A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

A SENZALA DE BREJO SANTO E A ESCRAVIZAÇÃO NO CARIRI CEARENSE

 

Aspecto atual do local onde abrigou uma senzala
em Brejo Santo no século XIX, na região da cidade
 conhecida popularmente como Rua da Taboqueira.

   


    A escravidão no Cariri cearense, uma região marcada por suas peculiaridades econômicas e geográficas, desempenhou um papel significativo na história do Ceará. Durante os séculos XVIII e XIX, a escravização, embora muitas vezes associada à agricultura, especialmente no cultivo de cana-de-açúcar e café em outras partes do estado, também teve uma forte presença nas atividades pecuárias da região. Em Brejo Santo, por exemplo, a escravização esteve diretamente ligada ao ciclo curraleiro, que envolvia a criação de gado, uma atividade predominante na localidade. As terras de Brejo Santo, que entre 1814 e 1889 pertenciam ao município de Jardim, exemplificam como o trabalho escravo não se limitava às grandes plantações, mas também se estendia às pequenas propriedades rurais, onde os escravizados eram essenciais para a manutenção da economia local.

    O caso de Francisco José Gomes de Sá, um dos primeiros proprietários de terras na região, é emblemático para entender a dinâmica da escravidão no Cariri. Francisco José, vindo de Cabrobó, em Pernambuco, estabeleceu-se em Brejo Santo na segunda metade do século XIX, onde construiu três casas de pedra e cal: uma para sua residência, uma para visitas e uma senzala, onde ficaram alojados os escravizados, como Maria Nicácio e Paranhos. A construção dessa senzala, que ficava localizada na atual Avenida Coronel Basílio Gomes, popularmente conhecida como Rua da Taboqueira, é um marco importante na história da cidade, pois simboliza a presença do sistema escravista no coração do Cariri. O nome da rua, "Taboqueira", remonta à vegetação de tabocas que circundava o riacho local, uma área que desempenhou um papel central no desenvolvimento da cidade. Essas informações foram registradas por José Gomes Medeiros, mais conhecido como Zuca de Tobias, em seu livro A Origem de Brejo Santo (2000, p. 11 e 12), no qual ele, bisneto de Francisco José Gomes de Sá, narra a história de sua família e a construção das primeiras casas em Brejo Santo.

    O famoso Casarão do Coronel Basílio, hoje, embora tenha sua fachada descaracterizada e sua estrutura dividida em duas residências, ainda conserva aspectos que refletem a arquitetura original, como o recuo das construções em relação ao atual arruamento da cidade. Este recuo é um elemento que remete à organização inicial da área, que foi projetada antes do arruamento moderno e, portanto, reflete a disposição da cidade naquele contexto histórico. Segundo José Gomes Medeiros, a Rua da Taboqueira não recebeu seu nome por conta de quem a construiu, mas sim de quem a comprou — no caso, o Coronel Basílio Gomes da Silva, que adquiriu as casas de Francisco José Gomes de Sá após este enfrentar dificuldades econômicas. Como Medeiros descreve, Francisco José trouxe muito gado bovino e equino da região do Rio São Francisco, mas, ao longo do tempo, os animais fugiam, e ele mandava seus escravizados atrás, os quais nunca mais retornavam, fugindo para o Quilombo em Alagoas. Enfraquecido economicamente, Francisco José acabou vendendo suas propriedades na Taboqueira para o Coronel Basílio, libertou o restante dos escravizados e retornou às margens do Velho Chico.

    Esse episódio evidencia não apenas a transição do poder econômico na região, mas também revela como as narrativas históricas frequentemente são construídas a partir da perspectiva da elite, que muitas vezes reinterpreta os fatos de acordo com seus interesses e conveniências. O foco das histórias sobre a formação de cidades, como a de Brejo Santo, tende a ser centrado nos feitos dos grandes proprietários e nas mudanças que envolveram figuras como o Coronel Basílio Gomes da Silva, em vez de se dar a devida atenção aos aspectos mais profundos da história, como as condições de vida e as lutas dos escravizados. No caso específico da Rua da Taboqueira, a ênfase recai sobre os homens que compraram as propriedades, como Basílio, e não sobre as pessoas que, sob extrema opressão, deram forma à história local. Isso aponta para uma tendência mais ampla de invisibilidade das narrativas das classes subalternas na construção da memória histórica.

    Maria Nicácio, uma das escravizadas na propriedade de Francisco José Gomes de Sá, teve um papel particular após a abolição. Libertada junto com outros cativos, ela continuou a servir à elite local, mas de uma maneira que exemplifica como os ex-escravizados muitas vezes se viam inseridos em uma estrutura social que, embora os tivesse libertado, ainda os subordinava de diversas formas. Maria Nicácio se tornou parteira e, assim, passou a trazer para o mundo filhos de famílias que, no passado, haviam sido seus senhores. Ela cortou o cordão umbilical de várias figuras importantes da cidade, como Zuca de Tobias, Mário Leite, Chico Inácio, Zé Amaro, Maria Macêdo, Auristela Arrais, entre outros, conforme relatado por Lenira Macêdo em Recortes de Vidas (2006, p. 122). Essa realidade revela um aspecto crucial da continuidade das relações de poder e dependência entre a elite e os ex-escravizados, mesmo após a abolição. Embora Maria Nicácio tenha sido libertada, seu serviço à elite local demonstra como as antigas estruturas sociais não desapareceram completamente, e como, mesmo em liberdade, os ex-escravizados continuaram a desempenhar papéis subordinados dentro da sociedade.

    Portanto, ao refletirmos sobre a história da escravidão no Cariri, especialmente em Brejo Santo, é crucial questionarmos as versões predominantes e buscar reconhecer os registros e testemunhos que abordam a resistência, o sofrimento e a busca pela liberdade dos escravizados. O estudo dessas histórias, que muitas vezes são marginalizadas ou distorcidas, é fundamental para a construção de uma memória mais justa e representativa da sociedade cearense. A preservação do registro histórico da senzala de Francisco José Gomes de Sá, assim como a valorização dos relatos sobre os fugidos para o Quilombo e a análise crítica das narrativas históricas dominantes, são essenciais para entender a complexidade das relações sociais e econômicas que moldaram o Cariri.

    A escravidão no Cariri, e em Brejo Santo em particular, foi um processo multifacetado que não se limitou à agricultura, mas que envolveu diversas atividades econômicas, como o ciclo curraleiro e as pequenas propriedades urbanas. A presença de senzalas como a de Francisco José Gomes de Sá revela a complexidade do sistema escravocrata na região, onde a criação de gado e o trabalho nas pequenas propriedades dependiam diretamente da força de trabalho escravizado. Mesmo em um contexto de grandeza econômica menor em relação a outras áreas do Ceará, como o litoral, a escravidão se consolidou como um sistema fundamental para a economia local.

    O registro da existência da senzala de Francisco José Gomes de Sá e a história da escravização em Brejo Santo oferecem um importante olhar sobre o sistema escravocrata no Cariri cearense. Esse episódio, embora específico de uma propriedade particular, ilustra um processo mais amplo de resistência, luta e transformação social que ocorreu na região. A preservação dessas memórias históricas é essencial para entender as origens da cidade e os legados da escravidão no Ceará, garantindo que as futuras gerações reconheçam a complexidade e as contradições de sua formação social e econômica.


Por Bruno Yacub Sampaio Cabral


O Brejo é Isso!


Referências bibliográficas:

MACÊDO, Lenira. Recortes de Vidas. Brejo Santo: edição da autora: 2006, p. 122.

MEDEIROS, José Gomes. A origem de Brejo Santo. Brejo Santo: edição do autor, 2000, p. 11 e 12.


terça-feira, 5 de novembro de 2024

INSTALAÇÃO DA VILA DE BREJO DOS SANTOS EM 5 DE NOVEMBRO DE 1890: TRANSFORMAÇÕES ADMINISTRATIVAS E O PAPEL DOS CONSELHOS DE INTENDÊNCIA NA PRIMEIRA REPÚBLICA

 



No início da República no Brasil, após a Proclamação em 1889, o cenário político sofreu profundas transformações, especialmente no que diz respeito à administração pública local. A estrutura de poder, antes centrada nas Câmaras Municipais, foi significativamente alterada pela criação dos Conselhos de Intendência Municipal. Esses conselhos, nomeados pelo poder executivo estadual ou federal, substituíram parcialmente as Câmaras, que haviam desempenhado um papel essencial durante o Império. Segundo Vavy Pacheco Dias (1994), as Câmaras eram o "coração da administração local" no período imperial, sendo eleitas diretamente pela população e encarregadas de legislar e administrar as cidades. A nova Constituição Republicana de 1891, entretanto, transferiu muitas de suas funções para os Conselhos de Intendência, promovendo uma reestruturação significativa da política municipal.

