No início da
República no Brasil, após a Proclamação em 1889, o cenário político sofreu
profundas transformações, especialmente no que diz respeito à administração
pública local. A estrutura de poder, antes centrada nas Câmaras Municipais, foi
significativamente alterada pela criação dos Conselhos de Intendência
Municipal. Esses conselhos, nomeados pelo poder executivo estadual ou federal,
substituíram parcialmente as Câmaras, que haviam desempenhado um papel
essencial durante o Império. Segundo Vavy Pacheco Dias (1994), as Câmaras eram
o "coração da administração local" no período imperial, sendo eleitas
diretamente pela população e encarregadas de legislar e administrar as cidades.
A nova Constituição Republicana de 1891, entretanto, transferiu muitas de suas
funções para os Conselhos de Intendência, promovendo uma reestruturação
significativa da política municipal.
Os Conselhos
de Intendência foram criados com o objetivo de centralizar o controle do poder
municipal e evitar a continuidade da autonomia política das Câmaras, que, sob o
Império, gozavam de relativa independência. Maria José de Rezende Nunes (2003)
destaca que essa mudança representou uma "tentativa deliberada da
República" de fortalecer o poder central e minar as bases do modelo
administrativo anterior. Embora as Câmaras tenham mantido algumas funções
legislativas, os Conselhos de Intendência assumiram a execução de políticas
públicas, o que criou uma ruptura com o modelo de gestão democrática existente.
Esse movimento em direção à centralização refletia a visão republicana de
modernização do Estado, ao passo que procurava evitar os possíveis obstáculos
impostos por uma governança local autônoma.
Por outro
lado, essa centralização trouxe consequências inesperadas. Renato Lessa (1995)
observa que os Conselhos de Intendência eram vistos como um "mecanismo de
controle", representando um afastamento da tradição de autonomia municipal
estabelecida durante o Império. Esse distanciamento entre a população e as
novas estruturas de poder causou insatisfação, especialmente em regiões com
forte tradição regionalista, como São Paulo e Minas Gerais. Essas áreas, que
anteriormente gozavam de maior influência política local, viram seus interesses
muitas vezes suprimidos por um governo centralizador. Assim, a criação dos
Conselhos de Intendência, enquanto tentativa de modernização e controle, também
gerou resistências significativas, revelando as dificuldades em equilibrar
centralização administrativa e a autonomia local.
No contexto
do sertão nordestino, o impacto dessas mudanças foi igualmente profundo, mas
com características particulares. O sertão cearense, em especial, enfrentava
desafios econômicos e geográficos, sendo marcado por longas secas e vastas
áreas pouco habitadas. A economia da região era predominantemente de
subsistência, e muitas povoações sobreviviam graças ao apoio do poder local,
que organizava a escassa infraestrutura e os serviços disponíveis. A criação de
vilas e a oficialização de pequenos povoados representavam, nesse contexto, uma
tentativa de consolidar o poder republicano e garantir um mínimo de organização
administrativa em regiões distantes dos centros urbanos.
A criação de
vilas no sertão não era apenas uma formalidade administrativa; ela possuía uma
importância estratégica e política. A transformação de uma povoação em vila
significava que essa comunidade ganhava maior autonomia política, com a criação
de instituições como as Câmaras Municipais e, posteriormente, os Conselhos de
Intendência. Essas instituições eram responsáveis por organizar a administração
local, facilitando o desenvolvimento da infraestrutura, o comércio e a
prestação de serviços. No Cariri cearense, a criação da vila de Brejo dos
Santos exemplifica esse processo. O povoado foi oficialmente elevado à
categoria de vila pelo decreto nº 49, de 26 de agosto de 1890, assinado pelo
coronel Luiz Antônio Ferraz, o primeiro governador republicano do Ceará. Esse
decreto foi um marco na institucionalização da administração pública no sertão,
refletindo o esforço da República em reorganizar e consolidar seu domínio sobre
o território (CEARÁ, 1890).
Ao iniciarem
a colonização no Brasil, os portugueses utilizaram a organização política das
cidades (municípios) como forma de domínio e controle dos espaços conquistados.
As leis portuguesas sempre procuraram distinguir a área urbana da rural, ou do
rocio, como forma de identificar claramente o que é urbano e o que é rural.
Esse conceito vigora até os dias atuais. Assim, desde o princípio da
colonização, o Município, no Brasil, tem sido a unidade de planejamento urbano.
As mais antigas instituições políticas no Brasil são a Vila e a Câmara de
Vereadores, que deitam profundas raízes na história política de Portugal e, por
conseguinte, na do Brasil. As Câmaras Municipais do Brasil têm origem nas
tradicionais Câmaras Municipais portuguesas existentes desde a Idade Média, com
a primeira Câmara sendo instalada em São Vicente, em 1532. Durante o período
colonial, as Câmaras exerciam amplos poderes executivos, legislativos e
judiciários nas vilas, constituindo o primeiro núcleo de exercício político no
Brasil.
A
Constituição do Império, de 1824, dedicou um tratamento especial às Câmaras,
assegurando sua importância no governo municipal das cidades e vilas. A
administração municipal era regulada pela Lei de Organização Municipal de 1828,
que detalhou a composição, eleição e atribuições das Câmaras. No entanto, com a
chegada da República, a primeira Constituição Republicana de 1891 transformou
profundamente a política municipal, ao garantir a autonomia dos municípios, mas
transferindo muitas das funções executivas das Câmaras para os Conselhos de
Intendência.
