Serra do Araripe, Porteiras - CE. Foto: Raony Pinheiro. |
As notícias do conflito armado entre o Brejo e as Porteiras chegariam até o distante território do Acre, conforme Rodolfo Teófilo escreveu no jornal "O Município", em 10 de outubro de 1915:
Ceará - O incêndio de Porteiras
(...) A zona do Cariri pode-se considerar um Estado dentro do Estado. Agora mesmo a vila de Porteiras, situada no extremo sul, teve sorte quase iguala de a Aurora.
O coronel Raimundo Cardoso, chefe político do tempo de Acioly, político
militante hoje, Intendente municipal, por razões particulares, viu suas
propriedades incendiadas e saqueadas!
Chegava para Cardoso à justiça fatal, ou um dia depois do
outro, a falada espada de dois gumes. Ele havia colaborado no código sertanejo,
em que não há força do direito, porém o direito da força.
As questões eram decididas não pelos tribunais, porém, pelo
bacamarte.
Quem mais fuzis tivesse mais razão teria.
Os bandidos não se limitaram a incendiar e a saquear as
propriedades do inimigo. Atacados da loucura da destruição, do roubo,
espalharam-se pela vila e nem as repartições públicas, estaduais e federais,
foram respeitadas.
O comércio foi saqueado e as casas de famílias foram
roubadas!
A agência do correio foi atacada e incendiado o arquivo. As
coletorias tiveram igual sorte, queimaram todos os papéis. A Câmara Municipal
foi a última repartição que foi atacada. Minutos depois, era o seu arquivo, com
todos os livros e documentos, presa em chamas!
Nada mais havendo a incendiar, profanaram a Matriz.
Entraram e, sem o menor respeito, não achando alfaias de valor para roubar,
queimaram o missal!
O fato da profanação da Igreja é bastante para avaliar a
casta de tal gente (...)"
Da tribuna do Congresso Nacional, o Deputado Federal pelo
Ceará, Manuel Moreira Rocha, na Sessão de 21 de junho de 1915, apresenta um
telegrama recebido pelo ex-deputado da bancada do Ceará, Thomaz Cavalcanti e
enviado em 18 de junho, pelo Presidente do Estado, Benjamim Barroso:
"Fortaleza, 18 (oficial). Acabo de receber informação
oficial de que os atacantes da vila de Porteiras saquearam-na, incendiando
todas as propriedades do coronel Raimundo Cardoso. Saquearam também o comércio
e casas particulares, roubaram animais, incendiaram todo o arquivo da agência
dos Correios, da Coletoria, da Câmara Municipal e o Missal da Igreja.
Espancaram pobres moradores indefesos.
Esses cangaceiros, em grande número, após os crimes
praticados, entrincheiraram-se na fazenda Brejo das Guaribas. Correm boatos de
que se preparam esses criminosos para atacar e saquear a cidade de Jardim.
O comércio de toda a zona do Cariri está muito alarmado com
as ameaças desse bando tão perigoso. Acredito que as providencias por mim indicadas
ao Governo Federal de ter para na cidade de Crato, provisoriamente, uma unidade
do Exército serão medida de prudência eficaz para evitar, enquanto estão em
começo, lutas sangrentas, semelhantes as do Contestado. Devo cientificar-vos
que estou informado de que são inspiradores desse movimento inimigos políticos
do Governo Estadual.
Essa prática de banditismo, saque, incêndio e assassinato
que nos governos passados eram tolerados, que geraram o banditismo ali, com
prejuízo das garantias constitucionais, constantemente reclamadas, não deve
continuar. A polícia está armada apenas com duzentas carabinas Mauser, com
pouca munição e quatrocentos rifles. Bandidos dispõem de armas tomadas à
polícia na última revolução.
De novo, peço providencias ao Governo, lembrando as
vantagens da parada de força do Exército no Crato.
Benjamim Barroso, Presidente do Estado."
Ainda no jornal "O Paiz", agora na edição
do dia 23 de junho de 1915:
"Política no Ceará
Sobre os últimos sucessos ocorridos na vila de Porteiras, o
senador Francisco Sá recebeu os seguintes telegramas:
"Fortaleza, 20. Desminta informações interferência
Juazeiro questão chefes situacionistas de Porteiras e Brejo dos Santos,
localidades distantes 15 léguas entre si.
Povo de Juazeiro, conforme tenho solicitado, suplica
Governo Federal trabalhos, a fim de poder atravessar fase calamitosa seca.