Os Conselhos de Intendência foram criados com o objetivo de centralizar o controle do poder municipal e evitar a continuidade da autonomia política das Câmaras, que, sob o Império, gozavam de relativa independência. Maria José de Rezende Nunes (2003) destaca que essa mudança representou uma "tentativa deliberada da República" de fortalecer o poder central e minar as bases do modelo administrativo anterior. Embora as Câmaras tenham mantido algumas funções legislativas, os Conselhos de Intendência assumiram a execução de políticas públicas, o que criou uma ruptura com o modelo de gestão democrática existente. Esse movimento em direção à centralização refletia a visão republicana de modernização do Estado, ao passo que procurava evitar os possíveis obstáculos impostos por uma governança local autônoma.

Por outro lado, essa centralização trouxe consequências inesperadas. Renato Lessa (1995) observa que os Conselhos de Intendência eram vistos como um "mecanismo de controle", representando um afastamento da tradição de autonomia municipal estabelecida durante o Império. Esse distanciamento entre a população e as novas estruturas de poder causou insatisfação, especialmente em regiões com forte tradição regionalista, como São Paulo e Minas Gerais. Essas áreas, que anteriormente gozavam de maior influência política local, viram seus interesses muitas vezes suprimidos por um governo centralizador. Assim, a criação dos Conselhos de Intendência, enquanto tentativa de modernização e controle, também gerou resistências significativas, revelando as dificuldades em equilibrar centralização administrativa e a autonomia local.

No contexto do sertão nordestino, o impacto dessas mudanças foi igualmente profundo, mas com características particulares. O sertão cearense, em especial, enfrentava desafios econômicos e geográficos, sendo marcado por longas secas e vastas áreas pouco habitadas. A economia da região era predominantemente de subsistência, e muitas povoações sobreviviam graças ao apoio do poder local, que organizava a escassa infraestrutura e os serviços disponíveis. A criação de vilas e a oficialização de pequenos povoados representavam, nesse contexto, uma tentativa de consolidar o poder republicano e garantir um mínimo de organização administrativa em regiões distantes dos centros urbanos.

A criação de vilas no sertão não era apenas uma formalidade administrativa; ela possuía uma importância estratégica e política. A transformação de uma povoação em vila significava que essa comunidade ganhava maior autonomia política, com a criação de instituições como as Câmaras Municipais e, posteriormente, os Conselhos de Intendência. Essas instituições eram responsáveis por organizar a administração local, facilitando o desenvolvimento da infraestrutura, o comércio e a prestação de serviços. No Cariri cearense, a criação da vila de Brejo dos Santos exemplifica esse processo. O povoado foi oficialmente elevado à categoria de vila pelo decreto nº 49, de 26 de agosto de 1890, assinado pelo coronel Luiz Antônio Ferraz, o primeiro governador republicano do Ceará. Esse decreto foi um marco na institucionalização da administração pública no sertão, refletindo o esforço da República em reorganizar e consolidar seu domínio sobre o território (CEARÁ, 1890).

Ao iniciarem a colonização no Brasil, os portugueses utilizaram a organização política das cidades (municípios) como forma de domínio e controle dos espaços conquistados. As leis portuguesas sempre procuraram distinguir a área urbana da rural, ou do rocio, como forma de identificar claramente o que é urbano e o que é rural. Esse conceito vigora até os dias atuais. Assim, desde o princípio da colonização, o Município, no Brasil, tem sido a unidade de planejamento urbano. As mais antigas instituições políticas no Brasil são a Vila e a Câmara de Vereadores, que deitam profundas raízes na história política de Portugal e, por conseguinte, na do Brasil. As Câmaras Municipais do Brasil têm origem nas tradicionais Câmaras Municipais portuguesas existentes desde a Idade Média, com a primeira Câmara sendo instalada em São Vicente, em 1532. Durante o período colonial, as Câmaras exerciam amplos poderes executivos, legislativos e judiciários nas vilas, constituindo o primeiro núcleo de exercício político no Brasil.

A Constituição do Império, de 1824, dedicou um tratamento especial às Câmaras, assegurando sua importância no governo municipal das cidades e vilas. A administração municipal era regulada pela Lei de Organização Municipal de 1828, que detalhou a composição, eleição e atribuições das Câmaras. No entanto, com a chegada da República, a primeira Constituição Republicana de 1891 transformou profundamente a política municipal, ao garantir a autonomia dos municípios, mas transferindo muitas das funções executivas das Câmaras para os Conselhos de Intendência.

É importante destacar que, embora a criação da vila de Brejo dos Santos tenha sido oficializada no início do período republicano, o processo que levou ao seu reconhecimento já havia começado durante o Império. Em 1887, a Assembleia Provincial do Ceará já debatia o projeto nº 44, que visava elevar a categoria da povoação de Brejo dos Santos à condição de vila, mantendo a mesma denominação. Esse fato demonstra que, mesmo durante o período imperial, já havia um interesse em estruturar e organizar administrativamente essas pequenas comunidades, refletindo uma preocupação com o desenvolvimento dessas áreas longínquas. O pronunciamento do deputado Padre Fernandes em 3 de agosto de 1887 enfatiza essa necessidade: "Não é um favor e sim um acto de justiça que vamos fazer aquelle povo" (CEARÁ, 1887, p. 58).


Lourenço Gomes da Silva
foi o primeiro Intendente da Vila de Brejo dos Santos, de 1890 a 1896.

A nomeação de Lourenço Gomes da Silva como primeiro intendente de Brejo dos Santos, em detrimento de seu irmão Basílio Gomes da Silva, pode ser compreendido dentro desse contexto histórico de transição política e social no Brasil, conforme o analisado em "Um Civilizador no Cariri" pelo Padre Antônio Gomes de Araújo. Embora Basílio tivesse um papel decisivo na articulação política local e na criação do Conselho de Intendência, sua escolha de não ocupar diretamente o cargo reflete uma estratégia alinhada à necessidade de se adaptar às novas dinâmicas do período republicano. A decisão de indicar Lourenço, que não possuía envolvimento anterior com a política, parece ter sido uma forma de assegurar o controle familiar sobre o recém-criado governo local, mantendo Basílio como figura de influência nos bastidores. Isso se encaixa na tensão entre centralização e descentralização observada no início da República, onde famílias influentes no sertão, como os Gomes da Silva, utilizavam o poder local para garantir sua posição em um cenário de transformação política.

Além disso, essa escolha pode ter sido uma resposta à própria dinâmica do governo republicano que, como mencionado, buscava reforçar o controle sobre regiões isoladas ao instalar vilas e nomear intendentes por indicação política. A nomeação de Lourenço Gomes da Silva, embora sem experiência política, assegurava que a influência de Basílio permanecesse intacta, sem que ele precisasse se expor diretamente ao novo sistema republicano. Assim, o poder continuava nas mãos de Basílio, mas em uma posição de menor visibilidade, permitindo-lhe manejar a política local de forma estratégica e sem atritos com o governo central. Essa manobra sutil revela a habilidade de Basílio em navegar pelas complexidades do período, garantindo a consolidação de Brejo dos Santos como vila e seu próprio domínio sobre a administração local.

A criação da Vila de Brejo dos Santos no final do século XIX reflete as complexas interações entre o poder político estadual e as instâncias locais. O processo de criação e instalação da vila envolve uma série de atos administrativos, que, embora relacionados, apresentam diferentes etapas e temporalidades. O Decreto nº 49, assinado em 26 de agosto de 1890 pelo Governador do Ceará, Coronel Luiz Antônio Ferraz, foi o ato que formalizou a elevação do distrito de Brejo dos Santos à condição de vila, desmembrando-a da jurisdição de Porteiras. No entanto, o intervalo entre a promulgação do decreto, a instalação do governo local e sua inauguração oficial foi marcado por diferentes acontecimentos e discursos que evidenciam a implementação gradual dessa nova unidade administrativa.

