A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

O DIA EM QUE CONHECI UM GRANDE ESCRITOR


Em 2003, eu era um rapaz de vinte e dois anos, com um caderno de poesias na gaveta, cheio de sonhos e apaixonado pela leitura. Lecionava literatura no Colégio Padre Viana e gostava muito do que fazia.

Era uma manhã de um dia qualquer, intervalo das aulas, eu estava na sala de direção da escola, tomando meu café, quando me surpreendo com a secretária Cacau Gomes, imprimindo, cortando folhas, grampeando lombadas e colando livros. Um livro nascendo ali, na minha frente, de forma especial, artesanalmente. Peguei um dos exemplares já acabado, capa vermelha e azul, com as estrelas da bandeira de Brejo Santo: Veredas do Chão Nativo, de Francisco Alves Araújo.

Levei o livro para casa. Depois do almoço, fui degustá-lo na rede. A leitura me prendeu fortemente, terminei-o ao longo da noite, impregnado daquelas memórias sertanejas, ditas de forma tão verdadeira e cativante, numa prosa cuidadosamente construída, por um senhor de setenta e seis anos, que realizava o sonho de ver seus escritos reunidos em livro.

Veredas do Chão Nativo é um cinemascópio de Brejo Santo das décadas de 30 a 40, marcadas nas memórias da criança e do rapazinho Chico, lembradas e contadas com maestria pelo valoroso escritor, durante sua velhice.

 

Naquelas páginas o leitor se transporta àquele tempo, parece que anda lado a lado de quem descreve, enxergando as minúcias, sentindo os gostos e cheiros da natureza viva da pacata Brejo Santo; traz também o olhar naturalista sobre a periferia do lugar e a dura realidade da gente marginalizada desse período; além um lirismo de encantamento naquela prosa cuidadosa. São análises bem particulares, ditas com as palavras necessárias, representando um importante vestígio de tempo da nossa história.

Tudo aquilo me lembrou de Cora Coralina, que só veio trazer sua poesia as público, já no crepúsculo da vida.

O livro me empolgou tanto que resolvi escrever uma carta para o autor. Curiosamente, não o conhecia pessoalmente, de modo que imaginei ser mais prudente apresentar-me com as impressões sobre aquele filho que ele trazia ao mundo.

Soube que a carta deixou o autor muito feliz e envaidecido. Marcamos de nos conhecer na sua casa. Fui recebido com grande cordialidade e alegria. Conversamos bastante sobre poesia, literatura, sobre seus gostos literários. Ele me mostrou sua biblioteca. Amante da obra de José de Alencar e Humberto de Campos, especialmente, a esses dois mestres é possível creditar grande influência na escrita de Francisco, um lapidador da frase, um conhecedor do léxico, um ourives que ornamenta sua joia com grandiloquência.


Nascido na Vila de Brejo dos Santos, em 14 de Julho de 1927, filho de Manuel Alves de Moura e Josina Alves Araújo, Francisco já demonstrava pendor pelos estudos, desde seus verdes anos. Por oportuno, veja-se esse trecho de Veredas do Chão Nativo, em que o autor descreve seus primeiros tempos de escola:

“Pela mão da minha prima Marquesa Brito, eu fui levado, pela primeira vez, quando tinha meus seis ou sete anos de idade, para a escola de dona Balbina. A professora a quem fui destinado, era dona Altina, que passei a chamar de madrinha. O curso era misto, com alunos de ambos os sexos, uns aprendendo o ABC, outros lendo a cartilha e outros mais tirando contas e decorando pontos. Era uma mistura de primeira letras com o primeiro e o segundo ano do ensino primário. Madrinha Altina ministrava as suas aulas, empunhando uma régua e falando sem parar. Quando a aula era de história, os meninos liam ou decoravam o ponto em voz alta, numa inflexão pausada e cantada, que podia ser ouvida do lado de fora da escola:

-“Brejo dos Santos, antigo Brejo da Barbosa...”