É importante
destacar que, embora a criação da vila de Brejo dos Santos tenha sido
oficializada no início do período republicano, o processo que levou ao seu
reconhecimento já havia começado durante o Império. Em 1887, a Assembleia
Provincial do Ceará já debatia o projeto nº 44, que visava elevar a categoria
da povoação de Brejo dos Santos à condição de vila, mantendo a mesma
denominação. Esse fato demonstra que, mesmo durante o período imperial, já
havia um interesse em estruturar e organizar administrativamente essas pequenas
comunidades, refletindo uma preocupação com o desenvolvimento dessas áreas
longínquas. O pronunciamento do deputado Padre Fernandes em 3 de agosto de 1887
enfatiza essa necessidade: "Não é um favor e sim um acto de justiça que vamos
fazer aquelle povo" (CEARÁ, 1887, p. 58).
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Lourenço Gomes da Silva foi o primeiro Intendente da Vila de Brejo dos Santos, de 1890 a 1896. |
A nomeação de
Lourenço Gomes da Silva como primeiro intendente de Brejo dos Santos, em
detrimento de seu irmão Basílio Gomes da Silva, pode ser compreendido dentro
desse contexto histórico de transição política e social no Brasil, conforme o
analisado em "Um Civilizador no Cariri" pelo Padre Antônio Gomes de
Araújo. Embora Basílio tivesse um papel decisivo na articulação política local
e na criação do Conselho de Intendência, sua escolha de não ocupar diretamente
o cargo reflete uma estratégia alinhada à necessidade de se adaptar às novas
dinâmicas do período republicano. A decisão de indicar Lourenço, que não
possuía envolvimento anterior com a política, parece ter sido uma forma de
assegurar o controle familiar sobre o recém-criado governo local, mantendo
Basílio como figura de influência nos bastidores. Isso se encaixa na tensão
entre centralização e descentralização observada no início da República, onde
famílias influentes no sertão, como os Gomes da Silva, utilizavam o poder local
para garantir sua posição em um cenário de transformação política.
Além disso,
essa escolha pode ter sido uma resposta à própria dinâmica do governo
republicano que, como mencionado, buscava reforçar o controle sobre regiões
isoladas ao instalar vilas e nomear intendentes por indicação política. A
nomeação de Lourenço Gomes da Silva, embora sem experiência política,
assegurava que a influência de Basílio permanecesse intacta, sem que ele
precisasse se expor diretamente ao novo sistema republicano. Assim, o poder
continuava nas mãos de Basílio, mas em uma posição de menor visibilidade,
permitindo-lhe manejar a política local de forma estratégica e sem atritos com
o governo central. Essa manobra sutil revela a habilidade de Basílio em navegar
pelas complexidades do período, garantindo a consolidação de Brejo dos Santos
como vila e seu próprio domínio sobre a administração local.
A criação da
Vila de Brejo dos Santos no final do século XIX reflete as complexas interações
entre o poder político estadual e as instâncias locais. O processo de criação e
instalação da vila envolve uma série de atos administrativos, que, embora
relacionados, apresentam diferentes etapas e temporalidades. O Decreto nº 49,
assinado em 26 de agosto de 1890 pelo Governador do Ceará, Coronel Luiz Antônio
Ferraz, foi o ato que formalizou a elevação do distrito de Brejo dos Santos à
condição de vila, desmembrando-a da jurisdição de Porteiras. No entanto, o
intervalo entre a promulgação do decreto, a instalação do governo local e sua
inauguração oficial foi marcado por diferentes acontecimentos e discursos que
evidenciam a implementação gradual dessa nova unidade administrativa.
A primeira
fase importante após o decreto foi a instalação
da vila, que ocorreu em 22
de setembro de 1890, menos de um mês após a criação oficial
pelo decreto. O documento que atesta essa instalação é o ofício da Casa de Intendência da Vila de Brejo dos
Santos, datado de 23
de setembro de 1890, enviado ao governador Luiz Antônio Ferraz,
informando que a vila já havia sido formalmente instalada. Esse evento
representa o momento em que o governo local foi, de fato, constituído, com a
organização dos Conselhos de Intendência, preparando o terreno para o início
das atividades administrativas. Contudo, a formalização e a organização interna
da nova vila ainda estavam em processo de consolidação.
A cerimônia de
inauguração oficial da vila,
descrita na ata de 5 de novembro de
1890, marca a conclusão simbólica e política desse processo.
Neste ato, presidido pelo intendente Lourenço
Gomes da Silva, o Conselho de Intendência de Brejo dos Santos
foi formalmente constituído, e suas atribuições, estabelecidas. A presença de
várias figuras locais e a aclamação do presidente do conselho indicam um
esforço de legitimação diante da comunidade e da estrutura política estadual.
Este ato público serviu para consolidar a nova administração perante a
população e as autoridades do Estado.
O intervalo
entre a criação da vila, sua instalação e inauguração oficial reflete o tempo
necessário para ajustar a nova estrutura administrativa à realidade local. Esse
processo foi acompanhado por discursos de personalidades envolvidas, cujas
palavras foram posteriormente publicadas na imprensa, oferecendo uma
perspectiva sobre as percepções e expectativas em torno da criação da vila.
Um exemplo
disso é o discurso de José Moreira
Tavares, escrivão do Conselho de Intendência e um dos
principais atores nesse processo. Seu discurso, proferido em 27 de novembro de 1890 e publicado
no Jornal Estado do Ceará
em 5 de janeiro de 1891,
revela uma perspectiva mais pragmática e administrativa sobre a criação da
vila. Tavares destacou as responsabilidades do novo conselho e a necessidade de
organização para que a nova vila pudesse prosperar. Seu discurso enfatizou a
transição ordenada e o compromisso das autoridades locais em garantir que a
administração pública funcionasse adequadamente, apesar dos desafios iniciais
de uma recém-criada municipalidade.