A primeira fase importante após o decreto foi a instalação da vila, que ocorreu em 22 de setembro de 1890, menos de um mês após a criação oficial pelo decreto. O documento que atesta essa instalação é o ofício da Casa de Intendência da Vila de Brejo dos Santos, datado de 23 de setembro de 1890, enviado ao governador Luiz Antônio Ferraz, informando que a vila já havia sido formalmente instalada. Esse evento representa o momento em que o governo local foi, de fato, constituído, com a organização dos Conselhos de Intendência, preparando o terreno para o início das atividades administrativas. Contudo, a formalização e a organização interna da nova vila ainda estavam em processo de consolidação.

A cerimônia de inauguração oficial da vila, descrita na ata de 5 de novembro de 1890, marca a conclusão simbólica e política desse processo. Neste ato, presidido pelo intendente Lourenço Gomes da Silva, o Conselho de Intendência de Brejo dos Santos foi formalmente constituído, e suas atribuições, estabelecidas. A presença de várias figuras locais e a aclamação do presidente do conselho indicam um esforço de legitimação diante da comunidade e da estrutura política estadual. Este ato público serviu para consolidar a nova administração perante a população e as autoridades do Estado.

O intervalo entre a criação da vila, sua instalação e inauguração oficial reflete o tempo necessário para ajustar a nova estrutura administrativa à realidade local. Esse processo foi acompanhado por discursos de personalidades envolvidas, cujas palavras foram posteriormente publicadas na imprensa, oferecendo uma perspectiva sobre as percepções e expectativas em torno da criação da vila.

Um exemplo disso é o discurso de José Moreira Tavares, escrivão do Conselho de Intendência e um dos principais atores nesse processo. Seu discurso, proferido em 27 de novembro de 1890 e publicado no Jornal Estado do Ceará em 5 de janeiro de 1891, revela uma perspectiva mais pragmática e administrativa sobre a criação da vila. Tavares destacou as responsabilidades do novo conselho e a necessidade de organização para que a nova vila pudesse prosperar. Seu discurso enfatizou a transição ordenada e o compromisso das autoridades locais em garantir que a administração pública funcionasse adequadamente, apesar dos desafios iniciais de uma recém-criada municipalidade.

Outro discurso relevante é o de Mileno de Torres Bandeira, promotor da Comarca de Jardim, proferido em 26 de novembro de 1890 e também publicado no Jornal Estado do Ceará em 5 de janeiro de 1891. Torres Bandeira tinha uma perspectiva mais jurídica e institucional, destacando a importância do cumprimento das leis e da preservação da ordem pública na nova vila. Seu discurso, além de elogiar os esforços de instalação da municipalidade, expressava uma preocupação com o estabelecimento de uma justiça eficiente e com o respeito às normas republicanas.

Além disso, o discurso de João Gomes da Silva Basílio, datado de 26 de novembro de 1890 e publicado no Jornal O Estado do Ceará em 7 de janeiro de 1891, refletia uma visão mais política e social sobre a criação da vila. Ele destacava a importância da emancipação administrativa para o desenvolvimento local, ressaltando que a elevação à condição de vila permitiria a Brejo dos Santos crescer de forma autônoma, sem depender diretamente de Porteiras. Seu discurso tinha um tom otimista, visualizando o futuro promissor que a autonomia traria para a vila e seus habitantes.

Esses discursos, publicados em jornais da época, revelam não apenas as expectativas das lideranças locais e regionais em relação à nova vila, mas também a relevância que esses eventos tinham no cenário político mais amplo do Ceará. A cobertura jornalística e a disseminação desses discursos indicam que a criação de Brejo dos Santos não era apenas um evento local, mas parte de um movimento maior de reorganização territorial e política promovido pela República nascente.

Em termos cronológicos, é possível observar um padrão de desenvolvimento político-administrativo típico das vilas criadas no contexto da Primeira República. A criação formal da vila através de decreto, seguida pela instalação e, posteriormente, pela inauguração, mostra a preocupação com a legitimação política e a necessidade de ajustar as novas estruturas locais às exigências do poder estadual. A publicação dos discursos nos jornais, meses após os eventos, reflete a dinâmica da comunicação da época, mas também sugere que havia um interesse contínuo em manter o público informado sobre os desdobramentos políticos e administrativos no interior do Ceará.

A criação da vila de Brejo dos Santos foi um passo crucial para o desenvolvimento da região do Cariri. Ao obter o status de vila, Brejo dos Santos passou a contar com uma maior presença do poder estatal, o que possibilitou a organização de uma administração local mais estruturada. A instalação do primeiro Conselho de Intendência em 5 de novembro de 1890 marcou o início de uma nova fase na história administrativa da região, trazendo consigo a promessa de melhorias na infraestrutura e maior integração com o restante do país. Ao longo dos anos, a transformação de vilas como Brejo dos Santos contribuiu para o desenvolvimento econômico e social da região, especialmente por meio da expansão da agricultura e da criação de redes comerciais mais fortes.

No entanto, a transformação de povoações em vilas não foi apenas um benefício para as regiões do sertão. Esse processo também fazia parte de uma estratégia política mais ampla da República, que visava consolidar o controle sobre áreas mais isoladas e, assim, reforçar seu domínio sobre o território. A criação de vilas permitia ao governo republicano ter uma presença mais efetiva em regiões que, de outra forma, poderiam se tornar focos de resistência ou insatisfação política. Desse modo, a criação de vilas como Brejo dos Santos não apenas proporcionava um desenvolvimento local, mas também servia aos interesses do governo central em consolidar a nova ordem republicana.

A instalação de Brejo dos Santos como vila exemplifica a tensão entre centralização e descentralização no Brasil no início da República. Enquanto a criação da vila promovia a autonomia administrativa local, ela também reforçava o controle do governo central, por meio da nomeação dos Conselhos de Intendência, que substituíram as tradicionais Câmaras Municipais. A transição de poder, iniciada com a Proclamação da República, foi, portanto, marcada por um esforço contínuo de modernização e centralização, mas sempre permeada por conflitos e resistências locais. Como conclui Jessé Souza (2000), a centralização serviu para consolidar o regime republicano, mas trouxe consigo desafios significativos, especialmente em regiões como o sertão nordestino, onde a autonomia local desempenhava um papel fundamental no cotidiano da população.

A criação e a instalação de vilas no sertão nordestino, como Brejo dos Santos, refletem, portanto, não apenas uma mudança administrativa, mas um esforço mais amplo de reorganização política e social em um Brasil que buscava se adaptar à nova realidade republicana. Ao mesmo tempo em que promovia o desenvolvimento econômico e a integração dessas regiões ao projeto nacional, o governo republicano também enfrentava as tensões inerentes à tentativa de centralizar o poder em um país vasto e diverso. A história da criação de Brejo dos Santos como vila, no coração do Cariri cearense, é um exemplo emblemático dessa complexa e multifacetada transição.

Jornal Libertador (CE). Anno X. Num. 194.
Edição de 26 de agosto de 1890. 
Transcrição da Ata de Inauguração da Municipalidade
da Vila de Brejo dos Santos,
feita por Padre Antônio Gomes de Araújo,
a partir do Livro de Lançamento das Atas das Sessões do
Concelho de Intendencia da Villa de Brejo dos Santos, fls. 1 e 2.


