A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

CONFLITO ENTRE O BREJO E AS PORTEIRAS EM 1915 - PRIMEIRA PARTE

    “Mais ou menos em 1915, outro fato repercutiu em todo o Estado, e se passava no Brejo dos Santos. Raimundo Cardoso dos Santos era chefe supremo de Porteiras, então vila. Por isso, ou por aquilo, os chefes de Brejo entenderam de desbancar o homem da Intendência. Hoje, Porteiras pertence a Brejo Santo, mas, naqueles tempos, a rivalidade era grossa.


    O certo é que, certa manhã, Porteiras amanheceu cercada por mais de trezentos homens, bem armados e dispostos para o que desse e viesse. Os atacantes deram os primeiros disparos, no que foram respondidos pelos homens do coronel Raimundo Cardoso dos Santos, tipo do sertanejo que não teme careta.


    O barulhão durou horas. Foi os diabos e, no final das contas, a cidade sitiada, entregou-se com armas e bagagens. Mas a coisa não ficou nisto. Passados dias, chega a Brejo dos Santos um verdadeiro batalhão mandado pelo governo para reintegrar, no posto, o coronel Cardoso. A azáfama foi terrível. Vai, não vai... Finalmente, a coisa serenou e, o homem reassumiu...” (UCHOA, 1954).


    Naquele tempo, Porteiras ainda integrava o território de Jardim, ao qual pertencia, mas logo, no dia 17 de agosto de 1889, veio o diploma provincial de número 2.169 que erigiu o lugarejo em vila, cuja instalação ocorreu nesse mesmo ano, no dia 15 de dezembro e tendo o Cel. Raimundo Cardoso dos Santos, o seu primeiro Intendente e Chefe Político. Estava desmembrado de Jardim a vila de Porteiras, constando como distrito de paz, integrante do seu território, o povoado de Brejo dos Santos.

Fonte:  Almanaque Laemmert; 1897.

    Foi também desse início da década anterior a criação da freguesia de Brejo dos Santos, através da Lei Provincial n° 1.708, de 25 de julho de 1876, sancionada pelo Presidente da Província do Ceará, Francisco de Farias Lemos.

    Com a construção da Capela já iniciada em 1868, através de visita missionária realizada por padre Ibiapina, os moradores do povoado de Brejo dos Santos lançaram a ideia de criação da Freguesia, com aprovação prévia do Vigário da vila de Jardim, padre Joaquim de Sá Barreto, no primeiro semestre de 1875. O referido Pároco, que se fez patrono dos solicitantes, se dirigiu com o apelo por escrito ao Dom Luís Antônio dos Santos, Marquês de Monte Pascoal e primeiro Bispo da Província do Ceará, que se encontrava na cidade de Crato, empenhado na construção do Seminário Diocesano São José.

    Pois bem, o resultado saiu positivo, com a Lei Provincial n° 1.708, de 25 de julho de 1876, sancionada pelo Presidente da Província do Ceará, Francisco de Farias Lemos, criando assim a Freguesia de Brejo dos Santos e lhe traçando os limites territoriais, separando-a das vilas de Jardim e Milagres e inserindo em seu território, o povoado de Porteiras.

    Tal decisão provocou a insatisfação dos habitantes de Porteiras que, alegando ser o tamanho da população e da economia maior do que aquele de Brejo dos Santos, em 1880, iniciaram uma campanha, requerendo da autoridade eclesiástica a transferência da freguesia para Porteiras. Não tendo sido aceita a solicitação, começou a rivalidade entre as duas comunas que levou até o movimento armado, a qual aumentou no primeiro semestre de 1915.

    Jornal Província do Ceará, 1880 – Ineditoriais:

    “Sr. Redator – Peço-lhe que dê publicidade a representação e documento infra que os habitantes desta povoação dirigem á assembleia pedindo que seja transferida para a povoação a sede da freguesia. 

    É notória a conveniência dessa medida, visto que o Brejo dos Santos, sede atual, é um arraial de acanhadas proporções e quase desabitado, enquanto Porteiras é mui populosa, não pela grande concorrência de suas feiras, como pelo número dos seus habitantes. 

    Espera-se, pois que os poderes competentes atendam a tão justa reclamação. 

    O próprio Vigário da Freguesia reconhece a superioridade desta povoação e a necessidade urgente de semelhante medida. 

    Porteiras, 03 de agosto de 1880. 

    Segue representação: 

    Ilmo. E Exmo. Srs. Membros da Assembleia Provincial do Ceará. 

