Deve ter sido pelos idos de 1990, eu tinha nove anos. Era uma criança muito curiosa, menino ávido por descobrir a cidade, à medida que crescia. Foi quando, junto a alguns amigos, descobrimos sobre existência da pedra do Urubu, da Cacimbinha e da Nascença, três lugares do mesmo caminho, não muito longe da cidade, os quais deveríamos conhecer.
Eu precisava inventar alguma desculpa para driblar minha mãe. Ela não deixaria jamais seguir nessa ideia. Diria que eu me aquietasse em casa, porque ela não queria saber de notícia minha perto de açude…
Se ela soubesse do plano em curso… Melhor que não soubesse!
A gente não tinha medo de bandidagem. Brejo era uma cidade pacata. O primeiro medo foi atravessar a BR-116, movimentada de carros e carretas que cruzavam de todos os cantos do Brasil. Depois, seguimos até a Matriz do Sagrado Coração de Jesus, entramos para nos benzer. Olhamos o Senhor Morto, deitado numa tumba de vidro; fui me admirar, pela enésima vez dos olhos vivos de uma Nossa Senhora enorme, vestida de azul, com olhar penoso, trancada em uma das torres da igreja, e seguimos no rumo da Usina…
Se ela soubesse do plano em curso… Melhor que não soubesse!
A gente não tinha medo de bandidagem. Brejo era uma cidade pacata. O primeiro medo foi atravessar a BR-116, movimentada de carros e carretas que cruzavam de todos os cantos do Brasil. Depois, seguimos até a Matriz do Sagrado Coração de Jesus, entramos para nos benzer. Olhamos o Senhor Morto, deitado numa tumba de vidro; fui me admirar, pela enésima vez dos olhos vivos de uma Nossa Senhora enorme, vestida de azul, com olhar penoso, trancada em uma das torres da igreja, e seguimos no rumo da Usina…
Pouco depois avistamos a pedra do Urubu, suspensa no alto, acima de uma casa, entulhada de mato. O acesso não era fácil, mas arrumamos um jeito de nos embrenhar no mato, pagar o preço de furar os pés nalguns espinhos de juá e chegar até o rochedo, por veredas íngremes, rodeado de ossos.
De cima da pedra, vi o Brejo como nunca havia visto: vasto na amplidão. Havia gigantes coqueirais dispostos sobre a várzea, como resistentes soldados do seu tempo, com seus troncos finos suspensos sobre o pântano. Também se via claramente a desigualdade social, constatável na diferença das moradas do resto da cidade e das taperas que se erguiam Serrote, uma favela de gente pobre, esquecida pelo Estado. Eu ainda não tinha consciência política, porque menino quer é brincar; mas tenho certeza de que foi minha primeira indagação sobre a injustiça social: Por que uns têm tanto; e tantos, tão pouco? Tive de despertar do devaneio, para seguirmos para a Cacimbinha.
Passamos por uma lavanderia pública, mas não nos demoramos. Algumas mulheres se aglomeravam, cercadas de meninos, para lavar roupa, chorar lamentações e rir de bobagens. Não achamos o lugar interessante, melhor seguirmos para ver aquela estrada bonita, cercada por um paredão rochoso.
A estrada da Cacimbinha realmente era um lugar deslumbrante. Até o ar que a cercava era diferente: frio, perfumado dos cheiros que desciam de cipós, de musgo e flores silvestres. Um tropel de jumentos, armados de cangalhas, ia e voltava, carregando água para as circunvizinhanças e para toda a cidade, acompanhado de homens, mulheres e crianças, com uma lata ou um balde de cargas.
A Cacimbinha era, então, aquele tanque de pedra aberto no pé desse paredão de rochedo, que se estende naquela região. Naquele reservatório, filtrava-se incessantemente uma água cristalina, que matava principalmente a sede da gente do Serrote, desprovida de água encanada; mas muita gente ganhava a vida vendendo essa água da Cacimbinha para famílias das mais abastadas da cidade. Eu me admirei, na minha inocência infantil, e perguntei para a aglomeração:
- Mas ela se enche sozinha?
Ao que uma forte mulher me respondeu, equilibrando um imenso balde de flandre, cheio d’água, sobre uma rodilha na cabeça:
- Não, menino. Quem enche a Cacimbinha é Deus! - e seguiu, passo certo, desafiando os pedregulhos, segurando um menino pelo braço, mais parecendo uma atração de circo, não derramava uma gota d’água, não vacilava no seu destino.
Por fim, deixando a Cacimbinha, depois de passarmos por um juazeiro, que servia de cemitério para santos quebrados, avistamos os primeiros reflexos da água da Nascença! Marmeleiros e camarás compunham a perfumaria natural. Santo Deus! Era a coisa mais linda que eu já tinha visto em Brejo Santo. Foi como se tivesse descoberto um tesouro. Aquela lagoa natural, gênese da história da cidade, era imensa. Era um paraíso.
Demos um jeito de passarmos rasteiros sob o arame e ali estávamos, em silêncio diante do êxtase. Inspecionamos o local e encontramos uma pequena trilha, que levava até uma pedra: nosso eleito trampolim. Nadei, boiei e me diverti como um rei naquele dia.
A Cacimbinha e a Nascença secaram, mas permanecem cheias na saudade de um menino. Felizmente, a pedra do Urubu resiste, em dias melhores, e hoje é um desses portais por onde me reconecto a esse passado feliz.
Hérlon Fernandes Gomes
Mim fez recordar quando era criança e a escola levava os alunos pra conhecer a nascença, faltou citar o lendario buraco da
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