Ata da Inauguração da nova Vila de Brejo dos Santos

“Aos cincos dias do mês de novembro do anno de mil oitocentos e noventa, na Sala das Sessões desta Casa, destinada para a realização das sessões do Conselho de Intendência municipal desta Villa de Brejo dos Santos, creada por decreto do Governador do Estado, coronel Luiz Antônio Ferraz, número quarenta e nove (49), de vinte e seis de agosto do corrente anno, ás dez horas da manhã, presentes os Intendentes Lourenço Gomes da Silva, Benevenuto Bezerra da Paixão, José Florentino de Araújo Lima e José Moreira Tavares, nomeados por acto do Governador do Estado, de vinte seis de Agosto, também do corrente anno, e, todos, juramentados perante o Conselho de Intendência Municipal da Villa de Porteiras, da qual foi esta Villa desmembrada, por aclamação foi escolhido o intendente presidente do Conselho, o intendente, cidadão Lourenço Gomes da Silva, qual, após, tomou assento à cabaceira da mesa e convidou para exercer as funções de secretário, ao intendente, cidadão José Moreira Tavares, o qual, assumindo o cargo, tomou seu respectivo logar. Em seguida. declarou o presidente, que, havendo número legal de intendentes, declara aberta a sessão. Então declarou inaugurada a municipalidade desta Villa, e que se lavrassem ofícios de participação da presente sessão ao Exmo. Governador do Estado; ao Conselho de Intendência Municipal de Porteiras, ao Doutor Juiz de Direito da Comarca e as autoridades e empregados públicos, aqui, existentes, da antiga Municipalidade, Para conhecimento de todos, lavrou-se a presente Acta. Determinou-se o dia seguinte para a instalação da primeira sessão ordinária do mesmo Conselho. Ordenou o Presidente, que se extraísse uma cópia da Acta e se remetesse ao Doutor Juiz de Direito da Comarca, para os devidos fins, e outra, para ser afixada em parte da Casa deste Conselho, para conhecimento dos povos deste Município. Do que, para constar, lavrei a presente Acta. José Moreira Tavares, servindo de Secretário, a escrevi. Sala das Sessões do Conselho da Intendência de Brejo dos Santos, 5 de Novembro de 1890. Segundo Anno da Republica - Lourenço Gomes da Silva, 1° Presidente; Benevenuto Bezerra da Paixão; José Florentino de Araújo Lima; José Moreira Tavares.” (Extraído do Livro de Lançamentos das Actas das Sessões do Conselho de Intendência da Villa de Brejo dos Santos, fls. 1 e 2).

A Ata de Inauguração da Vila de Brejo dos Santos, datada de 5 de novembro de 1890, oferece uma perspectiva sobre o processo de reorganização administrativa ocorrido no início da República brasileira, particularmente no contexto de vilas e povoados no interior do Ceará. Este documento, de grande valor histórico, revela não apenas a formalidade burocrática envolvida na criação de uma nova unidade administrativa, mas também a interação entre o poder central e as elites regionais no processo de constituição de novos territórios políticos.

A elevação de Brejo dos Santos à condição de vila, oficializada pelo Decreto nº 49, de 26 de agosto de 1890, assinado pelo então governador republicano Coronel Luiz Antônio Ferraz, insere-se em um movimento mais amplo de reestruturação territorial e política promovido pelo novo regime republicano. A proclamação da República, em 1889, trouxe consigo uma série de mudanças administrativas, sendo uma das mais notáveis a criação de vilas e municípios com o objetivo de consolidar o controle do governo central sobre áreas periféricas, especialmente no sertão nordestino. Nesse contexto, Brejo dos Santos, anteriormente subordinada ao município de Porteiras, passou a ter autonomia administrativa, refletindo um esforço do governo estadual em consolidar o projeto republicano em regiões afastadas dos grandes centros.

A ata revela a formalidade e o caráter cerimonial que envolviam esses processos de instalação de novas vilas. A reunião, realizada na Sala das Sessões da nova vila, contou com a presença dos intendentes Lourenço Gomes da Silva, Manoel Ferreira Mendes, Benevenuto Bezerra da Paixão, José Florentino de Araújo Lima e José Moreira Tavares, todos nomeados diretamente pelo governador do Estado, conforme o modelo de governança republicano, que centralizava a nomeação de autoridades locais. Esse arranjo administrativo evidenciava a tentativa da República de modernizar e centralizar o poder político, retirando das antigas Câmaras Municipais, herança do período imperial, grande parte de sua autonomia.

A escolha de Lourenço Gomes da Silva como o primeiro presidente do Conselho de Intendência da Vila de Brejo dos Santos, feita por aclamação, demonstra um aspecto significativo da política local do período: a continuidade da influência das elites regionais, mesmo sob o novo regime republicano. Embora o governo central buscasse implementar uma nova ordem política, as lideranças locais continuavam a exercer papel fundamental na administração das novas vilas. No caso de Brejo dos Santos, observa-se que a transição de povoado para vila envolveu não apenas a instalação formal de novas instituições, mas também a manutenção de figuras já influentes na região.

Outro ponto de destaque é o cuidado com a comunicação formal entre as autoridades. A ata menciona que deveriam ser enviados ofícios ao Governador do Estado, ao Conselho de Intendência de Porteiras, ao Juiz de Direito da Comarca de Jardim, entre outras autoridades, informando-os sobre a inauguração da nova vila. Esse procedimento ressalta a importância de legitimar formalmente a criação da municipalidade e assegurar que todas as instâncias do poder, tanto estadual quanto local, estivessem cientes e envolvidas no processo de institucionalização da nova vila. Esse aspecto revela o grau de formalidade e a necessidade de integração entre as diferentes esferas de poder que caracterizavam a política da época.

A ata ainda demonstra um certo cuidado com a publicidade dos atos administrativos, ao determinar que uma cópia do documento fosse afixada em local público, permitindo que a população tivesse conhecimento da criação da nova vila e de suas autoridades. Esse gesto, além de cumprir uma função administrativa, também tinha um caráter simbólico, pois reforçava a presença do novo poder republicano nas áreas mais distantes e rurais do Ceará.

Essa reorganização administrativa também pode ser entendida como parte de uma estratégia mais ampla da República para fortalecer o controle sobre áreas remotas, utilizando a criação de novas vilas e a instalação de Conselhos de Intendência como instrumentos de centralização política. A nomeação direta dos intendentes pelo governador do Estado representa um rompimento com a autonomia das Câmaras Municipais, típicas do período imperial, que detinham grande poder em nível local. Sob o novo regime, as autoridades locais passaram a ser subordinadas diretamente ao poder central, refletindo a tentativa de limitar o poder das elites locais e garantir que o projeto republicano fosse implementado de forma mais eficaz.

Entretanto, essa centralização também gerava tensões. Em várias regiões do país, especialmente em áreas com forte tradição de autogoverno, a perda de autonomia das Câmaras Municipais e a substituição por Conselhos de Intendência, nomeados pelo governo estadual, foi recebida com resistência. No caso de Brejo dos Santos, embora a ata não mencione conflitos, o próprio processo de instalação da vila reflete essas tensões latentes entre o poder central e as comunidades locais, que viam sua autonomia ser restringida.

A Ata de Inauguração da Vila de Brejo dos Santos é, portanto, um documento crucial para a compreensão do processo de transição política e administrativa no Brasil republicano, especialmente no contexto das pequenas vilas do interior nordestino. Ela não só registra o ato formal de criação da vila, mas também oferece uma janela para entender como o novo regime republicano se articulava nas esferas locais, lidando com as demandas das elites regionais e os desafios de implementar uma nova ordem política em regiões até então marginalizadas. A análise desse documento contribui para a compreensão da complexa relação entre o centro e a periferia no processo de consolidação da República no Brasil, evidenciando as dinâmicas de poder que permeavam a criação de novas unidades administrativas no sertão cearense.

DISCURSOS PROFERIDOS NA INSTALAÇÃO DA VILA DE BREJO DOS SANTOS

JORNAL ESTADO DO CEARÁ.
Anno I; n⁰ 23; Fortaleza, 05 de janeiro de 1891.

Villa de Sant’Anna de Brejo dos Santos, em 27 de novembro de 1890.

Pelo grande enthusiamo e signal de regozijo publico, que se operou hontem nesta villa, deliberei levar ao vosso conhecimento com toda expontaneidade o modo porque foi inaugurada esta villa.

No dia anterior ao designado para a inauguração, reuniram-se cerca de sessenta cavaleiros para o encontro do nosso digníssimo magistrado dr. Antônio Lopes da Silva Barros, zeloso juiz de direito desta comarca, e com ele vinham os cidadãos dr. Mileno de Torres Bandeira, digno promotor publico desta comarca, e os honrados alferes Epiphanio Nogueira,  Raymundo Guilherme e Moreira, e o honrado coletor do município de Porteiras, o cidadão José Alexandre de França, e mais cidadãos que assim quizerão honrar-nos com suas respeitáveis presenças.

Entremos todos a face dessa villa ás cinco horas da tarde, ao passar na praça da matriz onde se shoa edificada a casa do Conselho de Intendencia Municipal, em seguida subiram ao ar muitas girandolas de foguetes; seguiu o dr. Juiz de direito e promotor publico e hospedaram-se na casa do cidadão Francisco Pereira de Lucena, que os recebeu com toda dignidade.

