“Mais ou menos em 1915, outro fato repercutiu em todo o
Estado, e se passava no Brejo dos Santos. Raimundo Cardoso dos Santos era chefe
supremo de Porteiras, então vila. Por isso, ou por aquilo, os chefes de Brejo
entenderam de desbancar o homem da Intendência. Hoje, Porteiras pertence a Brejo
Santo, mas, naqueles tempos, a rivalidade era grossa.
O certo é que, certa manhã, Porteiras amanheceu
cercada por mais de trezentos homens, bem armados
e dispostos para o que desse e viesse. Os atacantes deram os primeiros disparos, no que foram respondidos
pelos homens do coronel Raimundo Cardoso dos Santos,
tipo do sertanejo que não teme careta.
O barulhão durou horas. Foi os diabos e, no final das contas, a cidade sitiada, entregou-se com armas e bagagens. Mas a coisa não ficou nisto. Passados dias, chega a Brejo dos Santos um verdadeiro batalhão mandado pelo governo para reintegrar, no posto, o coronel Cardoso. A azáfama foi terrível. Vai, não vai... Finalmente, a coisa serenou e, o homem reassumiu...” (UCHOA, 1954).
Fonte: Almanaque Laemmert; 1897. |
Foi também desse início da década anterior a criação da freguesia de Brejo dos Santos, através da Lei Provincial n° 1.708, de 25 de julho de 1876, sancionada pelo Presidente da Província do Ceará, Francisco de Farias Lemos.
Com a construção da Capela já iniciada em 1868, através de visita missionária realizada por padre Ibiapina, os moradores do povoado de Brejo dos Santos lançaram a ideia de criação da Freguesia, com aprovação prévia do Vigário da vila de Jardim, padre Joaquim de Sá Barreto, no primeiro semestre de 1875. O referido Pároco, que se fez patrono dos solicitantes, se dirigiu com o apelo por escrito ao Dom Luís Antônio dos Santos, Marquês de Monte Pascoal e primeiro Bispo da Província do Ceará, que se encontrava na cidade de Crato, empenhado na construção do Seminário Diocesano São José.
Pois bem, o resultado saiu positivo, com a Lei Provincial n° 1.708, de 25 de julho de 1876, sancionada pelo Presidente da Província do Ceará, Francisco de Farias Lemos, criando assim a Freguesia de Brejo dos Santos e lhe traçando os limites territoriais, separando-a das vilas de Jardim e Milagres e inserindo em seu território, o povoado de Porteiras.
Tal decisão provocou a insatisfação dos habitantes de Porteiras que, alegando ser o tamanho da população e da economia maior do que aquele de Brejo dos Santos, em 1880, iniciaram uma campanha, requerendo da autoridade eclesiástica a transferência da freguesia para Porteiras. Não tendo sido aceita a solicitação, começou a rivalidade entre as duas comunas que levou até o movimento armado, a qual aumentou no primeiro semestre de 1915.
Jornal Província do Ceará, 1880 – Ineditoriais:
“Sr. Redator – Peço-lhe que dê publicidade a representação e documento infra que os habitantes desta povoação dirigem á assembleia pedindo que seja transferida para a povoação a sede da freguesia.
É notória a conveniência dessa medida, visto que o Brejo dos Santos, sede atual, é um arraial de acanhadas proporções e quase desabitado, enquanto Porteiras é mui populosa, não pela grande concorrência de suas feiras, como pelo número dos seus habitantes.
Espera-se, pois que os poderes competentes atendam a tão justa reclamação.
O próprio Vigário da Freguesia reconhece a superioridade desta povoação e a necessidade urgente de semelhante medida.
Porteiras, 03 de agosto de 1880.
Segue representação:
Ilmo. E Exmo. Srs. Membros da Assembleia Provincial do Ceará.
