A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

CORONEL NÉ ROSENDO DAS PORTEIRAS

Manoel Rosendo Tavares,
o conhecido Cel. Né Rosendo.
Foto: acervo de Napoleão Tavares Neves.


    Quem visita a zona rural de Porteiras, no Cariri cearense, ao chegar a terra encantada do Saco, atual Distrito da comuna, se depara com um paredão de 900 metros de altura e um semicírculo de cerca de 20 quilômetros de comprimento, oito bocas d’água e uma imensidão verde, resistente às mais duras secas.
    A região foi batizada pela própria Chapada do Araripe, que a envolve como em um saco - visto de cima, é como se tivessem comido pela Chapada em uma dentada, formando um “U”.
 
Foto de satélite da Chapada do Araripe, destacando a região do distrito do Saco.
Observa-se o formato da letra "U" ou uma ferradura.
Fonte: Google Earth.

Panorama atual da região do distrito do Saco, em Porteiras.





    Através das memórias escritas por Dr. Napoleão Tavares Neves, neto materno do coronel Né Rosendo (Manoel Tavares Rosendo), proprietário do sítio Saquinho, trazemos relatos surpreendentes sobre as passagens de Lampião e seu bando pela região, a tentativa frustrada de assalto ao casarão do Coronel, por Horácio Novais e o esconderijo para fugir do ataque às Guaribas.
    Em 1926, quando Lampião passou em demanda de Juazeiro pela pequenina vila de Porteiras, foi até a fazenda do Cel. Né Rosendo, ciceroneado pelo intendente e seu vizinho de terras, Franklin Tavares Pinheiro (Cel. Franco Pinheiro), querendo oito animais emprestados, para melhor se apresentar perante o padre Cícero. Naquela ocasião, o Rei do Cangaço disse que devolveria os animais, deixando os seus no cercado da fazenda para descansarem. O Cel. Né Rosendo então mandou seu filho, Rosendo Miranda Tavares, de oito anos de idade, ir juntar os animais que foram trocados pelos de Lampião.
    O garoto, com medo dos cangaceiros escolherem os cavalos de estimação da fazenda, escondeu-os debaixo de uma grande moita de unha de gato e trouxe os burros de cambito do engenho de rapadura que, mesmo assim, eram muito mais vistosos do que os animais magros e cansados dos cangaceiros.

Engenho da fazenda do Cel. Né Rosendo.
    Após a famosa passagem de Lampião e seus quase cinquenta homens por Juazeiro, Lampião deixou os animais para serem devolvidos, em São José do Belmonte, conforme relata João Benito, filho do Cel. Né Rosendo e atual morador do casarão, no sítio Saquinho.
    Outro episódio relacionando o Cel. Né Rosendo e o cangaço, foi a tentativa de assalto à sua fazenda por Horácio Novais.
    Sempre que vinha ao Cariri, o que acontecia com frequência nos anos de 1926 a 1928, o bando de Lampião era engrossado por Horácio Novais ou Horácio Grande, por ser muito alto, que vivia escondido na fazenda Agrestim, arredores de Porteiras, por ter crimes na sua terra natal, Floresta, em Pernambuco. Vale salientar que Horácio Novais chegou a ocupar o cargo de delegado na vila de Porteiras. O mesmo ainda incendiou a fazenda Canoa, também em Porteiras, propriedade do Cel. Franco Pinheiro.
    Certa vez, por volta de 1926, Horácio Novais requisitou quatro cabras a Lampião e cercou, certamente para roubar, a casa grande do sítio Saco, do abastado Cel. Né Rosendo, de Porteiras. Homem pacifista e pacificador. Né Rosendo estava em casa somente com seu filho, Francisco Miranda Tavares, de uns quinze anos e sua cozinheira, Antônia Lúcia.
    Era alta madrugada e o coronel Né Rosendo sentiu que a sua aprazível mansão, de calçadas altas, imponente, no meio do bananal, estava cercada. Ele tinha em casa apenas dois rifles velhos que, ao serem manobrados, faziam um tremendo ruído. Né Rosendo usou uma estratégia que deu certo e saiu ileso do episódio. Manobrava um rifle na porta da frente e Antônia Lúcia o outro na porta da cozinha, de tal maneira que, quem tivesse fora da casa, pensaria estar a mesma guarnecida por homens armados.
    Horácio soltou as vacas de leite no curral no pomar, para atrair o proprietário, em vão! Soltou os bois mansos do engenho no canavial, também em vão! Quando o sol começou a clarear, Horácio Novais e seus homens foram embora, sendo vistos na passagem pela vila de Porteiras.
    Fica uma lição: nem sempre quem vence é a coragem, mas a inteligência prática das pessoas. Esta, sim, é quem decide tudo na vida!

Dr. Napoleão Tavares Neves entre o primo Elói de Sá Sampaio e o tio-irmão
Rosendo Miranda Tavares, o garoto que juntou os animais emprestados a Lampião.
Foto: acervo de Napoleão Tavares Neves.

    Na manhã de 1° de fevereiro de 1927, o coronel Né Rosendo, ouviu tiros na direção do nascente do seu sítio Saquinho, bem na raiz da Chapada do Araripe, distante uns quatro quilômetros de Guaribas, terras do Cel. Chico Chicote (Francisco Pereira de Lucena).
    Pensando em tratar-se de choque armado entre Lampião, esperado no Cariri, e as forças volantes, que andavam no seu encalço, Né Rosendo refugiou-se com a família na gruta do sopé da serra do sítio, chamada Casa de Pedra. Ali ficou aguardando os acontecimentos, pois ninguém sabia quem era pior: se Lampião ou se a polícia do Ten. José Gonçalves Bezerra. E os dois juntos, nem se fala!
    Pois bem, o sol subiu e desceu na tarde e o tiroteio prosseguiu! O que seria aquilo? Mandou um positivo descer à casa do sítio para averiguar e lá soube do que acontecia: a tropa do Ten. José Bezerra cercava a casa de Guaribas, do Cel. Chico Chicote, que resistira bravamente 31 horas tiros, até que na tarde do dia dois de fevereiro, sem munição e ferido, foi trucidado pelas forças do governo.