No dia seguinte pelas dez horas da manhã partio o dr. Juiz de direito e junctamente com o presidente do Conselho de Intendencia, o dr. Promotor publico, escrivão do jury adhoc nomeado, acompanhado a dos militares e de uma ingente multidão de distintos cidadãos que seguirão em direção á casa de Intendencia Municipal, afim de tratarem da qualificação dos juízes de factos deste município, e foram qualificados um grande número de cidadãos edoneos.

Na ocasião da instalação, brindou o cidadão dr.  Juiz de direito com todo enthusiasmo, e falou em termos assás linsogeiros (sem caracter algum de candonga) ao actual governo democrático.

Em seguida falou o distincto cidadão dr. Promotor publico e mais cidadãos. Ao terminar porém, de cada discurso proferido subiam ao ar numerosíssimas girandolas de foguetes.

As sete horas da noite juntou um grande numero de pessoas para darem uma passeita, o que fizeram levando como objeto de myra uma bandeira Republicana com o rotulo – Ordem e Progresso.

E seguiram da Praça da Matriz, com direção á rua da Victoria, a qual encontraram as ruas iluminadas – contendo em cada uma das portas uma manga de vidro, contendo em cada uma, as luzes concernentes.

Publique sr. Redactor.

José Moreira Tavares.

Fonte: Jornal Estado do Ceará – Anno I; n⁰ 23; Fortaleza, 05 de janeiro de 1891; pág. 3.

    Os discursos e acontecimentos que cercaram a instalação da Vila de Sant'Anna de Brejo dos Santos, em 27 de novembro de 1890, refletem um momento de celebração e de afirmação do novo regime republicano na região. A condução da comunicação pelas autoridades locais demonstra o compromisso do governo republicano em firmar sua presença em áreas remotas do país, buscando garantir a adesão da população. Documentos como a ata de criação da vila e o relato de José Moreira Tavares, publicado no Jornal Estado do Ceará (Ano I, n⁰ 23, Fortaleza, 5 de janeiro de 1891, pág. 3), oferecem uma visão detalhada dos acontecimentos que marcaram essa etapa histórica.

    A ata inaugural da vila, datada de 5 de novembro de 1890, formaliza a criação do Município de Brejo dos Santos, resultado do desmembramento do município de Porteiras, conforme o Decreto nº 49 de 26 de agosto de 1890, aprovado pelo governador Luiz Antônio Ferraz. A escolha dos membros do Conselho de Intendência Municipal foi feita por aclamação, com Lourenço Gomes da Silva eleito presidente do Conselho e José Moreira Tavares nomeado secretário. Esse procedimento formal revela o rigor administrativo e a preocupação com a legalidade da criação da vila, evidenciando a influência direta do regime republicano sobre o processo de autonomia municipal.

    A instalação da vila contou com a presença de autoridades regionais, como o juiz de direito Dr. Antônio Lopes da Silva Barros e o promotor público Dr. Mileno de Torres Bandeira, além de militares e cidadãos. Segundo o relato de José Moreira Tavares, o “regozijo público” marcou a chegada das autoridades, recebido com fogos de artifício e festejos na praça da matriz. A excitação da população foi acompanhada de discursos que reforçaram o compromisso com o governo republicano. O discurso do Dr. Antônio Lopes da Silva Barros, descrito como entusiástico e livre de “candonga” (falsidade), buscava legitimar o novo regime, destacando a sinceridade e a transparência que pautariam sua administração.

    O evento de instalação incluiu ainda uma passagem noturna, com destaque para a exibição da bandeira republicana e a iluminação das ruas da vila, uma expressão pública que simbolizava a adesão à nova ordem republicana, associada aos ideais de “Ordem e Progresso”. As festividades com fogos e discursos reforçavam, tanto política quanto simbolicamente, a legitimação do governo republicano perante a população.

    A perda de documentos históricos valiosos, como o Livro de Lançamentos das Atas das Sessões do Conselho de Intendência, que foi destruído em um crime de incêndio, representa uma lacuna irreparável para a memória histórica local. Essa destruição privada das futuras gerações de um registro é essencial para a compreensão completa da transição para o regime republicano em Brejo dos Santos, dificultando o estudo e a preservação do processo de consolidação republicana na região.

Discurso proferido na sessão de instalação do município, e novo termo da villa do Brejo dos Santos pelo dr. Mileno de Torres Bandeira.

 Cidadãos do Brejo, aquelle que fala, como diz o Barreau-Français, tem ou deve ter por fim persuadir, os que o ouvem.

Não venho de presente persuadi-vos, apenas venho felicitar-vos pela autonomia adquirida com a inauguração de vosso município e termo de Brejo dos Santos.

Et sit mihi faz súdita loqui (e deixe-me falar):

E me seja permitido dizer-vos as cousas, que tenho ouvido.

Sim, concidadãos, hoje que as liberdades publicas se achão garantidas pelo systema, e governo republicano, criatura do povo, feito ao molde de seus direitos; hoje que o patrioco governo federal tem reformado todos os emperros e serões das antigas leis cíveis, e publicas; hoje que nos falta dar um cunho de nacionalidade peculiar ao nosso comercio, aumentar nossa riqueza e força; hoje que a providencia com dêdo protector nos tem avantajado aos olhos das nações cultas por uma revolução felis e mysteriosa – 15 de Novembro do anno passado, que mudou a face politica do Brasil, não é muito – que a justiça venhas ás portas de vossa villa como acontecia na antiga republica e cidade de Roma.

Sim, concidadãos, disse César Cantú, á Vico deve-se a descoberta d’essa lei sabia, manifestando-se no meio dos erros e iniquidades, chamada – providencia.

Sim, cidadãos do Brejo, á proteção, ao auxilio da providencia, (atributo da divindade, do ser oculto e mysterioso), deve o Brazil, nossa cara pátria, ter atravessado sem transtorno, sem abalos, sem grandes comoções as phases mais arriscadas de sua vida politica, como nação:

Foi pela proteção da divina providencia que foi dado o grito do Ipiranga -  que firmou a independencia do Brazil á 7 de Setembro de 1822; o libertando e á todos nós do jogo de Portugal.

          Foi ainda pelo auxilio da providencia -  que o heroico exercito brasileiro em comunhão com o povo nas praças publicas do Rio, da capital federal, deo o brado – de justiça ou morte, derribando um throno, e livrando-nos dos aulidos palacianos, que o tinham enfraquecido, e desprestigiado.

         Sim, concidadãos, a centralização, que era lema do império, estava  a asphyxiar, o Brasil; porque, como diz o padre Ventura em sua obra poder publico – a centralisação mata, como a aprolexia fazendo todas as forças da nação, como todo sangue do organismo, convergir para a cabeça.

           Ao contrário: a descentralização da administração e da justiça tira as peias do servilismo, garante a liberdade individual, e todo os direitos do cidadão, fazendo o desassombro do poder pessoal dos antigos políticos, empregar sua justa atividade, e enveredando-se pela senda do progresso , que é sim, felizmente, o lema da republica dos Estados Unidos do Brasil, do patriótico governo federal e da justiça.

               Por tanto faço votos para que possa vigorar vosso termo e município; para que todos os vossos municípios fruam dias felizes de paz e prosperidade.

                Pelo que vos convido, a que me acompanheis na seguinte saudação:

               Viva o emérito generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca, presidente dos Estados Unidos do Brasil.

                Via o benemérito coronel Ferraz, governador do Ceará.

                Viva o integro magistrado, juiz de direito d’esta comarca, dr. Antonio Lopes da Silva Barros.

                Tenho dito.

              Casa de Intendência Municipal da Villa do Brejo dos Santos aos 26 de novembro de 1890, 2 da Republica.

               Mileno de Torres Bandeira.

 Fonte: Jornal Estado do Ceará – Anno I; n⁰ 23; Fortaleza, 05 de janeiro de 1891; pág. 3.

     O discurso proferido por Mileno de Torres Bandeira durante a sessão de instalação do município e termo da Vila de Brejo dos Santos em 26 de novembro de 1890 reflete um momento de transição política e social no Brasil, marcado pela recente proclamação da República e pela reorganização das estruturas administrativas locais. No contexto da criação da vila, o discurso carrega forte conteúdo ideológico, exaltando os ideais republicanos e destacando a importância da descentralização administrativa, contrastando com os males percebidos do regime imperial anterior.