    Os abaixo assinados, proprietários, moradores no distrito de Porteiras, freguesia do Brejo dos Santos, termo e comarca de Jardim, província do Ceará, vem submissos e respeitosamente, requerer a VV. Exs. A transferência da sede desta freguesia para o distrito de Porteiras, onde existe, apesar dos rigores da isoladora seca, porque se acaba de passar, uma crescida população, grande animação no comércio e, em tudo mais, proporções superiores ao Brejo dos Santos. Este distrito, em sua maioria é composto por proprietários abastados, que melhormente podem concorrer para esplendor de sua Igreja ao passo que, o Brejo dos Santos se acha no presente, inteiramente desabitado, principalmente porque o restante do povo que ali existe, acha-se em extrema pobreza, a ponto de não poder absolutamente concorrer para argumento da respectiva Igreja. 

    Os abaixo-assinados confiam que, em vista das razões que acabam de expor, dignar-se-ão V.Exas. concederem-lhes a transferência da sede da referida freguesia do Brejo dos Santos para esta povoação, criando-se assim, uma lei que o autorize, e deste modo, fazendo V.Exas. indefectível justiça aos suplicantes. 

    E. R. M. 

    Seguem diversas assinaturas. 

    Ilmo. Revmo. Sr. Vigário da Freguesia do Brejo dos Santos. 

    Os habitantes do distrito de Porteiras a bem de seu direito, precisam que V. Revma. se digne atestar em fé de Pároco qual o distrito de população mais crescida, e que oferece maiores vantagens e que tem proporções para ser freguesia, se é do Brejo dos Santos, se o de Porteiras, tudo em termos que façam fé. 

    E. R. M. 

    Atesto que a população de Porteiras é superior a do Brejo, por achar-se em sua maior parte disseminada pela aba da serra, sendo que a do Brejo vive em quase sua totalidade na povoação. 

    Atesto mais que o distrito de Porteiras é mais rico que a do Brejo. 

    Brejo dos Santos, 12 de junho de 1880. 

    A pretensão em apreço foi indeferida com base no parecer do então Bispo Diocesano, em notável documento transladado nas memórias do primeiro vigário da nova freguesia, o padre Francisco Lopes Abath: 

    Em no anno de 1880 tentaram os habitantes de Porteiras transferir a sede da freguesia para aquella povoação, porém a Assembleia Legislativa Provincial deixou desfavorável esta petição, em virtude da informação do Exmo. Rvdo. Bispo Diocesano que vai abaixo transcripta. 

    Residência Episcopal do Ceará, 25 de agosto de 1880. Exmo. Sr. Conselheiro André Augusto Fleris. Em ofício de 19 do corrente, solicita V. Excia. o meu parecer sobre a petição dos habitantes de Porteiras, da Freguesia de Brejo dos Santos, dirigida à Assembleia Legislativa Provincial, em que pedem a transferência da sede da dita Freguesia da povoação de Brejo dos Santos, onde se acha, para a de Porteiras. Alegam eles ser o distrito de Porteiras mais populoso e, em sua maioria, de proprietários abastados, ao passo que os habitantes de Brejo acham-se em extrema pobreza, sem poderem concorrer com o aumento da respectiva Igreja. 

    Ao que tenho a honra de responder que o meu parecer é que a sede da dita Freguesia continue a ser na povoação de Brejo dos Santos, como foi designada com a criação da Freguesia. Porque, se os habitantes de Porteiras dizem que o seu distrito tem mais população, o mesmo Pároco atesta que assim é, mas que acha-se ela disseminada pelas abas da serra, ao passo que a de Brejo dos Santos está aglomerada junto à Matriz, formando o povoado do mesmo nome. 

    Quanto ao dizerem que os de Brejo se acham em extrema pobreza, acho ser mais uma razão para se não mudar a sede para Porteiras, cujos habitantes abastados e ricos, como são segundo eles mesmos dizem, estão mais no caso de procurar os socorros espirituais no Brejo dos Santos do que estes que moram em Brejo, que, estando em extrema pobreza, ficarão privados de socorros espirituais, e sem meio de os procurarem, caso seja mudada de sede. 

    Luis, Bispo do Ceará. 

    Brejo dos Santos, 10 de julho de 1880. 

    Está conforme o original 

    Vigário Padre João Casimiro Viana 

    Brejo dos Santos, 1° de julho de 1903. 

    Foi, portanto, em consequência desse conflito bairrista que, em Brejo dos Santos, a rixa política tomou aspecto de movimento de massa.

    Continua.

    Por Bruno Yacub Sampaio Cabral

    O Brejo é Isso!

