeira praça de armas. Nos diversos pontos das comarcas de Jardim e Barbalha, postavam-se piquetes. Cerca de 500 homens moviam-se às ordens do coronel Canuto José de Aguiar, comandante do corpo policial, que, durante a administração de Alencar, desempenhara, a contento, idêntica comissão.

Canuto dispunha as forças da seguinte maneira: um pelotão de homens escolhidos, a fim de evitar as mortíferas guerrilhas de Calangro e sequazes, seguia no enlaço do grupo principal, enquanto escoltas a cavalo tomavam-lhe a dianteira. Além disso, distribuíam-se piquetes pelas aguadas. As forças, enfim, movimentavam-se continuamente.

Reza a tradição que na cauda do grupo de Calangro marchava um cabra munido de ramagem, com o fim de apagar a pista dos companheiros. Os bandidos iludiam as sentinelas  das aguadas com o bater dos chocalhos nas horas mortas da noite.

A esse tempo, Gato Brabo, comandante de grupo auxiliar do grupo de João Calangro, via-se cercado na Serra do Braga. Conseguia escapar. Prendia-no, porém, no termo de Sousa, da Paraíba. Ia ele no meio de uma carga, em vestido de mulher e embrulhado numa coberta. Dirigia-se para o termo de Teixeira, palco de seus primeiros crimes, e onde tinha o nome de Avelino, quando, na verdade, se chamava Antônio e nascera no termo de Milagres.

A enérgica repressão ao banditismo restabelecia paulatinamente a ordem pública. Grande número de bandidos caia nas malhas da polícia, enquanto uns tombavam na luta e outros fugiam.

João Calangro, perseguido, abandonava Brejo dos Santos. Subia a Serra do Araripe. Antes, porém, a fim de desorientar os perseguidores, amarrava as alpercatas aos pés com as pontas voltadas para os calcanhares. Descia a Serra pelo lado de Barbalha e asilava-se no sítio Silvério, na residência do padre Manuel Antônio Martins de Jesus, proprietário do mesmo e amigo do famoso bandoleiro, além de ser sacerdote desabusado, que vivia em mancebia e tinha vasta prole.

O sacerdote que faleceu aos 76 anos, em Juazeiro do Norte, no dia 27 de janeiro de 1911, ocultou o bandido, arrumou um pilão numa rede, mandou o sacristão tanger o sino da capela e anunciou a morte de João Calangro. Enquanto se efetuava o enterro, o cangaceiro fugia para o Piauí, de onde não se tinha mais notícia dele.

A tranquilidade voltou ao seio da população de Brejo dos Santos. Entretanto, por volta de 1887, novos grupos de cangaceiros começaram a surgir nos antigos domínios de João Calangro.

Nessa época, Viriatos e Brilhantes reviviam as lutas dos grupos de bandoleiros ocorridas durante a grande seca de 1877.

Os Brilhantes eram chefiados por Miguel Raposo de Souza Plácido, valente e perverso bandoleiro da província da Paraíba. Residia no Poço, onde foi morto. Certo dia do ano de 1890, Miguel Plácido recebeu a visita de João Marreca e mais três cabras de Antônio Quelé, os quais, segundo afirmavam, dirigiam-se ao Crato. Miguel matou um suíno de cuja carne os cangaceiros almoçaram fartamente e encheram os bornais. Horas depois das despedidas, Miguel Plácido saiu para dar água a um cavalo. Caiu varado de balas antes de atingir o roçado. Seu cadáver, que foi objeto da curiosidade popular, foi sepultado no cemitério em Brejo dos Santos.

Ao mesmo tempo que resistiam às duras provas de três calamidades (peste, seca e banditismo), os fundadores do antigo distrito de Brejo dos Santos mantiveram o ritmo de trabalho criador que se transmitiria às gerações futuras. 

Depois do quatriênio de fome (1877-1880) durante o qual o próprio Vigário foi auxiliado financeiramente por um bloco de cidadãos generosos, transmudou-se a paisagem da gleba. O povoado, que se desenvolveu em torno da antiga capela, começou a ser acrescido de novos edifícios. E naquelas terras de transição entre a serra e o sertão, novas fazendas de gado surgiram, os rebanhos se multiplicaram e a lavoura firmou-se no primeiro plano de atividades daquela gente laboriosa. 