    A fala de Mileno de Torres Bandeira utiliza uma retórica altamente formal, cheia de referências clássicas e históricas, para legitimar a nova ordem republicana e situar o processo de instalação da vila como parte de um movimento maior de libertação e progresso. A invocação da "providência divina" e de figuras como César Cantú e o Padre Ventura demonstra uma tentativa de conferir um caráter quase sagrado à transição política, atribuindo à República uma missão moral de emancipação e justiça, que culmina na criação de novas vilas como Brejo dos Santos.

    A importância do discurso não reside apenas em seu conteúdo ideológico, mas também na presença de autoridades jurídicas e políticas que estavam diretamente envolvidas na implementação das novas estruturas administrativas. A referência a Manoel Deodoro da Fonseca, presidente da República, e ao coronel Ferraz, governador do Ceará, serve para reafirmar a lealdade das autoridades locais à nova ordem republicana e ao projeto de descentralização política e administrativa. A presença do juiz de direito da comarca, Dr. Antônio Lopes da Silva Barros, é especialmente relevante, pois simboliza a continuidade da autoridade judicial e a integração da nova vila ao sistema legal republicano.

    A comarca de Jardim, à qual Brejo dos Santos estava inicialmente subordinado, desempenha um papel crucial nesse processo. A jurisdição de Jardim não apenas abrigava Brejo dos Santos em seu contexto legal anterior, mas também representava um elo entre a antiga organização territorial e a nova configuração republicana. A presença de representantes dessa comarca durante a instalação da vila reforça a importância da legalidade e da justiça no processo de transição. O discurso de Mileno de Torres Bandeira ressalta que a justiça deve agora ser mais próxima e acessível, fazendo uma analogia com a antiga República Romana, onde a justiça chegava às portas das cidades. Essa metáfora reforça a ideia de que a nova administração republicana seria mais democrática e atenta aos direitos dos cidadãos, contrastando com o centralismo sufocante do Império, como ele próprio destaca citando o Padre Ventura.

    O ato de instalação do município e termo da vila de Brejo dos Santos, portanto, é impregnado de simbolismo. Ao destacar a descentralização como um avanço para a garantia das liberdades individuais e dos direitos dos cidadãos, Mileno de Torres Bandeira coloca a criação da vila como parte de um esforço maior de modernização e progresso, alinhado com o espírito republicano. A menção a figuras jurídicas e políticas de alta estatura reforça a legitimidade desse processo e busca assegurar à população que a nova vila não estaria isolada, mas sim inserida em um contexto mais amplo de reforma administrativa e justiça descentralizada.

    A presença dessas autoridades jurídicas é, portanto, um sinal de que o novo termo de Brejo dos Santos estava inserido em uma rede de governança que, embora republicana e descentralizada, ainda se apoiava em pilares fortes de legalidade e controle social. A integração da vila ao sistema de justiça da comarca de Jardim e ao governo estadual do Ceará reforça a ideia de que o novo município estava comprometido com os valores da República e com a implementação eficaz de suas promessas de liberdade e progresso.

    Assim, o discurso de Mileno de Torres Bandeira é tanto uma celebração do novo regime republicano quanto uma reafirmação do papel essencial das autoridades jurídicas na construção de uma nova ordem política. Ele revela a importância da justiça e da descentralização como pilares centrais da nova República e estabelece um vínculo direto entre a criação da vila de Brejo dos Santos e o projeto mais amplo de consolidação republicana no Brasil. A fala humaniza o processo político, ao conectar as transformações institucionais com as esperanças e expectativas de uma comunidade local, que, a partir daquele momento, estava oficialmente inserida na nova estrutura de poder republicano.

 

Brejo dos Santos

 Discurso que proferiu o cidadão João Gomes da Silva Basílio, no dia 26 de novembro de 1890 na instalação do município, e novo termo da villa de Brejo dos Santos.

 Cidadãos.

O inexplicável prazer que manifesta-se em mim nesta hora leda, leva-me ao olvidar os meus débeis recursos intelectuais:

Uzando assim da palavra desejo em nome do povo desta villa, saudar aos propugnadores dos interesses deste município, que empregado os seus esforços fizeram por seus méritos, trilhar uma senda progressiva esta até outr’ora florecente povoação do Brejo dos Santos, hoje por acto de patriótico governo, villa de Sant’Anna de Brejo dos Santos.

Cidadãos.

O nome daquele que tomou a si a defesa do universo Brazileiro (vós bem sabeis quem) em melhoramento das utilidades gerais, não devemos permitir que o tempo com o impossível manto envolvido:

Devemos pois erguer uma memoria, que, com as possibilidades ao mneos ateste os benefícios que em merecidamente fomos receptores.

Cidadãos.

A mocidade futura tem como dever sagrado, (isto infalível e inevitável) dar progresso as obras que forão encetadas por seus entepasados: por tanto peço-vos que seja para sempre comemorada e jamais olvidado, o facto que teve lugar nas praças do Rio de Janeiro, no dia 15 de Novembro de 1889, o qual foi a proclamação da Republica federal, bem como, o nome do ínclito Coronel cidadão Luiz Antonio Ferraz, integro governador deste estado do Ceará, á quem por seus sentimentos patrioticos devemos o progresso desta recente villa.

Avista pois, cidadãos, do já exposto convido-vos e me acompanheis na seguinte saudação:

Viva o generalismo coronel Luiz Antonio Ferraz, governador do estado do Ceará.

Viva os militares, os alferes Raymundo Guilherme, Epiphanio Moreira e Nogueira.

Casa da Intendencia municipal da villa de Sant’Anna do Brejo dos Santos, em 26 de novembro de 1890.

Publique sr. redactor.

 João Gomes da Silva Basilio.

 Fonte: Jornal O Estado do Ceará – Anno I; n 124; Fortaleza, 07 de janeiro de 1891; págs. 2 e 3.  

    A instalação oficial da vila de Brejo dos Santos, registrada em 5 de novembro de 1890, e o discurso de João Gomes da Silva Basílio, ocorrido em 26 de novembro do mesmo ano, trazem à tona uma questão importante quanto às possíveis discrepâncias de dados nos registros históricos da época. Obviamente, há duas explicações plausíveis para entender essa diferença. Em primeiro lugar, a possibilidade de erros de transcrição e tipografia merece consideração, dado o contexto tecnológico limitado dos jornais da época. A produção tipográfica, feita por meio de montagem manual de caracteres, era especialmente vulnerável a falhas. Essa fragilidade técnica poderia ter resultado em uma datação incorreta para o discurso de João Gomes da Silva Basílio ou para outros atos relacionados à instalação.

    Por outro lado, é possível que o discurso de João Gomes da Silva Basílio tenha de fato ocorrido em um momento posterior ao ato oficial de instalação, trazendo uma prática de etapas da conquista municipal. Com a autonomia conquistada, a realização de eventos e discursos complementares, como o de 26 de novembro, pode refletir uma tradição comum nas fundações e nas celebrações cívicas da época: o prolongamento das festividades para reforçar a importância da ocasião para a comunidade local. Assim, o discurso de Basílio em uma data posterior ao marco oficial não seria necessariamente um erro, mas parte de uma série de atos comemorativos, possivelmente planejados para destacar diferentes aspectos e figuras envolvidas no processo de autonomia.

    A biografia de João Gomes da Silva Basílio, central nesse contexto, reforça a relevância do evento. Nascido em 1868 no então distrito de Brejo dos Santos, ele pertencia a uma família de liderança local, com seu pai, o tenente-coronel da Guarda Nacional Basílio Gomes da Silva, sendo o primeiro chefe político da povoação. Ao longo de sua vida, João Gomes da Silva Basílio se envolveu com a comunidade como agropecuarista e funcionário dos Correios, além de ter se casado com Antônia Inácio Bezerra, com quem teve cinco filhos, incluindo Basílio Neto, o primeiro fotógrafo de Brejo dos Santos. Esse histórico familiar consolidou a posição de Basílio, cujas palavras no discurso de instalação tinham grande peso.

    No discurso proferido, João Gomes da Silva Basílio expressou profunda gratidão pelos esforços que culminaram na fundação da vila, destacando tanto o papel do governo quanto o da população no processo. Ele também fez questão de vincular o evento à proclamação da República em 1889, sinalizando que a criação da vila era um símbolo do avanço republicano e da proteção divina. Em seu pronunciamento, Basílio ressaltou ainda a relevância do nome "Sant'Anna de Brejo dos Santos", um título que simbolizava a identidade religiosa e cultural da comunidade, ligada às tradições católicas. Essa denominação não oficial, com o termo “Sant'Anna”, representava para os moradores um elo de continuidade e proteção.