-“Ao sopé da Serra do Araripe...”

Casarão da Família Viana Arrais, onde o escritor realizou seus primeiros estudos


Na hora do recreio, todos os alunos se reuniam numa grande sala dos fundos da casa, a qual se dilatava pelos dois vãos em que se repartia a mansão e era destinada a reuniões e à prática de exercícios de canto e de ginástica. Antes de serem liberados para os folguedos recreativos, os meninos cantavam o hino do recreio, cujos versos começavam assim:

-“já é hora do recreio

vamos colegas brincar.

do trabalho não fugimos,

mas é preciso folgar...”

Depois, a meninada debandava pelo quintal e pelo jardim plantado de rosas e laranjeiras num terreno murado, que ficava ao lado da escola e pertencia a dona Balbina.
Nos feriados e outras datas cívicas os alunos se apresentavam metidos em sua fardas azuis e brancas, para as concentrações escolares em frente ao Paço Municipal ou na Avenida. E, também, nos aniversários natalícios de padre Pedro, a escola saia em formatura até a casa paroquial, para receber as bênçãos do vigário e render-lhe as homenagens. Os escolares entoavam, então, o “19 de maio”, hino composto por dona Pedrosina e musicado por Mestre Olívio, cuja primeira estrofe estava vazada nestes termos:

-“salve dezenove de maio!

para nossos corações

é data gloriosa,

que nos enche de emoções!...”

O padre Pedro era bom e amigo das crianças e mandava organizar, com o concurso das professoras, grandes e animados piqueniques no caminho da taboqueira, debaixo dos pés-de-muquém.

Nas minhas lembranças da infância, estão gravadas as mais gratas recordações daquele amável centro de cultura, onde mãe, filha, irmã e netas, desincumbiam-se com abnegação e altruísmo, da nobre e edificante missão de levar luz onde havia trevas...”

Ainda muito jovem, seguiu viagem ao Rio de Janeiro, na década de 40, onde serviu ao Exército Brasileiro. De volta ao torrão natal, na década de 50, laborou na Usina de Algodão – COLINS, de propriedade de seu tio, José Amaro. Posteriormente, assumiu a chefia do IBGE na cidade de Porteiras.



Em 19 de Maio de 1957, sob as bênçãos de Padre Pedro Inácio Ribeiro e o jovem padre Dermival de Anchieta Gondim, contrai núpcias com a professora Neide Teles, filha do respeitado professor José Teles de Carvalho. Dessa união, nascem Núbia, Napoleão e Maria de Fátima Teles de Araújo.

Francisco Alves de Araújo de Neide Teles de Araújo - 19/05/1957


No Instituto Padre Viana, Francisco lecionou a disciplina de História. Por fim, gerenciou uma escola de datilografia de sua propriedade.

Aposentado, dedicava-se à faina da leitura e escrita, atividades que lhe conferiam enorme prazer. Em silêncio, no corredor de casa, não gostava de ser importunado naquele seu momento sagrado de intimidade do eu-lírico. Entretido com um livro ou de papel e caneta, estava a rabiscar seus poemas e suas ideias.

Ao longo dos seus 76 anos, descobriu-se acometido de depressão. Eram a leitura e a escrita seus momentos de fuga para essa pesada tristeza. Por recomendação médica, recebeu o impulso para tirar seus escritos da gaveta. Foi assim que Veredas do Chão Nativo veio à luz, em 2003.

Família reunida: escritora Fátima Teles, Francisco Alves de Araújo, professora Neide Teles, professora Núbia Teles, administrador Napoleão Teles de Araújo. A família inteira sempre esteve ligada à educação, à cultura.


