A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo Isso!

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

O MUNGUNZÁ DO CARIRI


Da culinária da minha terra, o mungunzá salgado, mais conhecido ali pela região do sul do Ceará, para dentro da Paraíba e em algumas cidades circunvizinhas do Pernambuco, é a receita mais carregada da memória afetiva da minha família. Conhece-se muito o mungunzá doce do baiano, ou canjica baiana, do qual também sou fã. Viajando pelo Brasil, acabei constatando que fora daquela minha região, pouca gente parece conhecer o mungunzá como feito no Cariri. A palavra é de origem africana, do quimbundo mu'kunza, e significa milho cozido.

Naquele grande raio de sertão, milho e feijão foram, desde os primórdios, plantações básicas desses sertanejos e garantiam-lhes a nutrição mais costumeira. As carnes salgadas eram a forma de proteína mais adequada para armazenamento e conservação duradoura. Na despensa, o caririense guardava uma costelinha de porco salgada, mocotós, uns pedaços de toucinho...

O mungunzá salgado é uma mistura de todos esses ingredientes em um grande cozido. Há receitas mais modestas, nascidas na escassez das secas, quando o bucho e as tripas não se desperdiçavam e substituíam os cortes mais nobres. Eu, particularmente, aprecio o “mungunzá do inverno” e o “mungunzá da seca”. Os caririenses, viciados no abundante pequi da Chapada do Araripe, acrescentam, a uma ou a outra receita, uns caroços do generoso fruto. É uma receita calórica, necessário composto a quem pegava no pesado, trabalhando duro na lavoura.

O preparo de um mungunzá é um ritual. Não é uma receita simples. O sertanejo nem sempre dispôs das práticas panelas de pressão. Minha avó paraibana contava que era preciso deixar o milho e o feijão de molho, por horas. Em panelas de barro separadas cozinhavam-se os grãos. O fogão à lenha varava a madrugada fervendo, fritando, misturando os sabores. Ao feijão, acrescentavam-se as carnes temperadas com pimenta do reino e cominho. Um cheiro de fartura inundava a casa inteira. Por fim, o milho e o cozido do feijão juntam-se numa panela maior, onde se aferventa a receita completa, finalizada com coentro fresco picado. Incontáveis pratos fumegantes na hora do almoço! Cheiro e gosto da minha gênese, chaves de pertencimento.

Reflito que o mungunzá é para o caririense o mesmo que representa a feijoada para o baiano. Pelo Cariri, é coisa fácil de se comer. Nos cafés antigos, nos velhos mercados, é possível tirar a ressaca de manhãzinha comendo um apetitoso mungunzá. No São João, é sucesso nas barracas de comidas. É receita de ouro da nossa gente, sinônimo de fartura, banquete para a fome, cozinha de tradição.

O Brejo é Isso!

Hérlon Fernandes Gomes

Foto: Google Imagens

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