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A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

CORONEL NÉ ROSENDO DAS PORTEIRAS

Manoel Rosendo Tavares,
o conhecido Cel. Né Rosendo.
Foto: acervo de Napoleão Tavares Neves.


    Quem visita a zona rural de Porteiras, no Cariri cearense, ao chegar a terra encantada do Saco, atual Distrito da comuna, se depara com um paredão de 900 metros de altura e um semicírculo de cerca de 20 quilômetros de comprimento, oito bocas d’água e uma imensidão verde, resistente às mais duras secas.
    A região foi batizada pela própria Chapada do Araripe, que a envolve como em um saco - visto de cima, é como se tivessem comido pela Chapada em uma dentada, formando um “U”.
 
Foto de satélite da Chapada do Araripe, destacando a região do distrito do Saco.
Observa-se o formato da letra "U" ou uma ferradura.
Fonte: Google Earth.

Panorama atual da região do distrito do Saco, em Porteiras.





    Através das memórias escritas por Dr. Napoleão Tavares Neves, neto materno do coronel Né Rosendo (Manoel Tavares Rosendo), proprietário do sítio Saquinho, trazemos relatos surpreendentes sobre as passagens de Lampião e seu bando pela região, a tentativa frustrada de assalto ao casarão do Coronel, por Horácio Novais e o esconderijo para fugir do ataque às Guaribas.
    Em 1926, quando Lampião passou em demanda de Juazeiro pela pequenina vila de Porteiras, foi até a fazenda do Cel. Né Rosendo, ciceroneado pelo intendente e seu vizinho de terras, Franklin Tavares Pinheiro (Cel. Franco Pinheiro), querendo oito animais emprestados, para melhor se apresentar perante o padre Cícero. Naquela ocasião, o Rei do Cangaço disse que devolveria os animais, deixando os seus no cercado da fazenda para descansarem. O Cel. Né Rosendo então mandou seu filho, Rosendo Miranda Tavares, de oito anos de idade, ir juntar os animais que foram trocados pelos de Lampião.
    O garoto, com medo dos cangaceiros escolherem os cavalos de estimação da fazenda, escondeu-os debaixo de uma grande moita de unha de gato e trouxe os burros de cambito do engenho de rapadura que, mesmo assim, eram muito mais vistosos do que os animais magros e cansados dos cangaceiros.

Engenho da fazenda do Cel. Né Rosendo.
    Após a famosa passagem de Lampião e seus quase cinquenta homens por Juazeiro, Lampião deixou os animais para serem devolvidos, em São José do Belmonte, conforme relata João Benito, filho do Cel. Né Rosendo e atual morador do casarão, no sítio Saquinho.
    Outro episódio relacionando o Cel. Né Rosendo e o cangaço, foi a tentativa de assalto à sua fazenda por Horácio Novais.
    Sempre que vinha ao Cariri, o que acontecia com frequência nos anos de 1926 a 1928, o bando de Lampião era engrossado por Horácio Novais ou Horácio Grande, por ser muito alto, que vivia escondido na fazenda Agrestim, arredores de Porteiras, por ter crimes na sua terra natal, Floresta, em Pernambuco. Vale salientar que Horácio Novais chegou a ocupar o cargo de delegado na vila de Porteiras. O mesmo ainda incendiou a fazenda Canoa, também em Porteiras, propriedade do Cel. Franco Pinheiro.
    Certa vez, por volta de 1926, Horácio Novais requisitou quatro cabras a Lampião e cercou, certamente para roubar, a casa grande do sítio Saco, do abastado Cel. Né Rosendo, de Porteiras. Homem pacifista e pacificador. Né Rosendo estava em casa somente com seu filho, Francisco Miranda Tavares, de uns quinze anos e sua cozinheira, Antônia Lúcia.
    Era alta madrugada e o coronel Né Rosendo sentiu que a sua aprazível mansão, de calçadas altas, imponente, no meio do bananal, estava cercada. Ele tinha em casa apenas dois rifles velhos que, ao serem manobrados, faziam um tremendo ruído. Né Rosendo usou uma estratégia que deu certo e saiu ileso do episódio. Manobrava um rifle na porta da frente e Antônia Lúcia o outro na porta da cozinha, de tal maneira que, quem tivesse fora da casa, pensaria estar a mesma guarnecida por homens armados.
    Horácio soltou as vacas de leite no curral no pomar, para atrair o proprietário, em vão! Soltou os bois mansos do engenho no canavial, também em vão! Quando o sol começou a clarear, Horácio Novais e seus homens foram embora, sendo vistos na passagem pela vila de Porteiras.
    Fica uma lição: nem sempre quem vence é a coragem, mas a inteligência prática das pessoas. Esta, sim, é quem decide tudo na vida!

Dr. Napoleão Tavares Neves entre o primo Elói de Sá Sampaio e o tio-irmão
Rosendo Miranda Tavares, o garoto que juntou os animais emprestados a Lampião.
Foto: acervo de Napoleão Tavares Neves.

    Na manhã de 1° de fevereiro de 1927, o coronel Né Rosendo, ouviu tiros na direção do nascente do seu sítio Saquinho, bem na raiz da Chapada do Araripe, distante uns quatro quilômetros de Guaribas, terras do Cel. Chico Chicote (Francisco Pereira de Lucena).
    Pensando em tratar-se de choque armado entre Lampião, esperado no Cariri, e as forças volantes, que andavam no seu encalço, Né Rosendo refugiou-se com a família na gruta do sopé da serra do sítio, chamada Casa de Pedra. Ali ficou aguardando os acontecimentos, pois ninguém sabia quem era pior: se Lampião ou se a polícia do Ten. José Gonçalves Bezerra. E os dois juntos, nem se fala!
    Pois bem, o sol subiu e desceu na tarde e o tiroteio prosseguiu! O que seria aquilo? Mandou um positivo descer à casa do sítio para averiguar e lá soube do que acontecia: a tropa do Ten. José Bezerra cercava a casa de Guaribas, do Cel. Chico Chicote, que resistira bravamente 31 horas tiros, até que na tarde do dia dois de fevereiro, sem munição e ferido, foi trucidado pelas forças do governo.

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral

Aspecto atual do Casarão do Cel. Né Rosendo, sítio Saquinho, distrito do Saco, Porteiras-CE.




Os pesquisadores Hérlon Fernandes e Bruno Yacub
ao lado do filho do Cel. Né Rosendo, o senhor João Benito,
atual morador do Casarão.

Fonte bibliográfica:
-Entrevista com o Sr. João Benito Caldas Tavares, filho do Cel. Né Rosendo, em 09 de dezembro de 2020.
- NEVES, Napoleão Tavares; Cariri – Cangaço, Coiteiros e Adjacentes, Crônicas Cangaceiras; Editora Thesaurus; Brasília – DF, 2009.
- O médico que conta histórias - disponível em < https://caririrevista.com.br/o-medico-que-conta-historias/ > Acesso em 15 de dezembro de 2020.
- SANTOS, Cícero Joaquim dos; Passado Alumiado: Representações históricas de Porteiras; IMOPEC; Fortaleza – CE; 2011.

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