    Portanto, o discurso de Basílio, pronunciado em um possível ato comemorativo pós-instalação, cumpre um papel de enaltecimento da autonomia e da identidade local. Tanto a prática de celebrações seguidas quanto a possível interferência de erros de registro tipográfico refletem as condições e os costumes de uma época marcada por limitações técnicas e forte apego às tradições. Assim, a história da instalação da vila de Brejo dos Santos, com todas as nuances e desdobramentos de seus dados, ilustra o espírito de uma comunidade em busca de uma identidade autônoma, consolidando-se enquanto município republicano sob a liderança de figuras locais.

O Brejo é Isso!

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral


Referência bibliográfica

ARAÚJO. Padre Antônio Gomes de. Ata da inauguração da vila de Brejo dos Santos. Revista Itaytera. Ano I. Nº 1. 1955. Instituto Cultural do Cariri: Crato, 1955. Pág. 72-74.

CEARÁ. Assembleia Legislativa Provincial do Ceará. Anais da 2ª Sessão Ordinária da 28ª Legislatura. Ceará, 1887. Pág. 58

CEARÁ. Decreto nº 49, de 26 de agosto de 1890. Eleva a povoação de Brejo dos Santos à categoria de vila. Diário Oficial do Estado do Ceará, Ceará, 26 ago. 1890.

CAVALCANTE, Francisco Mirancleide Basílio. Memórias de Brejo Santo; dados bibliográficos dos homenageados em logradouros públicos. Brejo Santo. Edição do autor: 2002.

DIAS, Vavy Pacheco. História do Federalismo no Brasil: A Autonomia Municipal na República. São Paulo: Editora Hucitec, 1994.

JORNAL LIBERTADOR (CE). Anno X. Num. 194. Edição de 26 de agosto de 1890.

JORNAL LIBERTADOR (CE). Anno X. Num. 199. Edição de 28 de agosto de 1890.

JORNAL ESTADO DO CEARÁ. Anno I; n⁰ 23; Fortaleza, 05 de janeiro de 1891; pág. 3. Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em: 28/03/2017.

JORNAL O ESTADO DO CEARÁ. Anno I; n⁰ 124; Fortaleza, 07 de janeiro de 1891; págs. 2 e 3. Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em: 28/03/2017.

LESSA, Renato. Intendências e Poder Local na Primeira República. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1995.

NUNES, Maria José de Rezende. O Poder Municipal na Primeira República: Federalismo e Centralização no Brasil (1889-1930). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.

SOUZA, Jessé. A Modernização Seletiva: Uma Reinterpretação do Dilema Brasileiro. Brasília: Editora UnB, 2000.




quinta-feira, 25 de julho de 2024

FREGUESIA DE BREJO DOS SANTOS: 1876 - 2024: 148 ANOS

Fonte: Colleção dos Actos Legislativos da Provincia do Ceará:
promulgada pela respectiva Assembléa no anno de 1876. Typographia
Constitucional: Fortaleza. 1877. Biblioteca Pública Estadual do Ceará
(BECE). 


Freguesia de Brejo dos Santos – Paróquia Sagrado Coração de Jesus
1876 – 2024
148 anos 

    No cenário histórico do interior do Cariri cearense, celebra-se hoje o 148º aniversário da Freguesia de Brejo dos Santos - Paróquia Sagrado Coração de Jesus, estabelecida em 25 de julho de 1876. Este marco transcende simples formalidades administrativas, sendo oficializada pela Lei Nº 1708, assinada pelo então presidente da província do Ceará, Desembargador Francisco de Farias Lemos, desmembrando-a das freguesias vizinhas do Jardim e Milagres.
    
    A criação desta freguesia não apenas reconheceu a comunidade perante o Estado, mas também ampliou o domínio eclesiástico, com a igreja desempenhando papel central na formação da identidade e dos valores locais. A freguesia, frequentemente centrada em torno de uma capela ou igreja matriz, não só delineou uma divisão geográfica, mas também consolidou-se como um organismo vivo que molda o cotidiano das pessoas. Além de ser um espaço de culto, a igreja é um ponto de vivência social e cultural.

    No interior nordestino, onde a distância e os recursos são limitados, a criação da Freguesia de Brejo dos Santos representou um marco no desenvolvimento regional, estabelecendo uma estrutura administrativa mais próxima das comunidades locais, facilitando o acesso aos serviços básicos, promovendo a segurança e estimulando o crescimento econômico. Além disso, fortaleceu os laços de pertencimento e identidade entre os habitantes, servindo como um ponto de encontro para celebrar tradições e enfrentar desafios comuns.

    Portanto, neste dia especial em que comemoramos o 148º aniversário da Freguesia de Brejo Santos, reafirmamos não apenas um evento administrativo, mas um marco significativo na história religiosa, social e econômica do Nordeste brasileiro. Este episódio histórico ilustra a interseção entre a fé e o poder secular, evidenciando o papel crucial que ambos desempenham na construção e consolidação das comunidades locais ao longo dos anos.

Segue a transcrição da Lei da criação da Freguesia de Brejo dos Santos, hoje Paróquia Sagrado Coração de Jesus.


LEI, N° 1708 – DE 25 DE JULHO DE 1876.


    Crea uma freguezia na povoação do Brejo dos Santos, desmembrada das do Jardim e Milagres.

    O Desembargador honorário Francisco de Farias Lemos, dignitário da Imperial Ordem da Rosa, comendador da de N. S. da Conceição da Villa de Viçosa, de Portugal, e presidente da província do Ceará etc.

    Faço saber a todos os seus habitantes que a assembleia legislativa provincial decretou e eu sanciono a lei seguinte:

    Art. 1°: Fica creada uma freguezia na povoação do Brejo dos Santos, desmembrada das do Jardim e Milagres, e erecta em matriz a capella do Coração de Jesus.

    Art. 2°: Os limites da nova freguezia são: - partindo do sítio Sobradinho – ao sudeste vae do corrente existente á margem do rio da Barra ao sul, descendo por ele; a leste vae ao sítio Macapá, Poço e Serra da Canna Brava, e d’ahi pelas extremas da freguezia de Milagres, buscando o norte até chegar á ponta da Serra do sítio – S. Felipe – pela fralda da Serra; ao oeste até chegar ao predito sítio Sobradinho.

    Art. 3°: Revogam-se todas as disposições em contrário.

    Mando por tanto, todas as autoridades, á quem o conhecimento e execução da referida lei proceder, que a cumpram e façam cumprir tão interinamente como nella contém. O secretário do governo desta província a faça imprimir, publicar e correr.

    Dada no palácio do governo da província do Ceará, aos 25 de julho de 1876, 55° da Independência do Império.

L.S.

Francisco de Farias Lemos 

    Carta de lei, pela qual V. Exc. Manda executar o decreto da assembleia legislativa provincial, que houve por bem sancionar, creando uma freguezia na povoação do – Brejo dos Santos, desmembrada do dos Jardim e Milagres, como nella se declara.

Para V. Exc. Ver. 

Afio Beserra de Menezes a fez.

Nesta secretaria do governo do Ceará foi selada e publicada a presente lei aos 12 de julho de 1876.

O secretario,

Antonio Dias de Pinna Junior.

(A CONSTITUIÇÃO, ed. 88, 02/08/1876, p. 1)


O Brejo é Isso!


Por Bruno Yacub Sampaio Cabral


Referência: 

CEARÁ. Colleção doa Actos Legislativos da Provincia do Ceará: promulgada pela respectiva Assembléa no anno de 1876. Typographia Constitucional: Fortaleza. 1877. Biblioteca Pública Estadual do Ceará (BECE). 

Constituição (CE), edição de 02 de agosto de 1876. Disponível em: < http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/ >. Acesso em: 03/04/2023.




LIVRO A FESTA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS: PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DE BREJO SANTO


APRESENTAÇÃO

Bruno Yacub dispensa apresentações, porque já é um nome conhecido dentro da historiografia regional, com artigos publicados às tantas, para revistas da região, jornais e, principalmente, no blog d'A Munganga, um repositório muito especial da memória do Cariri Oriental, principalmente de Brejo Santo, a cidade natal do amigo. 