Outro
discurso relevante é o de Mileno de Torres Bandeira, promotor da Comarca de
Jardim, proferido em 26 de novembro de 1890 e também publicado no Jornal Estado
do Ceará em 5 de janeiro de 1891. Torres Bandeira tinha uma perspectiva mais
jurídica e institucional, destacando a importância do cumprimento das leis e da
preservação da ordem pública na nova vila. Seu discurso, além de elogiar os
esforços de instalação da municipalidade, expressava uma preocupação com o
estabelecimento de uma justiça eficiente e com o respeito às normas
republicanas.
Além disso, o
discurso de João Gomes da Silva Basílio, datado de 26 de novembro de 1890 e
publicado no Jornal O Estado do Ceará em 7 de janeiro de 1891, refletia uma
visão mais política e social sobre a criação da vila. Ele destacava a
importância da emancipação administrativa para o desenvolvimento local,
ressaltando que a elevação à condição de vila permitiria a Brejo dos Santos
crescer de forma autônoma, sem depender diretamente de Porteiras. Seu discurso
tinha um tom otimista, visualizando o futuro promissor que a autonomia traria
para a vila e seus habitantes.
Esses
discursos, publicados em jornais da época, revelam não apenas as expectativas
das lideranças locais e regionais em relação à nova vila, mas também a
relevância que esses eventos tinham no cenário político mais amplo do Ceará. A
cobertura jornalística e a disseminação desses discursos indicam que a criação
de Brejo dos Santos não era apenas um evento local, mas parte de um movimento
maior de reorganização territorial e política promovido pela República
nascente.
Em termos
cronológicos, é possível observar um padrão de desenvolvimento
político-administrativo típico das vilas criadas no contexto da Primeira
República. A criação formal da vila através de decreto, seguida pela instalação
e, posteriormente, pela inauguração, mostra a preocupação com a legitimação
política e a necessidade de ajustar as novas estruturas locais às exigências do
poder estadual. A publicação dos discursos nos jornais, meses após os eventos,
reflete a dinâmica da comunicação da época, mas também sugere que havia um
interesse contínuo em manter o público informado sobre os desdobramentos
políticos e administrativos no interior do Ceará.
A criação da
vila de Brejo dos Santos foi um passo crucial para o desenvolvimento da região
do Cariri. Ao obter o status de vila, Brejo dos Santos passou a contar com uma
maior presença do poder estatal, o que possibilitou a organização de uma
administração local mais estruturada. A instalação do primeiro Conselho de
Intendência em 5 de novembro de 1890 marcou o início de uma nova fase na
história administrativa da região, trazendo consigo a promessa de melhorias na
infraestrutura e maior integração com o restante do país. Ao longo dos anos, a
transformação de vilas como Brejo dos Santos contribuiu para o desenvolvimento
econômico e social da região, especialmente por meio da expansão da agricultura
e da criação de redes comerciais mais fortes.
No entanto, a
transformação de povoações em vilas não foi apenas um benefício para as regiões
do sertão. Esse processo também fazia parte de uma estratégia política mais
ampla da República, que visava consolidar o controle sobre áreas mais isoladas
e, assim, reforçar seu domínio sobre o território. A criação de vilas permitia
ao governo republicano ter uma presença mais efetiva em regiões que, de outra
forma, poderiam se tornar focos de resistência ou insatisfação política. Desse
modo, a criação de vilas como Brejo dos Santos não apenas proporcionava um
desenvolvimento local, mas também servia aos interesses do governo central em
consolidar a nova ordem republicana.
A instalação
de Brejo dos Santos como vila exemplifica a tensão entre centralização e
descentralização no Brasil no início da República. Enquanto a criação da vila
promovia a autonomia administrativa local, ela também reforçava o controle do
governo central, por meio da nomeação dos Conselhos de Intendência, que
substituíram as tradicionais Câmaras Municipais. A transição de poder, iniciada
com a Proclamação da República, foi, portanto, marcada por um esforço contínuo
de modernização e centralização, mas sempre permeada por conflitos e
resistências locais. Como conclui Jessé Souza (2000), a centralização serviu
para consolidar o regime republicano, mas trouxe consigo desafios
significativos, especialmente em regiões como o sertão nordestino, onde a
autonomia local desempenhava um papel fundamental no cotidiano da população.
A criação e
a instalação de vilas no sertão nordestino, como Brejo dos Santos, refletem,
portanto, não apenas uma mudança administrativa, mas um esforço mais amplo de
reorganização política e social em um Brasil que buscava se adaptar à nova
realidade republicana. Ao mesmo tempo em que promovia o desenvolvimento
econômico e a integração dessas regiões ao projeto nacional, o governo
republicano também enfrentava as tensões inerentes à tentativa de centralizar o
poder em um país vasto e diverso. A história da criação de Brejo dos Santos
como vila, no coração do Cariri cearense, é um exemplo emblemático dessa
complexa e multifacetada transição.