Situacionistas criaram dificuldades, procurando sair delas
com exploração meu nome, apesar estar aqui há dois meses. Eis verdade - Floro
Bartolomeu."
"Fortaleza. 21 - Incêndio Porteiras coisa fantástica,
briga entre só entre Raimundo Cardoso, Intendente governista, e sobrinhos,
motivos privados. Benjamim Barroso e Thomaz Cavalcanti, tudo aproveitando
intuito induzirem Presidente República aprovar seus desmandos, figuram
conflagração. Benjamim Barroso enviou tropas, munições interior, procurando envolver
influências Juazeiro, que, como muitas outras localidades sertão flageladas
seca, está quase despovoado. Aliás, mesmas influências são indiferentes essa
luta família - João Brígido."
O Governador do Estado, Benjamim Liberato Barroso, eleito
em 1914, após a Sedição de Juazeiro, tendo como vice o padre Cícero Romão
Batista; compreendia que a vida normal dos povoados caririenses repousava na
paz armada, que havia ali rivalidades sangrentas entre localidades, que naquela
região campeavam a ignorância, o fetichismo religioso e o político e a falta de
justiça e que a responsabilidade de um cidadão estava na ordem direta do número
de cangaceiros a seu serviço.
Não há dúvidas de que o Cel. Benjamim fora envolvido por
informações falsas, uma vez que a deposição, à bala, de Raimundo Cardoso
resultara de antiga rivalidade entre os habitantes de Brejo dos Santos e
Porteiras, motivada pela criação da Freguesia (Paróquia) no ex-Brejo da Barbosa
e agravada progressivamente por conflitos políticos locais e que terminou num
autentico movimento de massa contra aquele potentado chefe sertanejo.
Após esses acontecimentos, o Governo Estadual organizou uma
expedição militar com o fim de dar combate sem trégua ao banditismo, para cujo
comando foi escolhido o coronel Ernesto Ramos de Medeiros, seu amigo, filho de
Icó, conhecedor da hinterlândia e comandante da 2ª Companhia do Batalhão de
Infantaria do Estado, conforme mostra a publicação “Mensagem Dirigida à Assembleia
Legislativa do Ceará”, em 1° de julho de 1916, pelo governador coronel
Benjamin Liberato Barroso:
EXPEDIÇÃO MILITAR
“Vem de longe em Porteiras uma desavença entre pessoas de
famílias entrelaçadas por parentesco, luta que já havia tocado a atos de
grandes selvagerias, desde a morte até incêndio de propriedades. Cumpria aos
prejudicados buscarem nos meios legais o desafogo para os seus prejuízos.
Entretanto, assim não aconteceu por não entenderem os contendores que
pertenciam às famílias dos Cardosos e Lucenas, estes últimos vulgarmente
conhecidos como Chicotes, residentes ambas em Porteiras e Brejo dos
Santos.
Tive informações que se armavam.
De parte a parte me telegrafam, pedindo garantias,
dizendo-se ameaçados pelos seus desafetos em vida e propriedade.
Determinei a ida de dois destacamentos de dez praças, sob
comando de oficiais, uma para Porteiras, outro para Brejo dos Santos, com ordem
expressa de defender os que fossem atacados. Desta sorte julguei poder evitar o
choque. Informado posteriormente pelos comandantes dos destacamentos que os
Chicotes dispunham de mais de 300 homens armados, muitos dos quais foram fornecimentos
por chefes de outros Municípios e ameaçavam os Cardosos, mandei reforçar a
defesa destes. Apesar disso, aqueles fizeram o ataque premeditado, sendo
repelido o destacamento de proteção.
Este fato, rodeado de circunstancias interessantes, constantes
dos telegramas trocados, determinou a interdição militar, comandada pelo
tenente-coronel Ernesto Ramos de Medeiros, comandante do 2° Corpo de Polícia.
Sua ação prudente, bem orientada e enérgica, foi coroada do maior êxito. Depois
de restabelecida ordem legal com a reposição das autoridades e processados os
principais autores do movimento, exerceu o tenente-coronel Medeiros, de acordo
com instruções recebidas, sua autoridade por todo o Cariri, capturando os
criminosos que infestam e que eram, em regra, os executores desses e outros
desatinos. Foram recolhidos às prisões, mas de 200 criminosos. Desde então,
graças á eficácia de uma ação tão inteligente dirigida, sem preocupação de
ordem partidária, mas visando simplesmente o bem publico, o Cariri está inteiramente
pacificado. Este modo de proceder estendeu-se por todos os pontos em que era
preciso estripar o banditismo.”