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral

Aspecto atual do Casarão do Cel. Né Rosendo, sítio Saquinho, distrito do Saco, Porteiras-CE.




Os pesquisadores Hérlon Fernandes e Bruno Yacub
ao lado do filho do Cel. Né Rosendo, o senhor João Benito,
atual morador do Casarão.

Fonte bibliográfica:
-Entrevista com o Sr. João Benito Caldas Tavares, filho do Cel. Né Rosendo, em 09 de dezembro de 2020.
- NEVES, Napoleão Tavares; Cariri – Cangaço, Coiteiros e Adjacentes, Crônicas Cangaceiras; Editora Thesaurus; Brasília – DF, 2009.
- O médico que conta histórias - disponível em < https://caririrevista.com.br/o-medico-que-conta-historias/ > Acesso em 15 de dezembro de 2020.
- SANTOS, Cícero Joaquim dos; Passado Alumiado: Representações históricas de Porteiras; IMOPEC; Fortaleza – CE; 2011.

sábado, 5 de dezembro de 2020

CONFLITO ENTRE O BREJO E AS PORTEIRAS EM 1915 - TERCEIRA PARTE


Serra do Araripe, Porteiras - CE.
Foto: Raony Pinheiro.

As notícias do conflito armado entre o Brejo e as Porteiras chegariam até o distante território do Acre, conforme Rodolfo Teófilo escreveu no jornal "O Município", em 10 de outubro de 1915:

Ceará - O incêndio de Porteiras

 

(...) A zona do Cariri pode-se considerar um Estado dentro do Estado. Agora mesmo a vila de Porteiras, situada no extremo sul, teve sorte quase iguala de a Aurora.


O coronel Raimundo Cardoso, chefe político do tempo de Acioly, político militante hoje, Intendente municipal, por razões particulares, viu suas propriedades incendiadas e saqueadas!

 

Chegava para Cardoso à justiça fatal, ou um dia depois do outro, a falada espada de dois gumes. Ele havia colaborado no código sertanejo, em que não há força do direito, porém o direito da força.

 

As questões eram decididas não pelos tribunais, porém, pelo bacamarte.

 

Quem mais fuzis tivesse mais razão teria.

 

Os bandidos não se limitaram a incendiar e a saquear as propriedades do inimigo. Atacados da loucura da destruição, do roubo, espalharam-se pela vila e nem as repartições públicas, estaduais e federais, foram respeitadas.

 

O comércio foi saqueado e as casas de famílias foram roubadas!

 

A agência do correio foi atacada e incendiado o arquivo. As coletorias tiveram igual sorte, queimaram todos os papéis. A Câmara Municipal foi a última repartição que foi atacada. Minutos depois, era o seu arquivo, com todos os livros e documentos, presa em chamas!

 

Nada mais havendo a incendiar, profanaram a Matriz. Entraram e, sem o menor respeito, não achando alfaias de valor para roubar, queimaram o missal!

 

O fato da profanação da Igreja é bastante para avaliar a casta de tal gente (...)"

 

Da tribuna do Congresso Nacional, o Deputado Federal pelo Ceará, Manuel Moreira Rocha, na Sessão de 21 de junho de 1915, apresenta um telegrama recebido pelo ex-deputado da bancada do Ceará, Thomaz Cavalcanti e enviado em 18 de junho, pelo Presidente do Estado, Benjamim Barroso:

 

"Fortaleza, 18 (oficial). Acabo de receber informação oficial de que os atacantes da vila de Porteiras saquearam-na, incendiando todas as propriedades do coronel Raimundo Cardoso. Saquearam também o comércio e casas particulares, roubaram animais, incendiaram todo o arquivo da agência dos Correios, da Coletoria, da Câmara Municipal e o Missal da Igreja.

 

Espancaram pobres moradores indefesos.

 

Esses cangaceiros, em grande número, após os crimes praticados, entrincheiraram-se na fazenda Brejo das Guaribas. Correm boatos de que se preparam esses criminosos para atacar e saquear a cidade de Jardim.

 

O comércio de toda a zona do Cariri está muito alarmado com as ameaças desse bando tão perigoso. Acredito que as providencias por mim indicadas ao Governo Federal de ter para na cidade de Crato, provisoriamente, uma unidade do Exército serão medida de prudência eficaz para evitar, enquanto estão em começo, lutas sangrentas, semelhantes as do Contestado. Devo cientificar-vos que estou informado de que são inspiradores desse movimento inimigos políticos do Governo Estadual.

 

Essa prática de banditismo, saque, incêndio e assassinato que nos governos passados eram tolerados, que geraram o banditismo ali, com prejuízo das garantias constitucionais, constantemente reclamadas, não deve continuar. A polícia está armada apenas com duzentas carabinas Mauser, com pouca munição e quatrocentos rifles. Bandidos dispõem de armas tomadas à polícia na última revolução.

 

De novo, peço providencias ao Governo, lembrando as vantagens da parada de força do Exército no Crato.

 

Benjamim Barroso, Presidente do Estado."

 

Ainda no jornal "O Paiz", agora na edição do dia 23 de junho de 1915:

 

"Política no Ceará

 

Sobre os últimos sucessos ocorridos na vila de Porteiras, o senador Francisco Sá recebeu os seguintes telegramas:

 

"Fortaleza, 20. Desminta informações interferência Juazeiro questão chefes situacionistas de Porteiras e Brejo dos Santos, localidades distantes 15 léguas entre si.

 

Povo de Juazeiro, conforme tenho solicitado, suplica Governo Federal trabalhos, a fim de poder atravessar fase calamitosa seca.

 

Situacionistas criaram dificuldades, procurando sair delas com exploração meu nome, apesar estar aqui há dois meses. Eis verdade - Floro Bartolomeu."

 

"Fortaleza. 21 - Incêndio Porteiras coisa fantástica, briga entre só entre Raimundo Cardoso, Intendente governista, e sobrinhos, motivos privados. Benjamim Barroso e Thomaz Cavalcanti, tudo aproveitando intuito induzirem Presidente República aprovar seus desmandos, figuram conflagração. Benjamim Barroso enviou tropas, munições interior, procurando envolver influências Juazeiro, que, como muitas outras localidades sertão flageladas seca, está quase despovoado. Aliás, mesmas influências são indiferentes essa luta família - João Brígido."