Os abaixo assinados, proprietários, moradores no distrito de Porteiras, freguesia do Brejo dos Santos, termo e comarca de Jardim, província do Ceará, vem submissos e respeitosamente, requerer a VV. Exs. A transferência da sede desta freguesia para o distrito de Porteiras, onde existe, apesar dos rigores da isoladora seca, porque se acaba de passar, uma crescida população, grande animação no comércio e, em tudo mais, proporções superiores ao Brejo dos Santos. Este distrito, em sua maioria é composto por proprietários abastados, que melhormente podem concorrer para esplendor de sua Igreja ao passo que, o Brejo dos Santos se acha no presente, inteiramente desabitado, principalmente porque o restante do povo que ali existe, acha-se em extrema pobreza, a ponto de não poder absolutamente concorrer para argumento da respectiva Igreja.
Os abaixo-assinados confiam que, em vista das razões que acabam de expor, dignar-se-ão V.Exas. concederem-lhes a transferência da sede da referida freguesia do Brejo dos Santos para esta povoação, criando-se assim, uma lei que o autorize, e deste modo, fazendo V.Exas. indefectível justiça aos suplicantes.
E. R. M.
Seguem diversas assinaturas.
Ilmo. Revmo. Sr. Vigário da Freguesia do Brejo dos Santos.
Os habitantes do distrito de Porteiras a bem de seu direito, precisam que V. Revma. se digne atestar em fé de Pároco qual o distrito de população mais crescida, e que oferece maiores vantagens e que tem proporções para ser freguesia, se é do Brejo dos Santos, se o de Porteiras, tudo em termos que façam fé.
E. R. M.
Atesto que a população de Porteiras é superior a do Brejo, por achar-se em sua maior parte disseminada pela aba da serra, sendo que a do Brejo vive em quase sua totalidade na povoação.
Atesto mais que o distrito de Porteiras é mais rico que a do Brejo.
Brejo dos Santos, 12 de junho de 1880.
A pretensão em apreço foi indeferida com base no parecer do então Bispo Diocesano, em notável documento transladado nas memórias do primeiro vigário da nova freguesia, o padre Francisco Lopes Abath:
Em no anno de 1880 tentaram os habitantes de Porteiras transferir a sede da freguesia para aquella povoação, porém a Assembleia Legislativa Provincial deixou desfavorável esta petição, em virtude da informação do Exmo. Rvdo. Bispo Diocesano que vai abaixo transcripta.
Residência Episcopal do Ceará, 25 de agosto de 1880. Exmo. Sr. Conselheiro André Augusto Fleris. Em ofício de 19 do corrente, solicita V. Excia. o meu parecer sobre a petição dos habitantes de Porteiras, da Freguesia de Brejo dos Santos, dirigida à Assembleia Legislativa Provincial, em que pedem a transferência da sede da dita Freguesia da povoação de Brejo dos Santos, onde se acha, para a de Porteiras. Alegam eles ser o distrito de Porteiras mais populoso e, em sua maioria, de proprietários abastados, ao passo que os habitantes de Brejo acham-se em extrema pobreza, sem poderem concorrer com o aumento da respectiva Igreja.
Ao que tenho a honra de responder que o meu parecer é que a sede da dita Freguesia continue a ser na povoação de Brejo dos Santos, como foi designada com a criação da Freguesia. Porque, se os habitantes de Porteiras dizem que o seu distrito tem mais população, o mesmo Pároco atesta que assim é, mas que acha-se ela disseminada pelas abas da serra, ao passo que a de Brejo dos Santos está aglomerada junto à Matriz, formando o povoado do mesmo nome.
Quanto ao dizerem que os de Brejo se acham em extrema pobreza, acho ser mais uma razão para se não mudar a sede para Porteiras, cujos habitantes abastados e ricos, como são segundo eles mesmos dizem, estão mais no caso de procurar os socorros espirituais no Brejo dos Santos do que estes que moram em Brejo, que, estando em extrema pobreza, ficarão privados de socorros espirituais, e sem meio de os procurarem, caso seja mudada de sede.
Luis, Bispo do Ceará.
Brejo dos Santos, 10 de julho de 1880.
Está conforme o original
Vigário Padre João Casimiro Viana
Brejo dos Santos, 1° de julho de 1903.
Foi, portanto, em consequência desse conflito bairrista que, em Brejo dos Santos, a rixa política tomou aspecto de movimento de massa.
Continua.
Por Bruno Yacub Sampaio Cabral
O Brejo é Isso!