Ao saber de tal resolução, que fora procedida de enérgicas
ações policiais contra grupos de cangaceiros na zona norte do estado, padre
Cícero entrou em pânico. Assim, vendo a barba do vizinho arder, valeu-se do
senador Pinheiro Machado, explicando o caso de Porteiras e pedindo que
intercedesse “perante poderes competentes a fim de evitar tão terríveis planos
perseguições políticas movidas Governo este infeliz Estado”. E como não
julgasse bastante este apelo, na mesma data (23 de junho) recorreu ao
presidente Venceslau Braz, através de longo telegrama, alegando que Juazeiro
permanecia em “absoluta paz”, e protestando “contra afirmação Governo Estado
acusando população laboriosa este Município de perturbadora ordem”. Eis
o telegrama:
"Exmo. Presidente da República. Fui informado
Presidente do estado pediu V. Ex.ª. força federal estacionar nesta cidade,
alegando perturbações ordem esta zona fomentadas pelo Juazeiro. Este município
e vizinhos permanecem absoluta paz. Em Porteiras, vila distante cerca 15
léguas, houve luta armada entre Prefeito Municipal e família Chicote, ambos
situacionistas. Desavenças exclusivamente locais originaram conflito, aliás, já
terminado pela deposição daquele prefeito, sem que para isso houvesse
intervenção nenhum elemento contrário ao Governo do Estado, nem se seguindo
outras consequências que viessem afetar municípios vizinhos. Perante V. Ex.ª.
protesto contra afirmação Governo do Estado acusando população laboriosa este
município de perturbadora da ordem. Apelando para o espírito esclarecido e
patriótico de V. Ex.ª., confio não consentirá que se levem a efeito planos
perseguições contra habitantes esta zona já associada por tremenda crise
climatérica. Afetuosas saudações. Padre Cícero Romão Batista, 1°
Vice-Presidente do Estado."
Depois desse telegrama, irmão gêmeo daqueles disparos
alarmistas que antecederam a “revolução”, padre Cícero telegrafou em 27 de junho
ao Presidente do Estado, sem aludir, porém, ao que mais o inquietava, ou seja,
a possível presença de tropa federal em Crato, que ele, para maior efeito,
assoalhava que seria em Juazeiro:
"Exmo. coronel Benjamim Barroso, Presidente do Estado.
Fortaleza. Ciente informações dadas V. Ex.ª. ter Juazeiro interferido deposição
chefe Raimundo Cardoso por questões ordem particular e ter V. Ex.ª. transmitido
Rio tão descabidas informações, cumpre-me protestar contra semelhante ato,
ponderando que tenho real compreensão minhas responsabilidades e meus atos não
permitem tal conceito. Acho solução caso Porteiras pelo retardamento
providências oportunas merece segura reflexão a fim não ficar Cariri material e
politicamente em piores condições do que se acha. Permita dizer devido maior
conhecimento tenho homens e coisas nosso caro Estado que governo. V. Ex.ª. está
sendo vítima arriscada orientação política interior. São ponderações de
patrício e amigo que só deseja paz e ordem. Povo de Juazeiro, bem como o do
sertão, necessita unicamente auxílio definitivo e urgente para não morrer de
fome, e não de lutas. Neste sentido já telegrafei poderes República."
Por este telegrama e pela anterior efeméride se vê
prologarem-se no Governo de Benjamim os métodos violentos de deposições de
chefes políticos e intendentes, tão ao sabor da política matuta, desde o começo
do século passado.
Na ocasião em que o coronel Medeiros aceitava o convite, no
Palácio, estava presente o Sr. Antônio Botelho Filho, que ouvia do Governador
as seguintes palavras dirigidas aquele militar: “– Você vai ao
Cariri e a outras cidades do sertão. Não poupe bandido. Execute-os
sumariamente”.
Os expedicionários, cerca de 500 praças, seguiam de trem até Iguatu e daí iam uns a pé e outros a cavalo. Depois de três meses, acantonando em Brejo dos Santos, numa demonstração quase ingênua de força, realizava o coronel Medeiros a pacificação do Cariri. Percorria toda a zona sul do Ceará. Efetuava a prisão de mais de 200 criminosos. Dispersava inúmeros grupos de desordeiros. Apreendia enorme quantidade de armamento. Manoel Celião, delegado do Brejo, foi levado à cadeia e processado. Todos aqueles que tomaram parte no ataque a Porteiras encontraram na fuga o único meio de salvação do cárcere. Restabelecia o princípio da autoridade.