 

O Governador do Estado, Benjamim Liberato Barroso, eleito em 1914, após a Sedição de Juazeiro, tendo como vice o padre Cícero Romão Batista; compreendia que a vida normal dos povoados caririenses repousava na paz armada, que havia ali rivalidades sangrentas entre localidades, que naquela região campeavam a ignorância, o fetichismo religioso e o político e a falta de justiça e que a responsabilidade de um cidadão estava na ordem direta do número de cangaceiros a seu serviço.


Não há dúvidas de que o Cel. Benjamim fora envolvido por informações falsas, uma vez que a deposição, à bala, de Raimundo Cardoso resultara de antiga rivalidade entre os habitantes de Brejo dos Santos e Porteiras, motivada pela criação da Freguesia (Paróquia) no ex-Brejo da Barbosa e agravada progressivamente por conflitos políticos locais e que terminou num autentico movimento de massa contra aquele potentado chefe sertanejo.

 

Após esses acontecimentos, o Governo Estadual organizou uma expedição militar com o fim de dar combate sem trégua ao banditismo, para cujo comando foi escolhido o coronel Ernesto Ramos de Medeiros, seu amigo, filho de Icó, conhecedor da hinterlândia e comandante da 2ª Companhia do Batalhão de Infantaria do Estado, conforme mostra a publicação “Mensagem Dirigida à Assembleia Legislativa do Ceará”, em 1° de julho de 1916, pelo governador coronel Benjamin Liberato Barroso: 

 

EXPEDIÇÃO MILITAR 

 

“Vem de longe em Porteiras uma desavença entre pessoas de famílias entrelaçadas por parentesco, luta que já havia tocado a atos de grandes selvagerias, desde a morte até incêndio de propriedades. Cumpria aos prejudicados buscarem nos meios legais o desafogo para os seus prejuízos. Entretanto, assim não aconteceu por não entenderem os contendores que pertenciam às famílias dos Cardosos e Lucenas, estes últimos vulgarmente conhecidos como Chicotes, residentes ambas em Porteiras e Brejo dos Santos. 

 

Tive informações que se armavam. 

 

De parte a parte me telegrafam, pedindo garantias, dizendo-se ameaçados pelos seus desafetos em vida e propriedade. 

 

Determinei a ida de dois destacamentos de dez praças, sob comando de oficiais, uma para Porteiras, outro para Brejo dos Santos, com ordem expressa de defender os que fossem atacados. Desta sorte julguei poder evitar o choque. Informado posteriormente pelos comandantes dos destacamentos que os Chicotes dispunham de mais de 300 homens armados, muitos dos quais foram fornecimentos por chefes de outros Municípios e ameaçavam os Cardosos, mandei reforçar a defesa destes. Apesar disso, aqueles fizeram o ataque premeditado, sendo repelido o destacamento de proteção. 

 

Este fato, rodeado de circunstancias interessantes, constantes dos telegramas trocados, determinou a interdição militar, comandada pelo tenente-coronel Ernesto Ramos de Medeiros, comandante do 2° Corpo de Polícia. Sua ação prudente, bem orientada e enérgica, foi coroada do maior êxito. Depois de restabelecida ordem legal com a reposição das autoridades e processados os principais autores do movimento, exerceu o tenente-coronel Medeiros, de acordo com instruções recebidas, sua autoridade por todo o Cariri, capturando os criminosos que infestam e que eram, em regra, os executores desses e outros desatinos. Foram recolhidos às prisões, mas de 200 criminosos. Desde então, graças á eficácia de uma ação tão inteligente dirigida, sem preocupação de ordem partidária, mas visando simplesmente o bem publico, o Cariri está inteiramente pacificado. Este modo de proceder estendeu-se por todos os pontos em que era preciso estripar o banditismo.” 

 

Ao saber de tal resolução, que fora procedida de enérgicas ações policiais contra grupos de cangaceiros na zona norte do estado, padre Cícero entrou em pânico. Assim, vendo a barba do vizinho arder, valeu-se do senador Pinheiro Machado, explicando o caso de Porteiras e pedindo que intercedesse “perante poderes competentes a fim de evitar tão terríveis planos perseguições políticas movidas Governo este infeliz Estado”. E como não julgasse bastante este apelo, na mesma data (23 de junho) recorreu ao presidente Venceslau Braz, através de longo telegrama, alegando que Juazeiro permanecia em “absoluta paz”, e protestando “contra afirmação Governo Estado acusando população laboriosa este Município de perturbadora ordem”. Eis o telegrama:

 

"Exmo. Presidente da República. Fui informado Presidente do estado pediu V. Ex.ª. força federal estacionar nesta cidade, alegando perturbações ordem esta zona fomentadas pelo Juazeiro. Este município e vizinhos permanecem absoluta paz. Em Porteiras, vila distante cerca 15 léguas, houve luta armada entre Prefeito Municipal e família Chicote, ambos situacionistas. Desavenças exclusivamente locais originaram conflito, aliás, já terminado pela deposição daquele prefeito, sem que para isso houvesse intervenção nenhum elemento contrário ao Governo do Estado, nem se seguindo outras consequências que viessem afetar municípios vizinhos. Perante V. Ex.ª. protesto contra afirmação Governo do Estado acusando população laboriosa este município de perturbadora da ordem. Apelando para o espírito esclarecido e patriótico de V. Ex.ª., confio não consentirá que se levem a efeito planos perseguições contra habitantes esta zona já associada por tremenda crise climatérica. Afetuosas saudações. Padre Cícero Romão Batista, 1° Vice-Presidente do Estado."