|
Jornal Libertador (CE). Anno X. Num. 194. Edição de 26 de agosto de 1890. |
|
Transcrição da Ata de Inauguração da Municipalidade da Vila de Brejo dos Santos, feita por Padre Antônio Gomes de Araújo, a partir do Livro de Lançamento das Atas das Sessões do Concelho de Intendencia da Villa de Brejo dos Santos, fls. 1 e 2. |
Ata da Inauguração da nova Vila
de Brejo dos Santos
“Aos cincos dias do mês de novembro do anno de
mil oitocentos e noventa, na Sala das Sessões desta Casa, destinada para a
realização das sessões do Conselho de Intendência municipal desta Villa de
Brejo dos Santos, creada por decreto do Governador do Estado, coronel Luiz
Antônio Ferraz, número quarenta e nove (49), de vinte e seis de agosto do
corrente anno, ás dez horas da manhã, presentes os Intendentes Lourenço Gomes
da Silva, Benevenuto Bezerra da Paixão, José Florentino de Araújo Lima e José
Moreira Tavares, nomeados por acto do Governador do Estado, de vinte seis de
Agosto, também do corrente anno, e, todos, juramentados perante o Conselho de
Intendência Municipal da Villa de Porteiras, da qual foi esta Villa
desmembrada, por aclamação foi escolhido o intendente presidente do Conselho, o
intendente, cidadão Lourenço Gomes da Silva, qual, após, tomou assento à
cabaceira da mesa e convidou para exercer as funções de secretário, ao
intendente, cidadão José Moreira Tavares, o qual, assumindo o cargo, tomou seu
respectivo logar. Em seguida. declarou o presidente, que, havendo número legal
de intendentes, declara aberta a sessão. Então declarou inaugurada a
municipalidade desta Villa, e que se lavrassem ofícios de participação da
presente sessão ao Exmo. Governador do Estado; ao Conselho de Intendência
Municipal de Porteiras, ao Doutor Juiz de Direito da Comarca e as autoridades e
empregados públicos, aqui, existentes, da antiga Municipalidade, Para
conhecimento de todos, lavrou-se a presente Acta. Determinou-se o dia seguinte
para a instalação da primeira sessão ordinária do mesmo Conselho. Ordenou o
Presidente, que se extraísse uma cópia da Acta e se remetesse ao Doutor Juiz de
Direito da Comarca, para os devidos fins, e outra, para ser afixada em parte da
Casa deste Conselho, para conhecimento dos povos deste Município. Do que, para
constar, lavrei a presente Acta. José Moreira Tavares, servindo de Secretário,
a escrevi. Sala das Sessões do Conselho da Intendência de Brejo dos Santos, 5
de Novembro de 1890. Segundo Anno da Republica - Lourenço Gomes da Silva, 1°
Presidente; Benevenuto Bezerra da Paixão; José Florentino de Araújo Lima; José
Moreira Tavares.” (Extraído do Livro de Lançamentos das Actas das Sessões
do Conselho de Intendência da Villa de Brejo dos Santos, fls. 1 e 2).
A Ata de Inauguração da Vila de Brejo dos Santos,
datada de 5 de novembro de 1890, oferece uma perspectiva sobre o processo de
reorganização administrativa ocorrido no início da República brasileira,
particularmente no contexto de vilas e povoados no interior do Ceará. Este
documento, de grande valor histórico, revela não apenas a formalidade burocrática
envolvida na criação de uma nova unidade administrativa, mas também a interação
entre o poder central e as elites regionais no processo de constituição de
novos territórios políticos.
A elevação
de Brejo dos Santos à condição de vila, oficializada pelo Decreto nº 49, de 26
de agosto de 1890, assinado pelo então governador republicano Coronel Luiz
Antônio Ferraz, insere-se em um movimento mais amplo de reestruturação
territorial e política promovido pelo novo regime republicano. A proclamação da
República, em 1889, trouxe consigo uma série de mudanças administrativas, sendo
uma das mais notáveis a criação de vilas e municípios com o objetivo de
consolidar o controle do governo central sobre áreas periféricas, especialmente
no sertão nordestino. Nesse contexto, Brejo dos Santos, anteriormente
subordinada ao município de Porteiras, passou a ter autonomia administrativa,
refletindo um esforço do governo estadual em consolidar o projeto republicano
em regiões afastadas dos grandes centros.
A ata revela
a formalidade e o caráter cerimonial que envolviam esses processos de instalação
de novas vilas. A reunião, realizada na Sala das Sessões da nova vila, contou
com a presença dos intendentes Lourenço Gomes da Silva, Manoel Ferreira Mendes,
Benevenuto Bezerra da Paixão, José Florentino de Araújo Lima e José Moreira
Tavares, todos nomeados diretamente pelo governador do Estado, conforme o
modelo de governança republicano, que centralizava a nomeação de autoridades
locais. Esse arranjo administrativo evidenciava a tentativa da República de
modernizar e centralizar o poder político, retirando das antigas Câmaras
Municipais, herança do período imperial, grande parte de sua autonomia.
A escolha de
Lourenço Gomes da Silva como o primeiro presidente do Conselho de Intendência da
Vila de Brejo dos Santos, feita por aclamação, demonstra um aspecto
significativo da política local do período: a continuidade da influência das
elites regionais, mesmo sob o novo regime republicano. Embora o governo central
buscasse implementar uma nova ordem política, as lideranças locais continuavam
a exercer papel fundamental na administração das novas vilas. No caso de Brejo
dos Santos, observa-se que a transição de povoado para vila envolveu não apenas
a instalação formal de novas instituições, mas também a manutenção de figuras
já influentes na região.
Outro ponto
de destaque é o cuidado com a comunicação formal entre as autoridades. A ata
menciona que deveriam ser enviados ofícios ao Governador do Estado, ao Conselho
de Intendência de Porteiras, ao Juiz de Direito da Comarca de Jardim, entre
outras autoridades, informando-os sobre a inauguração da nova vila. Esse
procedimento ressalta a importância de legitimar formalmente a criação da
municipalidade e assegurar que todas as instâncias do poder, tanto estadual
quanto local, estivessem cientes e envolvidas no processo de institucionalização
da nova vila. Esse aspecto revela o grau de formalidade e a necessidade de
integração entre as diferentes esferas de poder que caracterizavam a política
da época.