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A Fonte bibliográfica será apresentada na terceira parte do artigo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

BENONI ANSELMO DE ARAÚJO - O CINE ALVORADA E A MAGIA DA SÉTIMA ARTE EM BREJO SANTO

Encontrei esta fotografia do Cine Brasil, em Porto Velho, que em muito lembra o Cine Alvorada. Foram cinemas contemporâneos. Créditos de colorização da foto de Luís Claro.

Era uma manhã de 1987. Eu devia ter uns seis anos. Como um ritual de domingo, saía da minha casa, logo depois do café, para tomar banho de piscina, no Brejo Santo União Clube. Encontraria meu pai, que acordava muito mais cedo e lá já estava, para nadar com a piscina sem ninguém, pois em breve a meninada a tomaria como um enxame. Na quadra que antecedia o clube, como parte desse ritual, eu me demorava por alguns minutos, parado em frente do prédio abandonado do Cine Alvorada. Chamava-me atenção sua pintura carcomida pelo tempo, seu escombros, sua decadência, em si. Eu sentia pena. A imagem daquele prédio abandonado me prendia misteriosamente. Anos atrás, o teto do cinema desabou, sentenciando a morte daquele lugar, palco de tanta alegria. Através de uma grade empoeirada, pegava-me a inspecioná-lo, na minha curiosidade de menino, até onde a vista alcançasse. Havia um cartaz de King Kong, manchado pela umidade e carcomido pelo tempo; telhas de aranha e cadeiras de madeira quebradas se espalhavam entre poeira e desvãos.

A história do Cine Alvorada está diretamente ligada a Benoni Anselmo de Araújo, o primogênito do casal João Emídio de Araújo e Maria Anselmo de Araújo, nascido na Vila de Brejo dos Santos, em 1923.

Desde muito cedo, notabilizou-se pelo seu amor aos estudos, especialmente pela língua portuguesa e literatura. Conforme declarou seu irmão, Geraldo William de Araújo, Benoni "despertou para a ideologia socialista após ler Os subterrâneos da Liberdade, de Jorge Amado , convertendo-se num assíduo devorador da literatura socialista de Marx, Engels, Antonio Gramsci, Lênin e congêneres." Foi de sua iniciativa, com a amiga Lenira Macedo, a realização de uma campanha para fundação da primeira biblioteca de Brejo Santo, que levava o nome da professora Balbina Viana Arrais.

Viajou pelo Brasil e era apaixonado por cinema. Aquilo era um sonho! Na pacata Brejo Santo, esteve ligado à história cinematográfica dos primeiros cinemas, de curta duração. O advento do Cine Alvorada representou o mais ousado pacto da sociedade civil, naqueles idos dos anos 1960, organizada principalmente por comerciantes fortes e encabeçada por Benoni, que viam naquele projeto moderno, uma grande benfeitoria em prol do lazer e da cultura da gente.

Benoni Anselmo, à esquerda, com amigos, no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Provavelmente nos anos 40.

O ano de 1967 foi glorioso para aquele cinema, porque Benoni e o prefeito Emílio Salviano foram até Fortaleza e conseguiram a importante missão de incluir o longínquo Cine Alvorada no circuito nacional de distribuição de filmes. O distante interior brejo-santense estava agora interligado à contemporaneidade, não ficando à mercê das sobras surradas de filmes, destinadas como migalhas aos interioranos e isolados cinemas do Brasil.

Construído nos padrões da Metro Goldwyn Meyer, com fachada em relevo, o imponente lugar era o mais festejado ponto de encontro da sociedade.

As pesadas latas de filme viajavam os cerca de quinhentos quilômetros em uma linha de ônibus, chegavam em sacos de estopa, amarrados e etiquetados. 

Este cinema (Cine Rio Negro) guarda algumas semelhanças com o Cine Alvorada

Quando tocava Theme from a summer place no sistema de megafones espalhados pelo comércio, sabia-se que um filme seria anunciado, na inconfundível voz de Zezinho Moreira. Os ouvidos se preparavam atentos: 

- Hoje à noite, o Cine Alvorada exibe o clássico Casablanca, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. 

Ir ao cinema era uma festa. Arrumava-se e perfumava-se, porque ver um filme tinha status de festa. Antes, já de ingressos comprados, os espectadores aguardavam nas imediações do cinema ou na praça principal, logo à esquina,  onde se esperava o primeiro toque da sirene, ouvido em toda a cidade, anunciando a proximidade da sessão. 