 

Depois desse telegrama, irmão gêmeo daqueles disparos alarmistas que antecederam a “revolução”, padre Cícero telegrafou em 27 de junho ao Presidente do Estado, sem aludir, porém, ao que mais o inquietava, ou seja, a possível presença de tropa federal em Crato, que ele, para maior efeito, assoalhava que seria em Juazeiro:

 

"Exmo. coronel Benjamim Barroso, Presidente do Estado. Fortaleza. Ciente informações dadas V. Ex.ª. ter Juazeiro interferido deposição chefe Raimundo Cardoso por questões ordem particular e ter V. Ex.ª. transmitido Rio tão descabidas informações, cumpre-me protestar contra semelhante ato, ponderando que tenho real compreensão minhas responsabilidades e meus atos não permitem tal conceito. Acho solução caso Porteiras pelo retardamento providências oportunas merece segura reflexão a fim não ficar Cariri material e politicamente em piores condições do que se acha. Permita dizer devido maior conhecimento tenho homens e coisas nosso caro Estado que governo. V. Ex.ª. está sendo vítima arriscada orientação política interior. São ponderações de patrício e amigo que só deseja paz e ordem. Povo de Juazeiro, bem como o do sertão, necessita unicamente auxílio definitivo e urgente para não morrer de fome, e não de lutas. Neste sentido já telegrafei poderes República."

 

Por este telegrama e pela anterior efeméride se vê prologarem-se no Governo de Benjamim os métodos violentos de deposições de chefes políticos e intendentes, tão ao sabor da política matuta, desde o começo do século passado.

 

Na ocasião em que o coronel Medeiros aceitava o convite, no Palácio, estava presente o Sr. Antônio Botelho Filho, que ouvia do Governador as seguintes palavras dirigidas aquele militar: “– Você vai ao Cariri e a outras cidades do sertão. Não poupe bandido. Execute-os sumariamente”. 

 

Os expedicionários, cerca de 500 praças, seguiam de trem até Iguatu e daí iam uns a pé e outros a cavalo. Depois de três meses, acantonando em Brejo dos Santos, numa demonstração quase ingênua de força, realizava o coronel Medeiros a pacificação do Cariri. Percorria toda a zona sul do Ceará. Efetuava a prisão de mais de 200 criminosos. Dispersava inúmeros grupos de desordeiros. Apreendia enorme quantidade de armamento. Manoel Celião, delegado do Brejo, foi levado à cadeia e processado. Todos aqueles que tomaram parte no ataque a Porteiras encontraram na fuga o único meio de salvação do cárcere. Restabelecia o princípio da autoridade.

 

Após a verdadeira batida realizada pela força da polícia cearense, aliadas ao Cel. Raimundo Cardoso e em perseguição a cangaceiros que andavam de brida solta na região, houve uma debandada geral de facínoras que fugiam em todas as direções como cobras com medo de chifre queimado.

 

Alguns foram presos, outros conseguiram evadir-se indo refugiar-se em outros estados. Entre os fugitivos estavam Róseo Morais e Jacaré, irmão do cangaceiro Moreno. De carreira iniciada em Brejo dos Santos, os dois bandidos foram parar em Piranhas, Alagoas, onde ficaram sob custódia do Cel. José Gomes Rodrigues, protetor de cangaceiros e chefe político local.


Róseo Morais e Jacaré, com a mão no queixo.
Disponível em < https://www.historiadealagoas.com.br/eu-nao-matei-delmiro-gouveia.html?fbclid=IwAR3lQjl3xo6_SZTBeG1b7e5ubHFiD37nFFp8UtqoHR4jFCatT48GkAj7mUw >
Acesso em: 04 de dezmbro de 2020.


Chefes políticos viam-se obrigados a indicar o esconderijo de bandidos. Assim é que José Inácio, do Barro, ensinava aos expedicionários como poderiam ser presos Ferrugem e Chá Preto, perigosos cangaceiros, que caiam mortos sob as balas punitivas.


Não havia contemplação. A inflexibilidade do Presidente do Estado tornava-se proverbial. Conversava pouco com os oficiais que, destacados, seguiam com destino ao sertão.

 

O tenente Peregrino Montenegro, nomeado delegado especial em Campos Sales, apresentava-se a Benjamim, que lhe recomendava: “Soube que é homem disposto. Liquide todo criminoso nato”. O tenente Peregrino cumpria as ordens à risca. Eliminava os cangaceiros Bimbão, Caxeado, Mané Chiquim e Pedro Paulo.

 

Durante o Governo Benjamim Barroso, nenhum chefe político sertanejo se vangloriava de contar com seu apoio para perseguir o adversário ou fazer periclitar a segurança individual. Até o todo poderoso padre Cícero, então 1° Vice-Presidente do Estado, não contava com os favores e as honras do enérgico Governador.

 

Em 1916, ano em que passava o governo ao Dr. João Tomé de Sabóia e Silva, em mensagem, afirmava Benjamim Barroso que a praga do banditismo havia sido eliminada do Estado e que este estava completamente pacificado.

 

Inegavelmente, o banditismo foi varrido dos sertões. Entretanto, não desapareceu de todo. Aliás, esse método de combater o cangaceirismo era coisa velha; vinha dos tempos de Martiniano de Alencar e Silveira da Mota. É que, tratando-se duma consequência, persistiam as causas.

 

O cabo Galdino, da força expedicionária, violeiro e poeta repentista, cantou nos seguintes versos pessimistas os principais núcleos populacionais daquela zona: 

 

“Brejo é uma ticaca, 

Milagres, curral de fome; 

Porteiras, pau de desgraças, 

No Macapá não tem homem, 

No Jardim só corre lobisomem.” 

 

Sem o disparo dum tiro, o coronel Raimundo Cardoso dos Santos foi reposto no cargo de Intendente de Porteiras. 

 

O Cariri foi pacificado. 

 

O tenente coronel Raimundo Cardoso dos Santos, “O Poderoso Pajé da vila de Porteiras”, assim noticiado pelo jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, faleceu as 19h00min, do dia 11 de outubro de 1917, no Sítio Crioulos, em Barbalha. Era uma quinta-feira.

 

Em Brejo dos Santos, Joaquim Gomes da Silva Basílio, filho do chefe político e ex-Intendente, coronel Basílio Gomes e por ele indicado para assumir o cargo entre 1914 e 1916. Quinzô Basílio, como era conhecido, empenhou-se pessoalmente na contemporização dos ânimos acirrados entre as populações de Brejo dos Santos e Porteiras.