A repercussão do livro no seu íntimo realmente trouxe um impulso de vida, de modo que, meses depois, ele se animou a reunir toda a sua poesia escrita em um único volume, que chamou Miscelânea Poética. Tive o prazer e a honra de escrever o prefácio desse livro e de realizar a arte gráfica da capa. A poesia de Francisco é bem ao gosto do Parnasianismo brasileiro, com linguagem rebuscada e atenta observação ao tema descrito. É o reflexo de sua cultura, o resultado de suas leituras, de seu conhecimento sobre a História, a Geografia; é o álbum de retrato de suas viagens e observações de seu cotidiano trazidas para o mundo na forma etérea da palavra dita com o coração.

 


Eu sentia grande prazer em estar na companhia de Seu Chico – como o chamava. Nossa diferença de idade não era um obstáculo para nossas conversas. Possuíamos gostos literários bem parecidos. O brilho de seus olhos e sua empolgação revelavam um jovem entusiasmado em poder debater e ouvir sobre o reflexo daqueles dois livros nascidos no espoucar dos últimos fogos da vida.

A velhice, infelizmente, avançou roubando sua lucidez, transportando-o a viver em épocas do seu passado, confundindo seus pensamentos, até lhe tirar, por fim, o que mais gostava: o entendimento do saber dos livros. A debilidade senil, a despeito de lhe tirar o brilhantismo da palavra lida e escrita, não apagou todos os vestígios daquele velho hábito. Mesmo sem compreensão daquilo que lia, Chico se deixava permanecer sentado, com um livro na mão, olhando concentradamente páginas e gravuras. O velho hábito insistia em resgatar daquela atividade quem fora aquele homem.


O autor nos deixou no dia 13 de Maio de 2015, aos 87 anos, dia de Nossa Senhora de Fátima, sua santa de devoção. Sua obra é o registro perpétuo de uma grande personalidade, de um cuidadoso escritor, zeloso pela perfeição da frase, da intenção da palavra, do que necessariamente precisava ser dito.

Deixo, por fim, minha profunda admiração e respeito pelo escritor e trago este capítulo sobre o Juá, um dos capítulos que mais me fascinou, em Veredas do Chão Nativo. Seria de grande importância para a comunidade que os livros de Francisco Alves de Araújo fossem reeditados.

Hérlon Fernandes Gomes


O JUÁ

Do começo ao fim, ou seja, do terreiro do velho Bom-de-Ouro ao de Seu Neco Matias, o Juá era todo pontilhado de açudes, onde os meninos tomavam banho lutando cangapé e guerreando-se pelas paredes, atirando balas de barro uns nos outros… Uma casa aqui, outra ali, os espaços cobertos de flores, as cercas enfeitadas de verdes ramas, árvores frondosas enfileiradas ao longo do aprazível recanto, todo aquele verdor derramado pelo caminho dava ao Juá o aspecto de uma bela alameda arborizada.

Montado na garupa do jumento cardão do meu avô, pelo Juá, em demanda do Pau d'Arco, eu passava todos os dias.

Um acontecimento triste abalou toda a cidade quando, numa tarde chuvosa, de trovões e relâmpagos fuzilantes, um raio caiu sobre uma aroeira na estrada do Juá, cortando-a em bandas e derrubando por terra todos quantos se encontravam nas imediações, deixando-os sem fala e fulminando, na hora, o jovem Elias, filho de Dona Adelina do Café…

Numa casa à beira do caminho, no Juá, morava o velho Francisco. Seu filho, Moreno, que abraçara o cangaço, vinha cometendo uma série de atrocidades no interior do município, destacando-se, como a mais infanda, aquela em que um homem e uma mulher, moradores no Imbuzeiro, acusados de delação, foram, em represália, seviciados com requintes de crueldade. A mulher tivera a ponta da língua cortada a punhal, enquanto o homem fora castrado… A polícia andava no encalço de Moreno, com vontade de pegá-lo. Por isso, não lhe dava trégua.