Devidamente sentados naquela “nave espacial”, cada passageiro daquele voo de 204 cadeiras contava ansiosos minutos, para que as cortinas de veludo vermelho se abrissem e as luzes se apagassem. Depois, batidas de um gongo reverberavam. Da sala de projeção, Roque abria a luz do projetor, comandando a mágica viagem. Piloto competente, orgulhava-se de ter sido treinado no majestoso Cine São Luiz, de Fortaleza. Se uma fita quebrava, estava ele a postos para corrigir, no tempo mais breve, aquela turbulência, antes que os espectadores se entediassem. Esses pedaços de fita seriam disputados mais tarde pela meninada mais sortuda, que os guardaria como tesouro caro.

Clássicos, épicos, dramas, faroestes espaguetes, títulos italianos e filmes nacionais da Cinelândia e da pornochanchada davam a tônica do quanto o Cine Alvorada era eclético; mas também, sem dúvida pelo conhecimento aprofundado de Benoni, muitos filmes do hoje chamado gênero “cult” marcaram aquela vasta lista, como por exemplo "O Discreto Charme da Burguesia" (Le Charme Discret de la Bourgeoisie, FRA/1972) de Luis Buñuel e "Os Meninos" (Quien Puede Matar a un Niño?, ESP/1976) de Narciso Ibáñez Serrador. 

Vítima de processo de desprestígio, causado pelo advento da televisão, que pouco a pouco foi se popularizando, o Cine Alvorada entrou em decadência no final dos anos 70, até que, carcomido pelos cupins, seu teto veio abaixo, entre os primeiros anos da década de 80. Do lugar, nem fotografias restaram. 

Em 1995, Benoni nos deixou, após se submeter a uma cirurgia na cabeça. A sociedade brejo-santense sentiu com pesar a morte do seu grande intelectual, respeitado cidadão. É importante lembrar que ele ocupara cargo de vereador, assim como exerceu importantes funções públicas, como tesoureiro e secretário de educação e cultura do município. 

Socorro Araújo e o saudoso crítico de cinema Rubens Ewald Filho.

Em 2000, Socorro Araújo, sobrinha de Benoni e Roque, recordando memórias do cinema de sua infância e adolescência - onde, inclusive, trabalhou na bilheteria - publicou Tão Longe de Rosenheim, uma série de ensaios poéticos sobre filmes de sua vida. Na sua apresentação, ela relembra: “Ainda trago uma recordação muito vívida daquela época: um cartaz de um filme, ‘Caminhando sob a chuva de Primavera’, exposto no pequeno escritório do Cine Alvorada. Aquela imensa fotografia de Ingrid Bergman e Anthony Quinn andando sob uma chuva fina transportava-me para um mundo de fantasias. Aquele cartaz desbotado era meu troféu e meu sonho. Tudo o que me cercava tinha o encanto e o brilho dos filmes de Hollywood. Foi um tempo de noites encantadoras (…) Recordo-me, agora, de Cine Paradiso. Igual a Totó, o garotinho do filme de Giuseppe Tornatore, também tive um Alfredo em minha vida. Meu tio Benoni despertou em mim a verdadeira paixão pelo cinema. Pouco antes de falecer, ele me disse que estava 'voltando a ser menino'. Queria rever os filmes de sua infância e me pediu para conseguir cópias de '13 Rua Madeleine', 'À Noite Sonhamos' e 'Dois Contra uma Cidade Inteira'. Tio Benoni morreu sem conseguir assistir novamente aos filmes de sua juventude. Outro dia, sonhei com ele, de braços dados com Fred Astaire, cantando Cheek to Cheek. Mas foi apenas um sonho. Acho que ele queria me dizer que estava em boa companhia." 

Em 2014, a sala de cinema do Núcleo de Arte e Cultura de Brejo Santo foi batizada com o nome de Benoni Anselmo. 

Neste ano de 2020, Roque, pioneiro piloto da mágica nave dos sonhos felizes, também nos deixou, vítima da COVID-19. 

Roque Anselmo de Araújo

Brejo Santo não teve mais um cinema permanente, porém o Cine Alvorada permanece vivo, porque suas histórias são eternas, pintadas com a tinta da saudade, seladas pelo verniz da poesia. 


Hérlon Fernandes Gomes, 05 de Novembro de 2020 - Porto Velho, Rondônia.


Em memória de Benoni e Roque Anselmo, com preito de gratidão. A família Anselmo de Araújo esteve sempre engajada com tudo o que se dissesse respeito à Sétima Arte no município de Brejo Santo.

Para Geraldo Willian, irmão mais novo de Benoni e Roque, num mar de saudades.

Aos meus pais, Sebastião e Tôta, que sempre me encheram de curiosidades com histórias do Cine Alvorada.

Para Socorro Araújo e Elisabete Martins, que mesmo à distância dividiram comigo maravilhosas lembranças vividas.