 

Ainda em meados de 1934, Franklin Tavares Pinheiro, conhecido como Cel. Franco Pinheiro, assumiria a Interventoria da vila de Brejo dos Santos, visando ao apaziguamento das famílias porteirenses e brejo-santenses. Ele também já havia sido Intendente de Porteiras em tempos anteriores.


Por Bruno Yacub Sampaio Cabral


O Brejo é Isso!


Esse texto é dedicado ao querido povo de Porteiras, Ceará.

 

Agradecimentos

 

Paróquia Sagrado Coração de Jesus, Brejo Santo – CE; Associação Retratores da Memória de Porteiras (REMOP); ao meu pai, Raimundo Tarcísio Cabral; Hérlon Fernandes Gomes, Ronaldo Lucena Miranda, Djalma Inácio de Lucena, Fernando da Maia Nóbrega, Antônio Marrocos Anselmo Júnior, José Francisco Gomes de Lima, José Roberto Júnior e a página Cariri das Antigas, Raony Pinheiro, padre Francisco Roserlândio de Souza, Cícero Joaquim dos Santos, Maria do Socorro Cardoso Xavier, Edilberto de Freitas Correia Saraiva, Heitor Nicodemos de Lucena, Valmir Alves de Lucena, Chico de Sinésio e o Bar Caldeira do Inferno, Luís Bento de Sousa, Sousa Neto; Ivanildo Silveira, Ângelo Osmiro Barreto e o Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará (GECC); Manoel Severo e o Seminário Cariri Cangaço; Geraldo Antônio de Souza Júnior e o canal do youtube, Cangaçologia.


Fonte bibliográfica

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- UCHOA, Waldery; Anuário do Ceará 1953-1954; Editora Fortaleza; 1954;
- XAVIER, Maria do Socorro Cardoso; Cardoso: Troncos e galhos de um clã caririense; Sal da Terra Editora, João Pessoa – PB; 2009;
- WALKER, Daniel; Padre Cícero, Lampião e Coronéis: Análise da vida política de Padre Cícero através de dois eventos: Outorga da patente de Capitão a Lampião e o Pacto dos Coronéis; Expressão Gráfica e Editora; Fortaleza – CE; 2017.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

CONFLITO ENTRE O BREJO E AS PORTEIRAS EM 1915 - SEGUNDA PARTE

    Em Porteiras, o cangaço era praticado pela aristocracia. Comerciantes e agricultores defrontavam-se em lutas sangrentas. O heroísmo e a que Quintiliano Saldanha chamou de heroísmo criminal, de que foram portadores Chico Chicote, Sinhô Salviano, Jacu Cardoso, João Basílio, daria livros do tipo dos que escreveram Edgard Wallace, Johny Cooper, Armitage Trail, Ponson de Terracil. Chico, Sinhô, Jacu e João, eram brancos, ricos e pertenciam à nobreza da região. (JÚNIOR, 2001, p. 167).


    Resultado da adoção da Política das Salvações implantada pelo então Presidente do País, o marechal Hermes da Fonseca, a fim de combater as lideranças políticas, depôs Antônio Pinto Nogueira Accioly do cargo de Governador do Estado do Ceará e nomeou Marcos Franco Rabelo para o comando do Estado. 

    Na vila de Porteiras, o coronel Raimundo Cardoso dos Santos, chefe político do lugar, viu a deposição do seu sobrinho aciolino, o juiz Antônio Cardoso dos Santos da Intendência da vila. Em seu lugar, Franco Rabelo nomeou Intendente, Mousinho Cardoso (Pedro Aristides Cardoso dos Santos), irmão de Antônio Cardoso e sobrinho de Raimundo Cardoso dos Santos, e este, influenciado pelo chefe dos rabelistas, resolveu perseguir fortemente o tio para afastá-lo da vila, organizando um processo crime, pela morte de um cabra de Chico Chicote (Francisco Pereira de Lucena), acontecido no meio da feira. 

Almanaque Laemmert, edição de 1913.


Almanaque Laemmert, edição de 1914.

    É típico, nesse tocante, um depoimento do coronel Raimundo Cardoso dos Santos, em conversa com o Dr. Alípio Baltar, Juiz de Direito de Jardim, e com o Dr. Paulo Pedro de Moura Montenegro, Promotor de Justiça da mesma Comarca, dizia. “- Quando cheguei a Porteiras, havia mais de cem mulheres da vida. Cabras faziam desordens. Resolvi estabelecer a ordem. Passei a fazer o policiamento com os meus cabras. Algum tempo depois, um dos meus homens de confiança comunicou-me que os cabras do coronel fulano provocavam brigas em todas as feiras. Disse-lhe que mantivesse a ordem. Numa das feiras seguintes, estava em casa, quando me avisaram que havia barulho. Não saí, pois, se o fizesse, os meus cabras só agiriam com ordem minha. Preferi que agissem livremente. Na verdade, um cabra do coronel fulano estava alterando a ordem. Um dos meus cabras atirou e o cabra do coronel fulano caiu morto. Agora, meu cabra vai ser julgado. Uma coisa, porém, eu lhes digo, Dr. Juiz e Dr. Promotor, todo cabra que chegar aqui com desordem fica estirado no chão com uma bala.”

    Apesar de não ser responsável pelo crime e obrigado a refugiar-se nas caatingas; para livrar da prisão, refugiou-se em Juazeiro, somente voltando a Porteiras, quando conseguiu retomar a Intendência da vila. Raimundo Cardoso tomou parte na Sedição de Juazeiro, chefiada por padre Cícero e Floro Bartolomeu, bafejados por Pinheiro Machado, caudilho da política federal de Hermes da Fonseca. Vitoriosa a sedição, ao qual depôs o Presidente do Estado Franco Rabelo, Raimundo Cardoso retomou a direção dos destinos de Porteiras, em abril de 1914. 

Gazeta Oficial; 1918; p. 3.

    Relativamente à Sedição de Juazeiro, Brejo dos Santos teve a ventura de não ser molestada pela horda de salteadores e assassinos que dali promanaram, não obstante a desmoralização sofrida por um dos capitães de fanáticos nas ruas do Brejo, pouco antes da eclosão daquela desordem coletiva.

