As sensações de pertencimento a uma
história, a um tempo, a uma cultura dão o toque da nossa personalidade. Dona
Marineusa foi alguém que possuía profundo orgulho por ser brejo-santense;
orgulhosa da história de sua família, com raízes de fundação desta terra, no
sangue do Coronel Basílio. Filha de Antônio Denguinho de Santana e Neusa Leite
Basílio, Marineusa nasceu Maria Santana Leite, em 19/09/1945.
Sua família era vizinha do Padre
Pedro Inácio Ribeiro e da professora Balbina Viana Arrais, dois grandes vultos
da nossa gente. Cresceu entre as grossas
paredes do Casarão dos Viana Arrais e a rotina de fervorosa católica na Igreja
Matriz do Sagrado Coração de Jesus. Seu senso foi moldado, portanto, com livros
e fé.
Seu pai foi prefeito da nossa cidade
por dois pleitos (1951 a 1955 e de 1959 a 1963), em períodos de delicada
polarização política. Assim, também viveu em um ambiente de efervescências
dessa ordem da nossa sociedade, conhecendo personagens importantes desse tempo.
Com 15 anos, normalista, inicia sua
trajetória na educação. Foram muitos anos de dedicação ao magistério e à
administração escolar, chegando a ocupar o posto de Secretária Municipal da
pasta.
Casou, constituiu e educou uma prole
de filhos, que era seu grande orgulho. Esposa devotada, honrava-se com sua
família.
Considerando que naturalmente vira,
ouvira e vivera histórias bem interessantes, no ano 2000, Marineusa nos
presenteou com um livro de memórias, intitulado Reminiscências, compêndio de
suas lembranças afetivas, registros de
feitos da política, vivências pessoais domésticas e acontecimentos históricos
da cidade.
Reminiscências chegou em minhas mãos
antes de conhecer Marineusa. Quando nos conhecemos de verdade, foi como se fôssemos
íntimos desde sua infância, porque eu realmente me apropriara e criara carinho
por aquelas nostalgias escritas. Rapidamente nos tornamos bons amigos. Enterneci-me
muitas vezes com suas demonstrações de carinho: - Hérlon, você é como um filho para mim! E me abraçava realmente
como uma mãe.
Pela manhã ou pela tarde, fazia-me
feliz atender a uma ligação dela perguntando se poderia dar uma passada lá em casa,
para me mostrar uma fotografia para digitalizar; discutir ou informar sobre uma
novidade histórica; planejar seu próximo trabalho.... Às vezes ia esperá-la na
calçada, ansioso por sua chegada: ela apontava na esquina, com um vestido
florido e uma sombrinha de primavera, passo apressado, sendo a própria
felicidade sob o sol.
Detentora de uma memória invejável,
Dona Marineusa era um almanaque de datas, genealogias e assuntos impublicáveis,
sobre os quais tive a honra de ouvir e guardo no afeto do coração. Conviver ao
seu lado, por diversos anos, foi ter o privilégio de beber diretamente no
cântaro da história de Brejo Santo, além do aprendizado com seu caráter tão
distinto. Pude questioná-la sobre tantas dúvidas, acontecimentos e pessoas, de
modo que, a partir de sua amizade, obtive uma compreensão mais rica sobre quem
somos.
Foi, sem dúvida, a maior entusiasta,
quando da criação do Memorial Padre Pedro Inácio Ribeiro e a grande responsável
pela indicação da reunião do acervo fotográfico e mobiliário que compõe a
fundação. Ela conhecia cada pessoa que possuía guardada esta ou aquela
fotografia, indicando, com precisão, datas, pessoas, lugares.
Dona Marineusa faleceu em 05 de Junho
de 2010, mas eu ainda a sinto muito viva. Sei que deve estar em lugar glorioso,
por sua fé, junto dos seus.
Quando abro o Reminicências, é como
se tomasse um café da velha infância de todos nós, com filhós e sequilhos,
depois ir pedir as bênçãos de vovó Pedrosinha e Dona Balbina, no Casarão das Cinco
Portas; como se voltasse às sessões da tarde do Cine Alvorada que não conheci,
com gongo, cortinas de veludo e sirene, rindo com Jerry Lewis ou dançando com
Gene Kelly; como se, de braços dados com Marineusa, debaixo de sua sombrinha de
multicores, sobrevoássemos a Nascença, rodopiando pela Pedra do Urubu: ela,
Mary Poppins, eu, uma pueril criança, mergulhando além dos tempos, aprendendo
lições importantes, com toques de mágica, na máquina do tempo deixada por sua
palavra escrita.
Hérlon Fernandes Gomes
Para aguçar mais ainda essa saudade,
trago para nós um dos textos mais bonitos desse seu primeiro livro de memória:
O CINEMA
Um dos divertimentos do nosso povo
era o cinema. Nos cinemas de curta duração, pertencentes ao Sr. Artur, na Rua
Dr. João Pessoa, e a Assis Nobilino, na Avenida Santos Dummont, a criançada
vibrava com os personagens famosos dos filmes do gênero faroeste ou se
deliciavam com os cômicos: O Gordo e o
Magro, Carlitos ou Jerry Lewis.
As tabuletas, espalhadas pelas
esquinas das ruas com o cartaz do filme do dia, atraíam a atenção das crianças
e dos adultos e despertavam o desejo de ver a fita que seria apresentada à
noite.
Era gostoso assistir ao filme,
comendo amendoim torrado ou pipocas, chupando bombom ou mascando chicletes.
Ambos fecharam. Mais tarde teríamos
um cinema de duração estável, o Cine Alvorada, sonho e fruto de uma sociedade
de comerciantes, fazendeiros, profissionais liberais, enfim, de alguns filhos
da terra, que reconheceram a necessidade deste lazer cultural para o nosso
povo.
Tivemos também, algum tempo depois, o
Cine Paroquial, de iniciativa do Padre Dermival.
No Cine Alvorada, com suas cortinas
vermelhas, com gongo e sirene, assistimos a muitos filmes brasileiros, com os
inesquecíveis Mazzaropi, Grande Otelo, Costinha, Carequinha, Fred, Virgínea
Lane, Dercy Gonçalves, Elva Wilma, Eliane e tantos astros e estrelas de muita
grandeza.
O cinema era também o lugar ideal
para paquerar ou namorar mais sossegadamente, longe dos olhares indiscretos.
Todos se vestiam elegantemente, como
era o costume da nossa gente.
O ambiente era mágico, encantador,
sobretudo quando o filme retratava histórias como E o vento levou... ou Os
cavaleiros da Távola Redonda.
Esses dois cinemas também morreram,
deixando conosco apenas a saudade. Com a queda do Cine Alvorada numa tarde,
após a matinê, foram-se juntos com os escombros os sonhos dos amantes da sétima
arte.
Marineusa Santana
O Brejo é Isso!
O Brejo é Isso!
Que delícia é passer no passado e reviver os bons momentos de nossa doce e lúdica infância. É como lembrar daquele doce comprado em mercearia e saboreá-lo como se não tivesse fim...
ResponderExcluirQue delícia é dar uma volta no passado e reviver os bons momentos de nossa doce e lúdica infância. É como lembrar daquele doce comprado em mercearia e saboreá-lo como se não tivesse fim...
ResponderExcluirQue grande presente você nos dá,Herlon! Marineusa jamais poderá ser esquecida. Obrigada
ResponderExcluirParabéns Herlon, linda homenagem a Dona Marineusa, em memória, e seus familiares. Essa digníssima brilhou até nos últimos momentos de sua vida.
ResponderExcluir