A ata ainda
demonstra um certo cuidado com a publicidade dos atos administrativos, ao
determinar que uma cópia do documento fosse afixada em local público,
permitindo que a população tivesse conhecimento da criação da nova vila e de
suas autoridades. Esse gesto, além de cumprir uma função administrativa, também
tinha um caráter simbólico, pois reforçava a presença do novo poder republicano
nas áreas mais distantes e rurais do Ceará.
Essa
reorganização administrativa também pode ser entendida como parte de uma
estratégia mais ampla da República para fortalecer o controle sobre áreas
remotas, utilizando a criação de novas vilas e a instalação de Conselhos de
Intendência como instrumentos de centralização política. A nomeação direta dos
intendentes pelo governador do Estado representa um rompimento com a autonomia
das Câmaras Municipais, típicas do período imperial, que detinham grande poder
em nível local. Sob o novo regime, as autoridades locais passaram a ser
subordinadas diretamente ao poder central, refletindo a tentativa de limitar o
poder das elites locais e garantir que o projeto republicano fosse implementado
de forma mais eficaz.
Entretanto,
essa centralização também gerava tensões. Em várias regiões do país,
especialmente em áreas com forte tradição de autogoverno, a perda de autonomia
das Câmaras Municipais e a substituição por Conselhos de Intendência, nomeados
pelo governo estadual, foi recebida com resistência. No caso de Brejo dos
Santos, embora a ata não mencione conflitos, o próprio processo de instalação
da vila reflete essas tensões latentes entre o poder central e as comunidades
locais, que viam sua autonomia ser restringida.
A Ata de Inauguração da Vila de Brejo dos Santos
é, portanto, um documento crucial para a compreensão do processo de transição
política e administrativa no Brasil republicano, especialmente no contexto das
pequenas vilas do interior nordestino. Ela não só registra o ato formal de
criação da vila, mas também oferece uma janela para entender como o novo regime
republicano se articulava nas esferas locais, lidando com as demandas das
elites regionais e os desafios de implementar uma nova ordem política em
regiões até então marginalizadas. A análise desse documento contribui para a
compreensão da complexa relação entre o centro e a periferia no processo de
consolidação da República no Brasil, evidenciando as dinâmicas de poder que
permeavam a criação de novas unidades administrativas no sertão cearense.
DISCURSOS
PROFERIDOS NA INSTALAÇÃO DA VILA DE BREJO DOS SANTOS
|
JORNAL ESTADO DO CEARÁ. Anno I; n⁰ 23; Fortaleza, 05 de janeiro de 1891. |
Villa de Sant’Anna de
Brejo dos Santos, em 27 de novembro de 1890.
Pelo grande enthusiamo e signal de
regozijo publico, que se operou hontem nesta villa, deliberei levar ao vosso
conhecimento com toda expontaneidade o modo porque foi inaugurada esta villa.
No dia anterior ao designado para a
inauguração, reuniram-se cerca de sessenta cavaleiros para o encontro do nosso
digníssimo magistrado dr. Antônio Lopes da Silva Barros, zeloso juiz de direito
desta comarca, e com ele vinham os cidadãos dr. Mileno de Torres Bandeira,
digno promotor publico desta comarca, e os honrados alferes Epiphanio
Nogueira, Raymundo Guilherme e Moreira,
e o honrado coletor do município de Porteiras, o cidadão José Alexandre de
França, e mais cidadãos que assim quizerão honrar-nos com suas respeitáveis
presenças.
Entremos todos a face dessa villa
ás cinco horas da tarde, ao passar na praça da matriz onde se shoa edificada a
casa do Conselho de Intendencia Municipal, em seguida subiram ao ar muitas
girandolas de foguetes; seguiu o dr. Juiz de direito e promotor publico e
hospedaram-se na casa do cidadão Francisco Pereira de Lucena, que os recebeu
com toda dignidade.
No dia seguinte pelas dez horas da
manhã partio o dr. Juiz de direito e junctamente com o presidente do Conselho
de Intendencia, o dr. Promotor publico, escrivão do jury adhoc nomeado,
acompanhado a dos militares e de uma ingente multidão de distintos cidadãos que
seguirão em direção á casa de Intendencia Municipal, afim de tratarem da
qualificação dos juízes de factos deste município, e foram qualificados um
grande número de cidadãos edoneos.
Na ocasião da instalação, brindou o
cidadão dr. Juiz de direito com todo
enthusiasmo, e falou em termos assás linsogeiros (sem caracter algum de
candonga) ao actual governo democrático.
Em seguida falou o distincto
cidadão dr. Promotor publico e mais cidadãos. Ao terminar porém, de cada
discurso proferido subiam ao ar numerosíssimas girandolas de foguetes.
As sete horas da noite juntou um
grande numero de pessoas para darem uma passeita, o que fizeram levando como
objeto de myra uma bandeira Republicana com o rotulo – Ordem e Progresso.
E seguiram da Praça da Matriz, com
direção á rua da Victoria, a qual encontraram as ruas iluminadas – contendo em
cada uma das portas uma manga de vidro, contendo em cada uma, as luzes
concernentes.
Publique sr. Redactor.
José Moreira Tavares.
Fonte: Jornal
Estado do Ceará – Anno I; n⁰ 23; Fortaleza, 05 de janeiro de 1891; pág. 3.