    De passagem por Brejo dos Santos, Manuel Calixto entrou numa mercearia. Enquanto bebia cachaça, dirigia insultos aos adversários de Floro e exibia uma quantia de 200$000 para quem declarasse ser rabelista. Tendo conhecimento daquela provocação, João Gomes da Silva Basílio dirigiu-se ao jagunço e declarou-lhe: “Pronto, um cabra que vai dizer de graça.” E gritando: “Sou rabelista! Viva Franco Rabelo!”. Foi o bastante, Manuel Calixto meteu o rabo entre as pernas e escafedeu-se para seu habitat. (1). 

    Enquanto isso, como vingança, o filho de Raimundo Cardoso, Joaquim Cardoso, vulgo Jacu, depredou um prédio de Mousinho, em Porteiras e as propriedades do irmão deste, o bacharel Antônio Cardos dos Santos, em Brejo dos Santos. 

Cel. Mousinho Cardoso.
Foto: Maria do Socorro Cardoso Xavier.

    Pedro Aristides Cardoso dos Santos ou Pedro Aristides Cardoso, mais conhecido por Cel. Mousinho Cardoso, era filho de Aristides Cardoso dos Santos (irmão de Raimundo Cardoso dos Santos) e Lojolina Maria de Castro Filgueiras. Teve os seguintes irmãos: Antônio Cardoso dos Santos, José Cardoso dos Santos ou José Cardoso Sobrinho, João Aristides Cardoso, Próspero Cardoso e Raimundo Cardoso. Casou em Porteiras, no civil, com 18 anos, a 24 de outubro de 1897 (possivelmente nasceu em 1879), com Veneranda Xavier de Souza (Dona Déa Xavier Cardoso), de 17 anos, filha de Aristides Xavier de Souza e de Ana Benigna de Barros. 

    Veneranda faleceu em 22 de agosto de 1933, de enfraquecimentos, com 49 anos, em Barbalha. O Cel. Mousinho Cardoso faleceu em 09 de fevereiro de 1935 (possivelmente aos 55 anos), devido a um surto cardíaco, quando se encontrava na sede central da Caixa Econômica Federal, no Rio de Janeiro. Foi sepultado em 10 de fevereiro, no cemitério São João Batista, no bairro do Botafogo. Foram pais de: Ana Xavier Cardoso, Doney Cardoso, Maria Xavier Cardoso, Laerte Xavier Cardoso (faleceu criança), Maria Lira Xavier Cardoso (inupta), Maria Lili Xavier Cardoso (casada, sem filhos), Luiz Xavier Cardoso, Maria Adalva Xavier Cardoso, Adalgisa Xavier Cardoso, Maria Dolores Xavier Cardoso.


Jornal A Cruz (RJ), edição de 27.08.1933.

Jornal A Cruz (RJ), edição de 19.08.1934.

Jornal A Cruz (RJ), edição de 17.02.1935.

    Vale salientar que Mousinho Cardoso foi Tenente Coronel dos Batalhões Patrióticos de Juazeiro, atuando junto a Pedro Silvino e Floro Bartolomeu. Antes de se apresentar em Juazeiro em março de 1926, Lampião foi recebido no Hotel Centenário, em Barbalha, pelos coronéis Luiz Filgueiras, Antônio Francisco e o próprio Mousinho Cardoso, cuja filha, Maria Cardoso, ofereceu um ramalhete de flores ao Rei do Cangaço. 

    Segue transcrições da participação do coronel Mousinho Cardoso na campanha dos Batalhões Patrióticos de Juazeiro contra os revoltosos da Coluna Miguel Costa-Prestes, através da narrativa cronológica feita por Fátima Menezes e Generosa Alencar, para a obra Homens e fatos na história do Juazeiro (estudo cronológico — 1827-1934). Recife: EDUFPE, 1989.


Lê-se: 14 de março de 1926.

Lê-se 19 de abril de 1926.

    Como mencionado por Floro Bartolomeu, em depoimento ao jornal O Paiz, Mousinho, impossibilitado de viver em Porteiras, cheio de ódio contra Jacu, acompanhado de cangaceiros da Paraíba, invadiu também Brejo dos Santos, estragando suas propriedades e dos Martins. Em represália, Jacu incendiou as propriedades do irmão e da progenitora de Mousinho, travando-se ultimamente uma questão particular entre Jacu e Chico Chicote em virtude de arbitrariedades praticadas contra pessoa ligada aquele fazendeiro e homem de armas. O Cel. Chico Chicote serviu a Guarda Nacional, como Tenente-Quartel-Mestre, no 105° Batalhão de Infantaria da Comarca de Jardim, ingressado em 1898, com apenas 19 anos e tendo como seu Comandante do Batalhão, o seu irmão, o tenente-coronel-comandante Manoel Inácio de Lucena.

    Assim noticiou o jornal carioca "O Imparcial", em 16 de fevereiro de 1915: 

    "Os cangaceiros estão ou não depredando? 

    FORTALEZA, 15 (A.A.) - "O Unitário" publica o seguinte telegrama transmitido de Juazeiro: 

    "Proprietários do município de Brejo dos Santos, chegados com a roupa do corpo, relatam que Pedro Cardoso é sobrinho e inimigo do coronel Raimundo Cardoso, á frente de 20 cangaceiros da Paraíba, invadiu a vila, incendiando propriedades, matando e retirando gados, em número superior a 400. 

    Pedro Cardoso seguiu para vila de Porteiras, a fim de depor o chefe situacionista Raimundo Cardoso. 

    As vítimas queixaram-se ao chefe de Brejo dos Santos que se recusou a providenciar, declarando-se neutro na questão. 

    Até então não foram tomadas ainda providências pelo Governo do Estado. As vítimas pediram auxílio ao Dr. Floro. 

    Este respondeu que o governo tinha obrigação de providenciar, e que se não providencia, é porque que fazer como fez ao município de Senador Pompeu, onde mandou depor o chefe local." 

O mesmo jornal publica o seguinte: É conhecido no Cariri o telegrama que o coronel Benjamim dirigiu aos chefes locais nestes tempos: Não se comprometa na questão de Juazeiro. 