Uma noite, uma volante seguira o rastro daquele fora da lei até o terreiro da casa paterna, no Juá. A casa foi cercada e a polícia toda, empiquetada, aguardava o raiar da manhã para prender Moreno. Foi quando aconteceu um imprevisto, desarticulando todo o dispositivo estratégico montado pela polícia. Um soldado, deixando o posto e transgredindo a senha, fora confundido com o inimigo, sendo alvejado por um companheiro de farda e morrendo na hora. Estabelecida a confusão, Moreno escapulira-se sem deixar vestígios, bafejado uma vez mais pela sorte, que o favorecia sempre nos lances perigosos.

No outro dia, dentro de um caixão envolto na bandeira nacional, saía da igreja, rumo ao cemitério, o corpo do miliciano morto. Era a última homenagem do Estado àquele que tombara no cumprimento do dever...”

(Francisco Alves de Araújo – Veredas do Chão Nativo)



Hérlon Fernandes Gomes

sábado, 19 de outubro de 2019

O ENIGMA DO AÇUDE QUEBRADO DE JATI


SEGREDOS E REVELAÇÕES DA HISTÓRIA DO BRASIL


A parede misteriosa de Jati e os tesouros ocultos – Lendas em face da História – O povoamento do Cariri – A fazenda Velha e o seu dono – Quem teria construído o açude.

Aspecto do Açude Quebrado de Jati, em 1954.
O paredão ciclópico corta o leito do riacho Jardim
e o povo o escava em busca de tesouros enterrados.


Por Gustavo Barroso (da Academia Brasileira de Letras – Diretor do Museu Histórico Nacional)

Texto original publicado na revista “O Cruzeiro”, Ano 27, N° 9, de 11 de dezembro de 1954.


Mais ou menos a meio quilometro do povoado de Jati, outrora denominado Macapá, no município cearense de Jardim, na parte meridional da região do Cariri, se encontra, no riacho que deu nome ao referido município, o Açude Quebrado. Trata-se de um paredão de alvenaria de pedra com 45 metros de comprimento de margem a margem, da altura de 12 metros e da espessura de 8, que as águas provavelmente numa cheia antiga, romperam na extensão de 8 metros. Essa construção de caráter quase ciclópico desafia a curiosidade de todos os que visitam e assopra nas imaginações as chamas de muitas lendas.

O tenente Otacílio Anselmo e Silva, residente na cidade do Crato, capital do Cariri, assim descreve a misteriosa ruinaria: “A curiosa obra de engenharia é inteiramente construída de rocha, existindo nela pedras que pesam algumas toneladas. Quanto à argamassa, é desconhecida, acreditando-se que tenha sido qualquer coisa semelhante ao cimento, porquanto, ainda hoje, somente com fortes alavancas se podem arrancar algumas lajotas, mesmo das menores dimensões, tal a resistência encontrada. Alguns sertanejos aludem ao emprego de sangue de boi.”

Otacílio Anselmo e Gustavo Barroso no paredão do Açude Quebrado, em 1954.
Blocos de pedra argamassados com sangue de boi, segundo dizia o povo do Cariri.

Façamos um parêntese para oportuno comentário. A resistência das argamassas nas construções antigas, sobretudo nas romanas, deu origem à afirmação de que foram aglutinadas com azeite de peixe ou sangue de animais, o que somente a analise química poderá atestar. O erudito Quicherat declara, a propósito, que se submeteu a essa análise amostras de argamassa de monumentos romanos sem nunca ter encontrado o menor vestígio de qualquer substancia oleosa. Do que ele inferia ser a resistência da mesma argamassa resultado do seu traço e do tempo que se levava preparando-a, devido à barateza da mão-de-obra, em geral trabalho escravo. A massa traçada lentamente, dormida duas ou três vezes, ficaria depois de certo tempo de tal modo macerada e aglutinante que se tornava difícil ser destruída. É muito comum no Brasil a afirmação do preparo das argamassas dos edifícios coloniais com óleo de baleia. Mais rara a do emprego do sangue de boi. É de lamentar que nenhum técnico, a exemplo de Quicherat, tenha procedido à análise química que decidiria, de vez, cientificamente, a questão.