Após a verdadeira batida realizada pela força da polícia
cearense, aliadas ao Cel. Raimundo Cardoso e em perseguição a cangaceiros que
andavam de brida solta na região, houve uma debandada geral de facínoras que
fugiam em todas as direções como cobras com medo de chifre queimado.
Alguns foram presos, outros conseguiram evadir-se indo
refugiar-se em outros estados. Entre os fugitivos estavam Róseo Morais e Jacaré,
irmão do cangaceiro Moreno. De carreira iniciada em Brejo dos Santos, os dois
bandidos foram parar em Piranhas, Alagoas, onde ficaram sob custódia do Cel.
José Gomes Rodrigues, protetor de cangaceiros e chefe político local.
Chefes políticos viam-se obrigados a indicar o esconderijo de bandidos. Assim é que José Inácio, do Barro, ensinava aos expedicionários como poderiam ser presos Ferrugem e Chá Preto, perigosos cangaceiros, que caiam mortos sob as balas punitivas.
Não havia contemplação. A inflexibilidade do Presidente do
Estado tornava-se proverbial. Conversava pouco com os oficiais que, destacados,
seguiam com destino ao sertão.
O tenente Peregrino Montenegro, nomeado delegado especial
em Campos Sales, apresentava-se a Benjamim, que lhe recomendava: “Soube
que é homem disposto. Liquide todo criminoso nato”. O tenente Peregrino
cumpria as ordens à risca. Eliminava os cangaceiros Bimbão, Caxeado, Mané
Chiquim e Pedro Paulo.
Durante o Governo Benjamim Barroso, nenhum chefe político
sertanejo se vangloriava de contar com seu apoio para perseguir o adversário ou
fazer periclitar a segurança individual. Até o todo poderoso padre Cícero,
então 1° Vice-Presidente do Estado, não contava com os favores e as honras do
enérgico Governador.
Em 1916, ano em que passava o governo ao Dr. João Tomé de
Sabóia e Silva, em mensagem, afirmava Benjamim Barroso que a praga do
banditismo havia sido eliminada do Estado e que este estava completamente
pacificado.
Inegavelmente, o banditismo foi varrido dos sertões.
Entretanto, não desapareceu de todo. Aliás, esse método de combater o
cangaceirismo era coisa velha; vinha dos tempos de Martiniano de Alencar e
Silveira da Mota. É que, tratando-se duma consequência, persistiam as causas.
O cabo Galdino, da força expedicionária, violeiro e poeta
repentista, cantou nos seguintes versos pessimistas os principais núcleos
populacionais daquela zona:
“Brejo é uma ticaca,
Milagres, curral de
fome;
Porteiras, pau de
desgraças,
No Macapá não tem
homem,
No Jardim só corre
lobisomem.”
Sem o disparo dum tiro, o coronel Raimundo Cardoso dos
Santos foi reposto no cargo de Intendente de Porteiras.
O Cariri foi pacificado.
O tenente coronel Raimundo Cardoso dos Santos, “O Poderoso
Pajé da vila de Porteiras”, assim noticiado pelo jornal “A Noite”, do Rio de
Janeiro, faleceu as 19h00min, do dia 11 de outubro de 1917, no Sítio Crioulos,
em Barbalha. Era uma quinta-feira.
Em
Brejo dos Santos, Joaquim Gomes da Silva Basílio, filho do chefe político e
ex-Intendente, coronel Basílio Gomes e por ele indicado para assumir o cargo entre
1914 e 1916. Quinzô Basílio, como era conhecido, empenhou-se pessoalmente na
contemporização dos ânimos acirrados entre as populações de Brejo dos Santos e
Porteiras.
Ainda
em meados de 1934, Franklin Tavares Pinheiro, conhecido como Cel. Franco
Pinheiro, assumiria a Interventoria da vila de Brejo dos Santos, visando ao
apaziguamento das famílias porteirenses e brejo-santenses. Ele também já havia
sido Intendente de Porteiras em tempos anteriores.
Por Bruno Yacub Sampaio Cabral
O Brejo é Isso!
Esse texto é dedicado ao querido povo de Porteiras, Ceará.
Agradecimentos
Fonte bibliográfica
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