    Fiz junção com o general Dantas Barreto, Castro Pinto e Miguel Rosa para desmanchar a corte de Juazeiro. 

    As forças acamparão em Cajazeiras, Crato e Iguatu." 

    O Jornal sobralense "A Lucta" transcreve o seguinte telegrama recebido pelo padre Leopoldo Fernandes Pinheiro, ex-vigário da freguesia de Brejo dos Santos, em 04 de março de 1915: 

    "O Revdo. padre Leopoldo Fernandes Pinheiro, vigário da Meruoca, recebeu a semana passada o seguinte telegrama: Milagres, 22 - Brejo dos Santos ameaçado conflagração coronel Raimundo Cardoso atacado Mousinho repeliu agressão, travando combate fazenda Cacimbas havendo diversas mortes. Segundo combate Sítio Poço que ficou totalmente incendiado. Mousinho recuou. Esperam-se novos ataques. 

    NOTA - Raimundo Cardoso, é chefe atual da vila de Porteiras e foi um dos chefes revolucionários do Juazeiro. Mousinho, ex-chefe rabelista de Porteiras, atualmente foragido nos sertões de Pernambuco é irmão do Dr. Cardoso Santos, proprietário do Sítio Poço." 

    Em 16 de junho de 1915, o jornal sobralense “A Lucta” novamente transcreve o seguinte telegrama: 

    “MILAGRES – 11. Família Chicote rompida com Cardoso. Chicotes atacados segunda vez força do governo e cangaceiros. Cardoso resistiram firmemente tiroteio 6 horas. Brejo dos Santos ameaçado Porteiras. Questão gravíssima. Pânico zona. 

    NOTA – Chicotes e Cardosos são duas famílias poderosas dos Municípios: Chicotes de Brejo dos Santos e Cardosos de Porteiras. Os combates deram-se sobre um sítio sobre o Araripe, propriedade de um membro da família Chicote, no município de Porteiras. Os Cardoso contam com apoio do governo, não obstante, os Chicote pertencem também ao partido barrotista.” 

    O caso de Porteiras reproduzia o ataque, invasão e saque à Aurora, mais conhecido como a “Questão de Oito”. A despeito de não dirigir-se contra os poderes públicos, as suas consequências influíram no “espirito turbulento de muitos chefes locais naturalmente inclinados á expansão de sentimento de revolta.” 

    O cangaceiro Raimundo Maximiano de Morais, vulgo Mundinho ou Raimundo Morais é irmão do cangaceiro Róseo Morais, ambos nascidos em Brejo dos Santos e participantes do ataque a Porteiras, como cabras de Chico Chicote. Raimundo Morais, ao ser preso em 1928, foi entrevistado pelo repórter do jornal "O Ceará" e a ele fez a seguinte afirmação: 

    “Pouco depois dessa façanha (referindo-se ao ataque dos colegiados a Porteiras, no início de junho de 1915), quando se encontrava no sitio Guaribas, de propriedade de Chico Chicote, tomou, por duas vezes, parte na defesa daquela propriedade, atacada por forças do governo.” 

Róseo Morais do Nascimento, vulgo Róseo Morais,
fotografado por Paulo Cavalcante,
durante entrevista cedida a Antônio Sapucaia,
para a revista O Cruzeiro de 23 de maio de 1968,
 com o título: Eu não matei Delmiro Gouveia.

    Em 21 de junho de 1915, o jornal carioca "O Paiz" publica uma entrevista com Floro Bartolomeu da Costa sobre o assunto: 

    "FORTALEZA, 20. O Dia publicou a seguinte entrevista com o Dr. Floro Bartolomeu: Disse que é real o ataque a Porteiras, pelos cangaceiros ás ordens de Chicotes, chefe situacionista em Brejo dos Santos, e Domingos Furtado, ex-chefe aciolysta e rabelista e hoje situacionista em Milagres. É verídica a notícia de que José Inácio tomasse parte de movimento, sendo Antônio Pinto, Deputado Estadual, e gente do chefe de Porteiras, agora deposto. É disso sabedor, em virtude de ter ouvido José Inácio dizer que, apesar do convite de Domingos Furtado, não entrara na questão, senão como intermediário para uma acomodação. Não duvida que os cabras de Missão Velha e Barbalha, por condescendência com os respectivos chefes, desafetos de Antônio Pinto, principalmente o último coronel João Macedo, nomeado Intendente com o fim de afrontar Antônio Pinto, quando ficou ao nosso lado, no rompimento da Assembleia Legislativa, no ano passado, se incorporassem ao grupo atacante, devendo-se tudo isso ao descaso do Governo do Estado, negando as providencias que o caso exigia, em tempo oportuno, que a questão e ataque foram motivados pelo seguinte: Assumido o governo, o coronel Rabelo, nomeou Intendente o chefe de Porteiras, Mousinho, sobrinho de Raimundo Cardoso, e este, influenciado pelo chefe dos rabelistas, resolveu perseguir fortemente o tio para afastá-lo do município, organizando um processo crime, pela morte de um individuo, pelo qual foi pronunciado, apesar de não ser responsável pelo crime e obrigado a refugiar-se nas caatingas; para livrar da prisão, foi a Juazeiro, permanecendo até o fim, porque, voltando a Porteiras, como Intendente e chefe, consentiu imprudentemente, por falta de ascendência paterna, que seu filho Joaquim Cardoso, vulgo Jacu, estragasse um prédio de Mousinho e as propriedades do irmão deste, bacharel Antônio Cardoso; tudo isto acontecendo quando ele, Floro, permanecia na Capital. Se tivesse presente, não consentiria, como não consentiu, que se fizesse a seus adversários Manoel Dantas, Francisco Botelho, Francisco Brito e Domingos Furtado, chefes de Missão Velha, São Pedro, Crato e Milagres. 

    Mousinho, impossibilitado de viver em Porteiras, cheio de ódio contra Jacu, acompanhado de cangaceiros da Paraíba do Norte, invadiu o marco último de Brejo dos Santos, estragando as propriedades deste e dos Martins. Em represália, Jacu incendiou as propriedades do irmão e da progenitora de Mousinho, travando-se ultimamente uma questão particular entre Jacu e Francisco Chicote, chegaram as coisas ao estado atual (...)". 