Os discursos e acontecimentos
que cercaram a instalação da Vila de Sant'Anna de Brejo dos Santos, em 27 de
novembro de 1890, refletem um momento de celebração e de afirmação do novo
regime republicano na região. A condução da comunicação pelas autoridades
locais demonstra o compromisso do governo republicano em firmar sua presença em
áreas remotas do país, buscando garantir a adesão da população. Documentos como
a ata de criação da vila e o relato de José Moreira Tavares, publicado no
Jornal Estado do Ceará (Ano I, n⁰ 23, Fortaleza, 5 de janeiro de 1891,
pág. 3), oferecem uma visão detalhada dos acontecimentos que marcaram essa
etapa histórica.
A ata inaugural da vila, datada
de 5 de novembro de 1890, formaliza a criação do Município de Brejo dos Santos,
resultado do desmembramento do município de Porteiras, conforme o Decreto nº 49
de 26 de agosto de 1890, aprovado pelo governador Luiz Antônio Ferraz. A
escolha dos membros do Conselho de Intendência Municipal foi feita por
aclamação, com Lourenço Gomes da Silva eleito presidente do Conselho e José
Moreira Tavares nomeado secretário. Esse procedimento formal revela o rigor
administrativo e a preocupação com a legalidade da criação da vila,
evidenciando a influência direta do regime republicano sobre o processo de
autonomia municipal.
A instalação da vila contou com
a presença de autoridades regionais, como o juiz de direito Dr. Antônio Lopes
da Silva Barros e o promotor público Dr. Mileno de Torres Bandeira, além de
militares e cidadãos. Segundo o relato de José Moreira Tavares, o “regozijo
público” marcou a chegada das autoridades, recebido com fogos de artifício e
festejos na praça da matriz. A excitação da população foi acompanhada de
discursos que reforçaram o compromisso com o governo republicano. O discurso do
Dr. Antônio Lopes da Silva Barros, descrito como entusiástico e livre de
“candonga” (falsidade), buscava legitimar o novo regime, destacando a
sinceridade e a transparência que pautariam sua administração.
O evento de instalação incluiu
ainda uma passagem noturna, com destaque para a exibição da bandeira
republicana e a iluminação das ruas da vila, uma expressão pública que
simbolizava a adesão à nova ordem republicana, associada aos ideais de “Ordem e
Progresso”. As festividades com fogos e discursos reforçavam, tanto política
quanto simbolicamente, a legitimação do governo republicano perante a
população.
A perda de documentos históricos
valiosos, como o Livro de Lançamentos das Atas das Sessões do Conselho de
Intendência, que foi destruído em um crime de incêndio, representa uma lacuna
irreparável para a memória histórica local. Essa destruição privada das futuras
gerações de um registro é essencial para a compreensão completa da transição
para o regime republicano em Brejo dos Santos, dificultando o estudo e a
preservação do processo de consolidação republicana na região.
Discurso proferido na sessão de instalação
do município, e novo termo da villa do Brejo dos Santos pelo dr. Mileno de
Torres Bandeira.
Cidadãos do
Brejo, aquelle que fala, como diz o Barreau-Français, tem ou deve ter por fim
persuadir, os que o ouvem.
Não venho de
presente persuadi-vos, apenas venho felicitar-vos pela autonomia adquirida com
a inauguração de vosso município e termo de Brejo dos Santos.
Et sit mihi
faz súdita loqui (e deixe-me falar):
E me seja
permitido dizer-vos as cousas, que tenho ouvido.
Sim,
concidadãos, hoje que as liberdades publicas se achão garantidas pelo systema,
e governo republicano, criatura do povo, feito ao molde de seus direitos; hoje
que o patrioco governo federal tem reformado todos os emperros e serões das
antigas leis cíveis, e publicas; hoje que nos falta dar um cunho de
nacionalidade peculiar ao nosso comercio, aumentar nossa riqueza e força; hoje
que a providencia com dêdo protector nos tem avantajado aos olhos das nações
cultas por uma revolução felis e mysteriosa – 15 de Novembro do anno passado,
que mudou a face politica do Brasil, não é muito – que a justiça venhas ás
portas de vossa villa como acontecia na antiga republica e cidade de Roma.
Sim,
concidadãos, disse César Cantú, á Vico deve-se a descoberta d’essa lei sabia,
manifestando-se no meio dos erros e iniquidades, chamada – providencia.
Sim, cidadãos
do Brejo, á proteção, ao auxilio da providencia, (atributo da divindade, do ser
oculto e mysterioso), deve o Brazil, nossa cara pátria, ter atravessado sem
transtorno, sem abalos, sem grandes comoções as phases mais arriscadas de sua
vida politica, como nação:
Foi pela
proteção da divina providencia que foi dado o grito do Ipiranga - que firmou a independencia do Brazil á 7 de
Setembro de 1822; o libertando e á todos nós do jogo de Portugal.
Foi
ainda pelo auxilio da providencia - que
o heroico exercito brasileiro em comunhão com o povo nas praças publicas do
Rio, da capital federal, deo o brado – de justiça ou morte, derribando um
throno, e livrando-nos dos aulidos palacianos, que o tinham enfraquecido, e
desprestigiado.
Sim,
concidadãos, a centralização, que era lema do império, estava a asphyxiar, o Brasil; porque, como diz o
padre Ventura em sua obra poder publico – a centralisação mata, como a
aprolexia fazendo todas as forças da nação, como todo sangue do organismo,
convergir para a cabeça.
Ao
contrário: a descentralização da administração e da justiça tira as peias do
servilismo, garante a liberdade individual, e todo os direitos do cidadão,
fazendo o desassombro do poder pessoal dos antigos políticos, empregar sua
justa atividade, e enveredando-se pela senda do progresso , que é sim,
felizmente, o lema da republica dos Estados Unidos do Brasil, do patriótico
governo federal e da justiça.