O açude foi admiravelmente situado. Um técnico de açudagem não escolheria melhor local. Aí, o Riacho Jardim corre apertado entre dois longos serrotes. Essa espécie de desfiladeiro vai desembocar na vasta planura ao norte da povoação de Jati, atravessada pela Estrada Transnordestina (atual Rodovia Santos Dumont, na BR 116). Para ela deita o sangradouro do reservatório, como se podia ver até antes da destruição provocada pelos boatos da existência de tesouros, o que levaria a crer num plano de irrigação daquelas terras chãs.

Aspecto da cidade de Jati cortada pela estrada Transnordestina,
atual rodovia Santos Dumont, na BR 116. Foto: IBGE. 
Os moradores daquelas paragens nada sabem da origem de semelhante obra. Nem os mais velhos se recordam de qualquer notícia a respeito. Desde que eles e seus antepassados se entenderam que o arruinado paredão detém parte da correnteza do rio nas épocas de inverno farto e se ergue entre suas margens como uma interrogação. A necessidade duma resposta à mesma se manifesta ao sabor da fantasia de cada qual. Há quem pense em trabalho de povos misteriosos, envoltos nas brumas de remoto passado, anteriores aos índios que habitavam a região, os famosos Cariris. Há quem, esquecendo que eles nunca se internaram muito nos sertões, atribua esse trabalho aos holandeses do tempo do príncipe de Nassau.

Na verdade, segundo informes colhidos pelo tenente Otacílio Anselmo e Silva, os primeiros povoadores da zona do antigo Macapá, troncos da velha família Vidal, vieram do Rio Grande do Norte, sendo voz corrente entre seus descendentes que já encontraram o paredão rompido ao meio.

No baixio, onde o açude desaguava, viam-se os restos dum engenho de madeira para moer cana. E acrescenta o referido Tenente: “À margem direita do rio, no ponto mais alto dum morro, em cuja base passa a Estrada Transnordestina, na orla de Jati, há uma clareira em terreno plano, denominada Fazenda Velha. Na infância, ainda vi pedaços de telhas e de panelas de barro espalhados pelo chão. Alguns curiosos, até bem pouco tempo, encontravam, em escavações procedidas naquele local, cacos de pratos de louça de bela aparência. Diz a tradição que a Fazenda Velha era propriedade do revolucionário Joaquim Pinto Madeira, que ali resistiu a vários ataques dos seus inimigos. A casa era de taipa, com dupla parede.

O topônimo da Fazenda Velha encerra pelo menos parte da decifração do enigma do Açude Quebrado. O reservatório deveria ser dependência desse estabelecimento agrícola, decerto construído após a grande seca de 1725, a Seca Grande, que marcou época nos anais do Ceará. Difícil, no entanto, se torna averiguar quais os verdadeiros autores dessa notável obra hidráulica, visto como as sombras das dúvidas, graças à carência de documentos, cobrem os primeiros tempos históricos da zona do Cariri. É quase certo que o descobrimento e povoação dessa região cearense se deu entre 1660 e 1680, descobrimento pelas bandeiras baianas da famosa Casa da Torre de Garcia d’Àvila que vararam os sertões nordestinos até o centro do Piauí, e povoamento aqui e ali pelas primeiras mestiçagens entre fugitivos da justiça ou prisioneiros feitos em combate, os quais acabavam participando da vida dos selvagens das tribos que os acoitavam ou prendiam. Dois exemplos bastarão para corroborar essa tese. Em data incerta, um escravo negro da fazenda Várzea, à margem direita do São Francisco, que pertencia à Casa da Torre, aprisionado pelos Cariris, entre eles viveu algum tempo. Tendo fugido, apresentou-se ao vaqueiro Medrado, que tomava conta daquele estabelecimento pastoril e lhe ensinou os caminhos e meios de penetrar o Cariri e destruir seus habitantes indígenas. No começo do século XVIII, a bandeira baiana de João Correia Arnaud, entrando por aquelas terras, encontrou vivendo entre a indiada um tal Airosa ou Ariosa, tronco de alguns dos primeiros povoadores da região, o qual fugira do São Francisco por ter cometido crime de morte e andar a justiça em seu encalço.