O Brejo Santo daqueles tempos está fielmente retratado pela pena brilhante do Pe. Belarmino José de Souza, que ali esteve em 1884 secretariando D. Joaquim José Vieira (foi bispo do Ceará de 24 de fevereiro de 1884 a 16 de setembro de 1912), cuja visita pastoral constituiu o maior acontecimento da época.

“Chegamos nesta Freguesia na manhã de 29 de julho. Ali encontramos uma população pobre, mas prendada dos melhores predicados, convicta e animada para as nobres conquistas do trabalho de que vive na confiança de seus perseverantes esforços. Não obstante batida pelo bando de sicários que no triênio da seca devastaram àquele e outros lugares, do que ainda encontramos vestígio, a população do Brejo é bastante valorosa e resignada na história que conta de seus infortúnios. A casa que nos deram, em falta de outra, para hospedagem, foi a que serviu de trincheira de um dos grupos facinorosos, que sustentaram um tiroteio com outro grupo, não menos insolente e cruel, que disputava a posse do lugar! Foi realmente uma época de terror, a do triênio da seca, principalmente no sertão do Cariri, flagelado pelos grupos sanguinários, que nada respeitavam, nem honra, nem propriedade, nem a vida de ninguém.

Ali vimos as portas da referida casa crivadas de balas, e com admiração S. Excia. Rvma. teve que lamentar o fato, e condenar o estado bárbaro de nossos centros nas épocas de sua anormalidade. Pois bem; esta circunstância inspira-me a dizer que o lugar da desordem e do crime, foi convertido em lugar de ordem e de paz; e que a terra profanada pelo pé do malvado cearense foi santificada pela presença do Apóstolo da Igreja! Do mesmo lugar donde partiram balas, partiram bênçãos! Ali estivemos dois dias, prestando S. Excia. Rvma. os serviços de sua consoladora visita. Crismando cerca de 500 pessoas, dirigiu do púlpito algumas palavras, chamando a atenção dos povos para o mau estado da Matriz. Sendo nova a Freguesia, e lutando com adversidades de todo gênero, o respectivo vigário Francisco Lopes Abath fez muito em conservar-se no seu posto e manter as coisas contra a invasão dos bandidos. Durante nossa estada no Brejo foi grande a concorrência dos fiéis. Os confessionários sempre foram frequentados pela maioria do povo durante os trabalhos da visita. Concluindo, dirijo um voto de louvor ao Sr. João Clímaco de Araújo Lima, pelos bons serviços que nos prestou, e bem assim a outros dignos amigos e fervorosos católicos da religiosa Paróquia.”

A casa aludida é situada na Rua Velha, que pertenceu depois a Antônio de Zuza Gabriel, vulgo Medalha. Os grupos referidos pelo cronista eram o de João Calangro e dos Quirinos. Aquela época, exercia as funções de sacristão Antônio Simplício do Nascimento, natural de Goianinha (atual distrito de Jamacaru, em Missão Velha), foi ele o primeiro Sacristão de Brejo Santo.

Além desses episódios, nada mais foi preservado pela tradição escrita e oral sobre o cangaceirismo em Brejo dos Santos durante o Regime Monárquico.



O Brejo é Isso!

Bruno Yacub Sampaio Cabral
Pesquisador



Link da Primeira Parte 

O Cangaço em Brejo dos Santos no Regime Monárquico - Parte I



Fonte bibliográfica:

- Montenegro, Abelardo Fernando, História do Cangaceirismo no Ceará, Expressão Gráfica Editora, 2011;
- Montenegro, Abelardo Fernando, Fanáticos e Cangaceiros, Expressão Gráfica Editora, 2011;
- Silva, Otacílio Anselmo e, Esboço Histórico do Município de Brejo Santo, em revista Itaytera N° 2, Instituto Cultural do Cariri, 1956;
- Macêdo, Joaryvar, Império do Bacamarte, Universidade Federal do Ceará, 1998;
- Neves, Napoleão Tavares, Cangaço, Crônicas e Adjacências, Crônicas Cangaceiras, Brasília, 2009;
- Barroso, Gustavo, Heróis e Bandidos, Os cangaceiros do Nordeste, Fortaleza, 2012;
- Araújo, Padre Antônio Gomes de, Povoamento do Cariri, Faculdade de Filosofia do Crato, 1973;
- Souza, Padre Belarmino José de, Visita Pastoral de D. Joaquim José Vieira ao Sul da Província, Fortaleza, 1884.

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