Por
tanto faço votos para que possa vigorar vosso termo e município; para que todos
os vossos municípios fruam dias felizes de paz e prosperidade.
Pelo
que vos convido, a que me acompanheis na seguinte saudação:
Viva
o emérito generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca, presidente dos Estados
Unidos do Brasil.
Via
o benemérito coronel Ferraz, governador do Ceará.
Viva
o integro magistrado, juiz de direito d’esta comarca, dr. Antonio Lopes da
Silva Barros.
Tenho
dito.
Casa
de Intendência Municipal da Villa do Brejo dos Santos aos 26 de novembro de
1890, 2⁰ da Republica.
Mileno de
Torres Bandeira.
Fonte: Jornal
Estado do Ceará – Anno I; n⁰ 23; Fortaleza, 05 de janeiro de 1891; pág. 3.
O discurso proferido por Mileno
de Torres Bandeira durante a sessão de instalação do município e termo da Vila
de Brejo dos Santos em 26 de novembro de 1890 reflete um momento de transição
política e social no Brasil, marcado pela recente proclamação da República e
pela reorganização das estruturas administrativas locais. No contexto da
criação da vila, o discurso carrega forte conteúdo ideológico, exaltando os
ideais republicanos e destacando a importância da descentralização
administrativa, contrastando com os males percebidos do regime imperial
anterior.
A fala de Mileno de Torres
Bandeira utiliza uma retórica altamente formal, cheia de referências clássicas
e históricas, para legitimar a nova ordem republicana e situar o processo de
instalação da vila como parte de um movimento maior de libertação e progresso.
A invocação da "providência divina" e de figuras como César Cantú e o
Padre Ventura demonstra uma tentativa de conferir um caráter quase sagrado à
transição política, atribuindo à República uma missão moral de emancipação e
justiça, que culmina na criação de novas vilas como Brejo dos Santos.
A importância do discurso não
reside apenas em seu conteúdo ideológico, mas também na presença de autoridades
jurídicas e políticas que estavam diretamente envolvidas na implementação das
novas estruturas administrativas. A referência a Manoel Deodoro da Fonseca,
presidente da República, e ao coronel Ferraz, governador do Ceará, serve para
reafirmar a lealdade das autoridades locais à nova ordem republicana e ao
projeto de descentralização política e administrativa. A presença do juiz de
direito da comarca, Dr. Antônio Lopes da Silva Barros, é especialmente
relevante, pois simboliza a continuidade da autoridade judicial e a integração
da nova vila ao sistema legal republicano.
A comarca de Jardim, à qual
Brejo dos Santos estava inicialmente subordinado, desempenha um papel crucial
nesse processo. A jurisdição de Jardim não apenas abrigava Brejo dos Santos em
seu contexto legal anterior, mas também representava um elo entre a antiga
organização territorial e a nova configuração republicana. A presença de
representantes dessa comarca durante a instalação da vila reforça a importância
da legalidade e da justiça no processo de transição. O discurso de Mileno de
Torres Bandeira ressalta que a justiça deve agora ser mais próxima e acessível,
fazendo uma analogia com a antiga República Romana, onde a justiça chegava às
portas das cidades. Essa metáfora reforça a ideia de que a nova administração
republicana seria mais democrática e atenta aos direitos dos cidadãos,
contrastando com o centralismo sufocante do Império, como ele próprio destaca
citando o Padre Ventura.
O ato de instalação do município
e termo da vila de Brejo dos Santos, portanto, é impregnado de simbolismo. Ao
destacar a descentralização como um avanço para a garantia das liberdades
individuais e dos direitos dos cidadãos, Mileno de Torres Bandeira coloca a
criação da vila como parte de um esforço maior de modernização e progresso,
alinhado com o espírito republicano. A menção a figuras jurídicas e políticas
de alta estatura reforça a legitimidade desse processo e busca assegurar à
população que a nova vila não estaria isolada, mas sim inserida em um contexto
mais amplo de reforma administrativa e justiça descentralizada.
A presença dessas autoridades
jurídicas é, portanto, um sinal de que o novo termo de Brejo dos Santos estava
inserido em uma rede de governança que, embora republicana e descentralizada,
ainda se apoiava em pilares fortes de legalidade e controle social. A
integração da vila ao sistema de justiça da comarca de Jardim e ao governo
estadual do Ceará reforça a ideia de que o novo município estava comprometido
com os valores da República e com a implementação eficaz de suas promessas de
liberdade e progresso.
Assim, o discurso de Mileno de
Torres Bandeira é tanto uma celebração do novo regime republicano quanto uma
reafirmação do papel essencial das autoridades jurídicas na construção de uma
nova ordem política. Ele revela a importância da justiça e da descentralização
como pilares centrais da nova República e estabelece um vínculo direto entre a
criação da vila de Brejo dos Santos e o projeto mais amplo de consolidação
republicana no Brasil. A fala humaniza o processo político, ao conectar as
transformações institucionais com as esperanças e expectativas de uma
comunidade local, que, a partir daquele momento, estava oficialmente inserida
na nova estrutura de poder republicano.
Brejo dos Santos
Discurso que proferiu o cidadão João Gomes da
Silva Basílio, no dia 26 de novembro de 1890 na instalação do município, e novo
termo da villa de Brejo dos Santos.
Cidadãos.