Contudo, embora seja muito possível e muito provável que o famigerado sertanista da Casa da Torre, Domingos Afonso Sertão ou Certam, como então se dizia, ou Domingos Afonso do Sobrado, tenha, no período de 1660 a 1680, descoberto e varado o Cariri, e não se sabendo a data certa da entrada do vaqueiro Medrado, o que se pode assegurar é que a primeira bandeira povoadora foi de fato a de João Correia Arnaud, em 1707 ou 1708. Ele aproveitou a luta que então se tratava entre índios Cariris e Cariús para conquistar os seus domínios e esmagar sua resistência. Esse patriarca caririense faleceu em 1771, com 82 anos, o que nos mostra que nasceu em 1689 e veio com sua expedição com 18 ou 19 anos.

Aspecto atual do Açude Quebrado de Jati.

Aspecto atual do Açude Quebrado de Jati.

Aspecto atual do Açude Quebrado de Jati.

Aspecto atual do Açude Quebrado de Jati.

Aspecto atual do Açude Quebrado de Jati.

Aspecto atual do Açude Quebrado de Jati.

Aspecto atual do Riacho Jardim, à montante.

Aspecto atual do Riacho Jardim, à jusante.

Depois de Arnaud, vieram das terras baianas a continuar a conquista e povoamento, o coronel João Mendes Lobato, da Cotinguiba, em companhia de seu filho, o Padre Antônio Mendes Lobato. Isto deve ter sido por volta de 1718. Data de 1725 a fundação de Missão Velha. Nos anos imediatos, fundaram-se Missão Nova e Missão do Miranda. Esta última teve mais tarde o nome mudado para Vila do Crato e veio a ser cidade em 1853.

A Vila do Jardim, em cujo território se situa o Açude Quebrado, é fundação de fins do século XVIII. Foi inaugurada com o predicamento de vila pelo padre João Bandeira em 1816. Na época do povoamento das missões caririneses, desabou sobre o Ceará, a Seca Grande, que durou de 1725 a 1727. Na dos primórdios do Jardim, veio outra seca tão terrível quanto aquela, a de 1790 a 1793. Com toda a certeza, a dolorosa experiência dessas crises climáticas levou os antigos proprietários da Fazenda Velha à construção dum grande reservatório de água para remediar os efeitos de reprodução do fenômeno. Uma busca nos arquivos municipais de Crato e Jardim poderá fornecer ao estudioso, com exatidão, notícia do proprietário dessas terras, o revolucionário de 1831-1832, Joaquim Pinto Madeira ou outro qualquer. Esse informe tornará talvez possível a decifração completa do enigma do Açude Quebrado.

Texto original publicado na revista “O Cruzeiro”, Ano 27, N° 9, de 11 de dezembro de 1954.

Texto original publicado na revista “O Cruzeiro”, Ano 27, N° 9, de 11 de dezembro de 1954.

Texto original publicado na revista “O Cruzeiro”, Ano 27, N° 9, de 11 de dezembro de 1954.

Texto original publicado na revista “O Cruzeiro”, Ano 27, N° 9, de 11 de dezembro de 1954.


Para quem quiser saber mais sobre Otacílio Anselmo e Silva

Gostaríamos de agradecer ao amigo pesquisador e escritor Luis Carolino (Luis Bento de Sousa), por nos apresentar essa fantástica história do Açude Quebrado.

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral