A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

DONA MARINEUSA, MINHA MARY POPPINS




As sensações de pertencimento a uma história, a um tempo, a uma cultura dão o toque da nossa personalidade. Dona Marineusa foi alguém que possuía profundo orgulho por ser brejo-santense; orgulhosa da história de sua família, com raízes de fundação desta terra, no sangue do Coronel Basílio. Filha de Antônio Denguinho de Santana e Neusa Leite Basílio, Marineusa nasceu Maria Santana Leite, em 19/09/1945.

Sua família era vizinha do Padre Pedro Inácio Ribeiro e da professora Balbina Viana Arrais, dois grandes vultos da nossa gente. Cresceu  entre as grossas paredes do Casarão dos Viana Arrais e a rotina de fervorosa católica na Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus. Seu senso foi moldado, portanto, com livros e fé.

Seu pai foi prefeito da nossa cidade por dois pleitos (1951 a 1955 e de 1959 a 1963), em períodos de delicada polarização política. Assim, também viveu em um ambiente de efervescências dessa ordem da nossa sociedade, conhecendo personagens importantes desse tempo.

Com 15 anos, normalista, inicia sua trajetória na educação. Foram muitos anos de dedicação ao magistério e à administração escolar, chegando a ocupar o posto de Secretária Municipal da pasta.


Casou, constituiu e educou uma prole de filhos, que era seu grande orgulho. Esposa devotada, honrava-se com sua família.


Considerando que naturalmente vira, ouvira e vivera histórias bem interessantes, no ano 2000, Marineusa nos presenteou com um livro de memórias, intitulado Reminiscências, compêndio de suas lembranças afetivas,  registros de feitos da política, vivências pessoais domésticas e acontecimentos históricos da cidade.


Reminiscências chegou em minhas mãos antes de conhecer Marineusa. Quando nos conhecemos de verdade, foi como se fôssemos íntimos desde sua infância, porque eu realmente me apropriara e criara carinho por aquelas nostalgias escritas. Rapidamente nos tornamos bons amigos. Enterneci-me muitas vezes com suas demonstrações de carinho: - Hérlon, você é como um filho para mim! E me abraçava realmente como uma mãe.

Pela manhã ou pela tarde, fazia-me feliz atender a uma ligação dela perguntando se poderia dar uma passada lá em casa, para me mostrar uma fotografia para digitalizar; discutir ou informar sobre uma novidade histórica; planejar seu próximo trabalho.... Às vezes ia esperá-la na calçada, ansioso por sua chegada: ela apontava na esquina, com um vestido florido e uma sombrinha de primavera, passo apressado, sendo a própria felicidade sob o sol.


Detentora de uma memória invejável, Dona Marineusa era um almanaque de datas, genealogias e assuntos impublicáveis, sobre os quais tive a honra de ouvir e guardo no afeto do coração. Conviver ao seu lado, por diversos anos, foi ter o privilégio de beber diretamente no cântaro da história de Brejo Santo, além do aprendizado com seu caráter tão distinto. Pude questioná-la sobre tantas dúvidas, acontecimentos e pessoas, de modo que, a partir de sua amizade, obtive uma compreensão mais rica sobre quem somos.

Foi, sem dúvida, a maior entusiasta, quando da criação do Memorial Padre Pedro Inácio Ribeiro e a grande responsável pela indicação da reunião do acervo fotográfico e mobiliário que compõe a fundação. Ela conhecia cada pessoa que possuía guardada esta ou aquela fotografia, indicando, com precisão, datas, pessoas, lugares.

Dona Marineusa faleceu em 05 de Junho de 2010, mas eu ainda a sinto muito viva. Sei que deve estar em lugar glorioso, por sua fé, junto dos seus.


Quando abro o Reminicências, é como se tomasse um café da velha infância de todos nós, com filhós e sequilhos, depois ir pedir as bênçãos de vovó Pedrosinha e Dona Balbina, no Casarão das Cinco Portas; como se voltasse às sessões da tarde do Cine Alvorada que não conheci, com gongo, cortinas de veludo e sirene, rindo com Jerry Lewis ou dançando com Gene Kelly; como se, de braços dados com Marineusa, debaixo de sua sombrinha de multicores, sobrevoássemos a Nascença, rodopiando pela Pedra do Urubu: ela, Mary Poppins, eu, uma pueril criança, mergulhando além dos tempos, aprendendo lições importantes, com toques de mágica, na máquina do tempo deixada por sua palavra escrita.

Hérlon Fernandes Gomes

Para aguçar mais ainda essa saudade, trago para nós um dos textos mais bonitos desse seu primeiro livro de memória:

O CINEMA

Um dos divertimentos do nosso povo era o cinema. Nos cinemas de curta duração, pertencentes ao Sr. Artur, na Rua Dr. João Pessoa, e a Assis Nobilino, na Avenida Santos Dummont, a criançada vibrava com os personagens famosos dos filmes do gênero faroeste ou se deliciavam  com os cômicos: O Gordo e o Magro, Carlitos ou Jerry Lewis.

As tabuletas, espalhadas pelas esquinas das ruas com o cartaz do filme do dia, atraíam a atenção das crianças e dos adultos e despertavam o desejo de ver a fita que seria apresentada à noite.

Era gostoso assistir ao filme, comendo amendoim torrado ou pipocas, chupando bombom ou mascando chicletes.

Ambos fecharam. Mais tarde teríamos um cinema de duração estável, o Cine Alvorada, sonho e fruto de uma sociedade de comerciantes, fazendeiros, profissionais liberais, enfim, de alguns filhos da terra, que reconheceram a necessidade deste lazer cultural para o nosso povo.

Tivemos também, algum tempo depois, o Cine Paroquial, de iniciativa do Padre Dermival.

No Cine Alvorada, com suas cortinas vermelhas, com gongo e sirene, assistimos a muitos filmes brasileiros, com os inesquecíveis Mazzaropi, Grande Otelo, Costinha, Carequinha, Fred, Virgínea Lane, Dercy Gonçalves, Elva Wilma, Eliane e tantos astros e estrelas de muita grandeza.

O cinema era também o lugar ideal para paquerar ou namorar mais sossegadamente, longe dos olhares indiscretos.

Todos se vestiam elegantemente, como era o costume da nossa gente.

O ambiente era mágico, encantador, sobretudo quando o filme retratava histórias como E o vento levou... ou Os cavaleiros da Távola Redonda.

Esses dois cinemas também morreram, deixando conosco apenas a saudade. Com a queda do Cine Alvorada numa tarde, após a matinê, foram-se juntos com os escombros os sonhos dos amantes da sétima arte.

Marineusa Santana


O Brejo é Isso!

4 comentários:

  1. Que delícia é passer no passado e reviver os bons momentos de nossa doce e lúdica infância. É como lembrar daquele doce comprado em mercearia e saboreá-lo como se não tivesse fim...

    ResponderExcluir
  2. Que delícia é dar uma volta no passado e reviver os bons momentos de nossa doce e lúdica infância. É como lembrar daquele doce comprado em mercearia e saboreá-lo como se não tivesse fim...

    ResponderExcluir
  3. Que grande presente você nos dá,Herlon! Marineusa jamais poderá ser esquecida. Obrigada

    ResponderExcluir
  4. Parabéns Herlon, linda homenagem a Dona Marineusa, em memória, e seus familiares. Essa digníssima brilhou até nos últimos momentos de sua vida.

    ResponderExcluir