O inexplicável prazer que manifesta-se em mim nesta
hora leda, leva-me ao olvidar os meus débeis recursos intelectuais:
Uzando assim da palavra desejo em nome do povo desta
villa, saudar aos propugnadores dos interesses deste município, que empregado
os seus esforços fizeram por seus méritos, trilhar uma senda progressiva esta
até outr’ora florecente povoação do Brejo dos Santos, hoje por acto de
patriótico governo, villa de Sant’Anna de Brejo dos Santos.
Cidadãos.
O nome daquele que tomou a si a defesa do universo
Brazileiro (vós bem sabeis quem) em melhoramento das utilidades gerais, não
devemos permitir que o tempo com o impossível manto envolvido:
Devemos pois erguer uma memoria, que, com as
possibilidades ao mneos ateste os benefícios que em merecidamente fomos
receptores.
Cidadãos.
A mocidade futura tem como dever sagrado, (isto
infalível e inevitável) dar progresso as obras que forão encetadas por seus
entepasados: por tanto peço-vos que seja para sempre comemorada e jamais
olvidado, o facto que teve lugar nas praças do Rio de Janeiro, no dia 15 de
Novembro de 1889, o qual foi a proclamação da Republica federal, bem como, o
nome do ínclito Coronel cidadão Luiz Antonio Ferraz, integro governador deste
estado do Ceará, á quem por seus sentimentos patrioticos devemos o progresso
desta recente villa.
Avista pois, cidadãos, do já exposto convido-vos e
me acompanheis na seguinte saudação:
Viva o generalismo coronel Luiz Antonio Ferraz,
governador do estado do Ceará.
Viva os militares, os alferes Raymundo Guilherme,
Epiphanio Moreira e Nogueira.
Casa da Intendencia municipal da villa de Sant’Anna
do Brejo dos Santos, em 26 de novembro de 1890.
Publique sr. redactor.
João Gomes da Silva Basilio.
Fonte: Jornal O Estado do Ceará – Anno I; n⁰
124; Fortaleza, 07 de janeiro de 1891; págs. 2 e 3.
A instalação oficial da vila de
Brejo dos Santos, registrada em 5 de novembro de 1890, e o discurso de João
Gomes da Silva Basílio, ocorrido em 26 de novembro do mesmo ano, trazem à tona
uma questão importante quanto às possíveis discrepâncias de dados nos registros
históricos da época. Obviamente, há duas explicações plausíveis para entender
essa diferença. Em primeiro lugar, a possibilidade de erros de transcrição e
tipografia merece consideração, dado o contexto tecnológico limitado dos
jornais da época. A produção tipográfica, feita por meio de montagem manual de
caracteres, era especialmente vulnerável a falhas. Essa fragilidade técnica
poderia ter resultado em uma datação incorreta para o discurso de João Gomes da
Silva Basílio ou para outros atos relacionados à instalação.
Por outro lado, é possível que o
discurso de João Gomes da Silva Basílio tenha de fato ocorrido em um momento
posterior ao ato oficial de instalação, trazendo uma prática de etapas da
conquista municipal. Com a autonomia conquistada, a realização de eventos e
discursos complementares, como o de 26 de novembro, pode refletir uma tradição
comum nas fundações e nas celebrações cívicas da época: o prolongamento das
festividades para reforçar a importância da ocasião para a comunidade local.
Assim, o discurso de Basílio em uma data posterior ao marco oficial não seria
necessariamente um erro, mas parte de uma série de atos comemorativos,
possivelmente planejados para destacar diferentes aspectos e figuras envolvidas
no processo de autonomia.
A biografia de João Gomes da
Silva Basílio, central nesse contexto, reforça a relevância do evento. Nascido
em 1868 no então distrito de Brejo dos Santos, ele pertencia a uma família de
liderança local, com seu pai, o tenente-coronel da Guarda Nacional Basílio
Gomes da Silva, sendo o primeiro chefe político da povoação. Ao longo de sua
vida, João Gomes da Silva Basílio se envolveu com a comunidade como
agropecuarista e funcionário dos Correios, além de ter se casado com Antônia
Inácio Bezerra, com quem teve cinco filhos, incluindo Basílio Neto, o primeiro
fotógrafo de Brejo dos Santos. Esse histórico familiar consolidou a posição de
Basílio, cujas palavras no discurso de instalação tinham grande peso.
No discurso proferido, João
Gomes da Silva Basílio expressou profunda gratidão pelos esforços que
culminaram na fundação da vila, destacando tanto o papel do governo quanto o da
população no processo. Ele também fez questão de vincular o evento à proclamação
da República em 1889, sinalizando que a criação da vila era um símbolo do
avanço republicano e da proteção divina. Em seu pronunciamento, Basílio
ressaltou ainda a relevância do nome "Sant'Anna de Brejo dos Santos",
um título que simbolizava a identidade religiosa e cultural da comunidade,
ligada às tradições católicas. Essa denominação não oficial, com o termo
“Sant'Anna”, representava para os moradores um elo de continuidade e proteção.
Portanto, o discurso de Basílio,
pronunciado em um possível ato comemorativo pós-instalação, cumpre um papel de
enaltecimento da autonomia e da identidade local. Tanto a prática de
celebrações seguidas quanto a possível interferência de erros de registro
tipográfico refletem as condições e os costumes de uma época marcada por
limitações técnicas e forte apego às tradições. Assim, a história da instalação
da vila de Brejo dos Santos, com todas as nuances e desdobramentos de seus
dados, ilustra o espírito de uma comunidade em busca de uma identidade
autônoma, consolidando-se enquanto município republicano sob a liderança de
figuras locais.
O Brejo é Isso!
Por Bruno Yacub Sampaio Cabral
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