    "FORTALEZA, 20. Causou sensação o telegrama enviado desta Capital ao Dr. Floro Bartolomeu, comunicando que o Governo do Estado havia solicitado do Governo Federal a remessa de uma unidade do Exército para estacionar em Juazeiro, alegando que essa localidade é responsável pelo caso de Porteiras, distante daquela 15 léguas, e que estão entre os chefes situacionistas adversários do Dr. Floro Bartolomeu. 

    Este, em palestra, disse compreender os velhos planos do governo, mas "não pegará em rabo de macaco", e aqui permanecerá, acrescentando que o povo de Juazeiro, por intermédio de Dr. Sá (...)". 

    Antevendo as consequências daquela rixa, o coronel Basílio Gomes da Silva, então chefe político de Brejo dos Santos, dirigiu o seguinte telegrama ao padre Cícero: 

    “MILAGRES – N° 9, 07.05.1915. Exmo. Revmo. Pe. Cícero. Confiando vosso incontestável valor este posto por Vossa Revma. Minha humilde disposição, tomo liberdade pedir vossa valiosíssima intervenção para pacificar questão Chicotes Cardoso marcham em inconciliável conflito. Peço intervenção urgente. Saudações. Basílio Gomes.” 

    Após os ataques de Jacu Cardoso às propriedades no Poço e nas Cacimbas, em Brejo dos Santos, Mousinho Cardoso, José Inácio de Souza, o truculento cacique do Barro, então povoado da vila de Milagres e Chico Chicote mandaram assaltar, a mão armada, a propriedade do seu pai, o Cel. Raimundo Cardoso, em Porteiras. Praticado o assalto, os mancomunados, expediram eles mesmos telegramas à imprensa de Fortaleza, do Rio de Janeiro e ao Presidente da República, clamando por providencias e alegando não confiarem no Governo do Estado. 

    A participação do major Zé Inácio no conflito se dá por parceria firmada entre o Cel. Chico Chicote, desde o ataque à vila de Aurora em 1908, quando o chefe situacionista do lugar, o Cel. Antônio Leite Teixeira Neto, foi deposto sob armas de 600 jagunços. Devido a essa ação, ficou na tradição oral em Brejo dos Santos, que “Chico Chicote trouxe a Aurora em lombo de burros”, isto é, o Coronel das Guaribas trouxe para Brejo dos Santos, parte dos espólios e saques conquistados no combate. E logo mais esse episódio iria se repetir em Porteiras.

    Em 1909, Chico Chicote ainda participaria no levante organizado por chefes políticos de Milagres, Missão Velha, Barbalha e outras vilas próximas, reunindo cerca de 1.000 homens em armas para atacar o Cel. Antônio Luiz Alves Pequeno, do Crato, que levanta um exército equivalente em sua defesa. Da intervenção de amigos comuns resulta, a muito custo, a apaziguamento dos ânimos, sendo evitado o combate. 

    Pois bem, tomadas essas medidas preliminares, finalmente, no dia 13 de junho de 1915, os colegiados à frente de cerca de 300 cangaceiros atacavam a vila de Porteiras, defendida pelo tenente Artur Inácio, com uma força estadual composta de 40 praças e 02 oficiais. Após 11 horas de fogo, seu último reduto foi o cemitério de onde se retraiu com o chefe deposto. Esgotadas as munições, a força estadual abandonava a vila, que ficava entregue à sanha dos vencedores.

    Continua.

    Por Bruno Yacub Sampaio Cabral

O Brejo é Isso!

Notas

1) - Sobre o episódio, segue o texto de Otacílio Anselmo e Silva, publicado no livro Padre Cícero - Mito e Realidade; Editora Civilização Brasileira; 1968; págs. 471 e 472:

Vitoriosa a "revolução'', o Pe. Cicero chamou ao Juazeiro o Cel. Basílio Gomes, an­tigo chefe aciolino de Brejo Santo. Cidadão pacífico e abso­lutamente alheio ao movimento recém-findo, Basílio não he­sitou em atender a solicitação do seu velho amigo, fazendo-se acompanhar do Pe. Raimundo Monteiro Dias, Vigário local, do velho Silião e Tobias Gomes de Sá. Para surpresa de Ba­sílio e seus companheiros, nada de importante lhe fora dito ou perguntado durante meia hora de palestra com o seu anfitrião. Passado esse tempo, o Pe. Cicero sugeriu uma visita dos caravaneiros ao Dr. Floro, o que foi feito. 

Só então Basílio Gomes percebeu o verdadeiro sentido do convite que lhe fizera o sacerdote. Isto porque, em dado momento, Floro exclamou: "Basílio, você tem dois genros ra­belistas e é consogro de outro partidário de Franco Rabelo. Se eles erguerem a cabeça, mandarei esbandalhá-los!" (Floro referia-se a Pedro Pereira de Lucena, vulgo Pedro Chicote, João Inácio de Lucena, este recém-destituído do cargo de Prefeito de Brejo Santo, e ao Cel. José Florentino de Araújo Lima, mais conhecido por José Amaro). 

Conforme já ficou demonstrado, a vida do Pe. Cícero é pródiga de casos que equivalem a este em sutileza e disfarce. Dessa feita, porém, o velho sacerdote transbordou as medidas, ao faltar com a devida lealdade a um dos seus melhores amigos, utilizando-o, além disso, como tabela para pressionar adversários. Por outro lado, o episódio teve o mérito de revelar o papel histórico de Floro Bartolomeu no cenário político do Juazeiro, qual seja o de alter ego do Pe. Cicero, como tão bem definiu mais tarde o Pe. Manuel Correia de Macêdo. Enfim, acentue-se a inocuidade de que se revestira a intimidação, em face da inexistência de hostilidade de Brejo Santo ao Juazeiro, a não ser uma exemplar reprimenda de João Basílio em Manuel Calixto, em plena rua daquela cidade, e a atitude máscula do Cel. José Amaro, recusando-se a contribuir com dinheiro para o movimento sedicioso.

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A Fonte bibliográfica será apresentada na terceira parte do artigo.