Aspecto atual da Lagoa da Malhada Funda. No seu centro está localizado o marco dos limites entre os municípios de Brejo Santo, Missão Velha e Porteiras. |
Ao falarmos sobre as passagens
de Lampião pelo Cariri cearense entre 1922 e 1928, quando este e seu bando
iriam se refregar e reabastecer de armas e munições, cerca de duas a três vezes por ano, na Serra do
Mato, em Missão Velha, região de domínio do Cel. Santana, é comum a citação da
passagem destes bandoleiros em pontos estratégicos no percurso, onde poderiam descansar
e dessedentar seus animais. Estes lugares onde se acumulava água da chuva, chamados
de “barreiros” ou “aguadas” eram conhecidos no platô da Serra do Araripe, com a
sua mata virgem, sem divisões de propriedades e suas cercas, onde o gado bravo criado
solto mitigava sua sede, como era o caso do barreiro do lugar Baixa das Cacimbas, já no
município de Jardim, como também a Lagoa da Malhada Funda, ponto de divisa territorial entre os municípios de Brejo Santo, Porteiras e Missão Velha.
A Lagoa da Malhada Funda ficou
marcada como um dos cenários no episódio do Fogo das Guaribas, pois o local serviu
de camarote para o Rei do Cangaço ouvir o tiroteio no seu início, entre as
forças volantes de três estados contra o Cel. Chico Chicote, já que usando o
pretexto de perseguição ao famoso bandido, o Estado usou a sua força para dar
cabo ao temido Coronel. Em um país onde houvesse realmente o Estado de Direito,
Guaribas teria sido indenizada pelos enormes prejuízos e os seus invasores
exemplarmente punidos.
Assim citado por Otacílio Anselmo
e Silva em A Tragédia das Guaribas, Itaytera;
N° 16; de 1972; pág. 21:
“Exatamente naquele instante, Lampião se achava com seu bando na
chapada do Araripe, acantonado no local denominado Malhada Funda, a pouca
distância de Guaribas. Ao escutar o tiroteio, e certo de que se tratava do ataque
policial a Chico Chicote, ele assim manifestou-se: “Se ele fosse meu amigo, eu
ia lá”. E foi na mesma data — l.° de fevereiro de 1927 — que Lampião passou a
cometer selvageria no Ceará, sequestrando, no lugar Baixa das Cacimbas,
município de Jardim, os caririenses Pedro Vieira, fuzilado no dia seguinte —
após o fracasso do ataque a Ipueiras, na fronteira de Pernambuco com o Ceará —
e Vicente Venâncio, que conseguiu fugir do bando logo depois do sequestro”.
Sabe-se que Chico Chicote e
Lampião eram notórios desafetos, como cita Napoleão Tavares Neves em Cariri Cangaço, Coiteiros e Adjacências –
Crônicas Cangaceiras; Editora Thesaurus; 2009; pág. 49:
“(...) Não se entendiam desde que,
descansando na Serra do Mato, Lampião deu liberdade aos seus cangaceiros para
comerem churrasco na bebida da Fonte da Pendência e eles mataram um boi do
coronel Pedro Martins (Pedro Martins de Oliveira Rocha, proprietário da fazenda
Cacimbas, em Brejo dos Santos) e dele se alimentaram. O vaqueiro do coronel
indagou sobre a autoria da matança do boi e os cangaceiros disseram que havia
sido por ordem de Chico Chicote. Lampião silenciou, mas Chico Chicote não
gostou nada daquela infundada informação e passou a ter Lampião como inimigo.”
Fonte da Pendência, região da Gameleira de São Sebastião, em Missão Velha - CE. |
Ainda em A Tragédia das Guaribas, Itaytera; N° 16; de 1972; pág. 10, Otacílio
Anselmo faz a seguinte explanação sobre a relação de Chico Chicote e Lampião:
“(...) A partir daí, o boato alastrou-se no município e nas suas
imediações, e, como não podia deixar de acontecer, provocou forte indignação ao
caluniado.
De resto, o caso foi comunicado pessoalmente a Chico Chicote por Pedro
Martins, para o que o convidara a ir a Cacimbas acompanhado do seu irmão Manoel
Inácio de Lucena (Manoel Chicote).
Pouco depois, no intuito de evitar luta entre Lampião e Chico Chicote, Antônio Aristides Xavier, genro de Pedro Martins, conseguiu levar Lampião à fazenda Crioulo (município de Jardim) e convidou Chico para ir até lá, tentando, desse modo, fazer a paz entre ambos.
Pouco depois, no intuito de evitar luta entre Lampião e Chico Chicote, Antônio Aristides Xavier, genro de Pedro Martins, conseguiu levar Lampião à fazenda Crioulo (município de Jardim) e convidou Chico para ir até lá, tentando, desse modo, fazer a paz entre ambos.
Lá chegando, e cientificado de tal intenção, Chico Chicote repeliu o
intento, não entrando, sequer, na casa do fazendeiro, em cujo interior se
achava o famoso bandoleiro. Além disso, em voz alta – como sempre costumava
falar – fez severas criticas a conduta de Virgulino, acrescentando que
continuaria a tê-lo como inimigo, como foi detalhado por Antônio Lucena Cabral,
sobrinho legítimo de Chico Chicote, ao autor.
Sem nenhuma dúvida, a recusa de “Seu Chico” à sugestão de Antônio
Xavier deixou Virgulino bastante preocupado, naturalmente pelo fato de não ter
um só inimigo no Ceará, onde encontrava com seus mais prestigiosos coiteiros e
onde se mantinha absolutamente inofensivo. Daí porque, decorridos alguns dias,
Chico Chicote recebeu um convite do Cel. Antônio Joaquim de Santana para
comparecer à sua casa, no sítio Serra do Mato.
Ao ser recebido pelo mandão de Missão Velha, “Seu Chico” perguntou-lhe
para que fora chamado. Em resposta, disse-lhe o Coronel que o convidara a
pedido do cabra Sabino, que desejava conhece-lo pessoalmente.
Como é sabido, esse bandoleiro (Sabino Barbosa de Melo, mais conhecido
como Sabino Gomes ou Sabino das Abóboras), era lugar-tenente de Lampião. E está
evidente que ele apenas serviria de intermediário para a conciliação almejada
pelo Rei do Cangaço.
“Seu Chico”, porém, além de recusar-se à apresentação, não esperou nem
pelo café-gordo que o Coronel mandara preparar, voltando incontinenti para
Guaribas, segundo informes de Pedro Celião de Moura ao autor.”
Escombros do Casarão do Cel. Antônio Joaquim de Santana Serra do Mato, Missão Velha - CE. |
Aspecto atual do local do Casarão do Cel. Santana na Serra do Mato. |
Pois bem, ao visitarmos recentemente
a Malhada Funda, podemos observar a sua descaracterização, sendo o local
ocupado por atividades humanas: adensamento populacional, construção de
moradias ao longo da parede da lagoa, como o uso de sua área para fins
agrícolas. Sabe-se que posterior à década de 1960, o proprietário, um famoso
pecuarista da região, aterrou o local com a finalidade de práticas agropastoris.
E desde então a Lagoa da Malhada
Funda “não pegou mais água”.
Memorial Descritivo o município de Brejo Santo, da Lei Estadual n° 16.198, de 29.12.16, sobre os limites municipais do estado do Ceará. |
Mapa atual do município de Brejo Santo. Fonte: IPECE. |
O Brejo é Isso!
Bruno Yacub Sampaio Cabral
A Munganga Promoção Cultural
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