O mundo acadêmico, no curso de História (UECE), de onde Bruno acaba de emergir, aprimorou sua escrita, pois lhe conferiu mais critério na exposição de suas ideias, chancelou o que a experiência e o amor pelas gavetas do passado já o tinham formado. Bruno, desde menino, bebeu nas fontes dos seus patrícios, Padre Antônio Gomes de Araújo e Otacílio Anselmo; é amante apaixonado pelo estudo de nossa gente, entusiasmando-se a cada descoberta; possui invejável biblioteca da história regional e discorre sobre genealogia com exatidão e perspicácia.

Neste livreto que tens em mãos, caro leitor, o autor nos lega valiosa pesquisa sobre a festa do Sagrado Coração de Jesus, padroeiro de Brejo Santo (CE). Para sua conclusão, Bruno mergulhou nas mais curiosas fontes históricas: manuscritos raros, livros diversos, jornais de época, além de rico acervo iconográfico. 

O resultado dessa construção é este artigo, com gosto de certidão de batismo de Brejo Santo, pois explica e eleva a importância dessa festividade na formação e evolução do pequeno povoado. Com efeito, a festa do padroeiro é a primeira manifestação coletiva da gente brejo-santense, em prol da elevação e transformação daquele pequeno lugarejo, uma terra marcada pela violência, sem  grandes esperanças, até a passagem das Santas Missões, do profeta Ibiapina, que por aqui esteve, naquele 21 de setembro de 1868, pregando o evangelho, anunciando obras, apadrinhando a gleba com o signo do Sagrado Coração de Jesus, lançando a pedra primeira do que profetizou como Igreja Matriz. 

A Festa do Sagrado Coração de Jesus tem a fé na boa esperança, representa o pedido de bênção do nosso povo, reunido em celebração. É um belo e necessário resgate, que o autor nos presenteia.

Boa leitura.

Hérlon Fernandes Gomes

Brejo Santo-CE, 09 de Julho de 2024.


Para baixar o livro A Festa do Sagrado Coração de Jesus: Patrimônio Cultural Imaterial de Brejo Santo, clique aqui: 

A Festa do Sagrado Coração de Jesus: Patrimônio Cultural Imaterial de Brejo Santo






sexta-feira, 18 de agosto de 2023

ANTÔNIO VICELMO, A VOZ ICÔNICA DO RÁDIO CARIRIENSE



Antônio Vicelmo é a voz icônica do rádio carirense; sem dúvida, um dos mais respeitados jornalistas do Ceará. Nascido em Brejo Santo (CE), em 10 de Janeiro de 1942, e radicado na cidade de Porteiras (CE) durante a infância, é filho da primeira professora nomeada pelo Estado, para ali laborar, d. Maria do Carmo Simplício, e do boticário Vicente Anselmo. Foi naquela terra, sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição, onde Vicelmo realizou os primeiros estudos, tornou-se coroinha e sentia em si a vontade de desbravar o mundo, conhecer as notícias de fora, ultrapassar os limites do seu pequeno rincão do sul cearense. Nessa época, o menino sonhava em ser caminhoneiro, perder-se nas estradas do Brasil e matar sua sede e curiosidade do universo, além de Porteiras e Brejo Santo, cidades primas-irmãs, seu único itinerário conhecido. Complementou os estudos em Missão Velha e Crato, cidade esta onde posteriormente veio a residir e concluir o curso de bacharelado em Direito, primeira turma.

Nos seus quase sessenta anos de jornalismo, fosse na rádio Araripe, na rádio Educadora do Crato, ou nos jornais impressos em que teve a oportunidade de atuar, Antônio Vicelmo tornou-se conhecido por difundir a cultura genuína do Cariri, do sertanejo, principalmente no seu viés mais folclórico. Manchetes como “O homem que apanhou da Caipora” e a inusitada entrevista a Vicente Finim, o autodeclarado lobisomem das sete freguesias do Cariri, a despeito de enlouquecerem os editores, fizeram a fama do jornalista, tornando-o em um dos mais cultuados arautos da cultura nordestina. 


 

O jornalismo de Antônio Vicelmo é diferenciado e revolucionário, pois vai além da informação precisa. Misto de poesia, literatura e encantamento, sua palavra é carregada de intimidade e saudosismo, arrastando o ouvinte e o leitor para a nostalgia até do que não se viu, do que não se viveu.

No seu mister de jornalista, Vicelmo teve a sorte de trabalhar ao lado de grandes intelectuais da nossa região, a exemplo de J. de Figueiredo Filho, que nos legou uma inestimável bibliografia, mormente no campo do folclore, coincidente com o afã do jovem Vicelmo daquele tempo. 

É membro do Instituto Cultural do Cariri, que tanto tem feito pela divulgação e preservação de nossa história. 

Segundo Antônio Vicelmo, por ele mesmo: “Mesmo com esse jeito matuto de redigir notícias que, muitas vezes, fugia às regras acadêmicas, fui muito prestigiado pela direção do Diário do Nordeste. Viajei meio mundo por conta do jornal. Andei no rastro  dos cangaceiros nos estados do Ceará, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe. Estive, várias vezes, na Grota do Angico, onde mataram Lampião. Acompanhei as obras de transposição das águas do São Francisco e da Ferrovia Transnordestina, do começo ao fim. Estive em Cabrobó, de onde sai o canal que transporta a água do rio para o Ceará. Documentei a desocupação da cidade de Jaguaribara, que foi inundada pelas águas do Açude Castanhão. Levei para as páginas do jornal o modo de vida dos moradores da Nova Jaguaribara, que deixaram para trás lembranças indeléveis, entre as quais o monumento a Tristão Gonçalves de Alencar, herói do Confederação do Equador, que foi assassinado barbaramente nas terras de Jaguaribara. Mostrei para o mundo o rico patrimônio fossilífero do Cariri. Descrevi as secas e suas consequências; descobri os profetas das chuvas, os mitos que povoam o imaginário popular do Cariri. Quase viro romeiro de tanto falar sobre o Padre Cícero e o beato José Lourenço. Fiz uma série de reportagens sobre os penitentes e o Padre Ibiapina, o apóstolo do Nordeste.”

Entrevistou grandes nomes da nossa cultura, como o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, e o poeta Patativa do Assaré, de quem se tornou amigo íntimo; mas, sobretudo, capturou as vivências do homem sertanejo anônimo, com seus saberes, suas curiosidades, suas idiossincrasias, seus misticismos, suas singularidades. 

Foi o primeiro repórter do Cariri a escrever para o jornal sobre os penitentes de Barbalha, Seu Lunga, Expedito Seleiro, a Casa Grande de Nova Olinda e a Caldeira do Inferno, em Brejo Santo.



  

Fez parte da equipe do Diário do Nordeste que ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo e, em 2014, um texto seu foi objeto de uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM.

Por conta de seu profundo conhecimento da história do Cariri, representou o Diário do Nordeste, indo até Roma para acompanhar a comissão que solicitava a reabilitação do Padre Cícero, promovendo de forma singular a cobertura jornalística dessa caravana.

Em 2015, escreveu E era só… 50 Anos de Jornalismo, um apanhado de crônicas que ilustram sua rica caminhada.

É casado com Marisa Maria, seu devotado e eterno amor, com quem teve quatro filhos: Paulo Ernesto, Pedro Henrique, João Ricardo, Marcos Eduardo e Érica Vanessa, esta última, filha do coração.

Muitas são as habilidades e os dons de Antônio Vicelmo. É um multi-instrumentista da arte. Sua casa é também um ateliê, onde, nas horas vagas, fabrica carros e caminhões de madeira, além de aviões, em forma de cataventos, que ornam o jardim de sua aconchegante morada, ao sopé da Chapada do Araripe, no bairro Grangeiro, do Crato, onde sente os cheiros e gostos do Cariri, divertindo-se com as peripécias de seu neto, José, de quem virou “avôhai”, depois que seu filho Pedro Henrique se encantou.

Pragmático, sem medo da morte, que considera uma condição inevitável e natural, Antônio Vicelmo já deixou escrita uma carta de despedida, para ser lida em seu funeral, ressaltando o amor, sentimento que mais exercitou em toda sua vida. Enquanto vive, e a gente espera que assim continue entre nós por muitos anos, continua a nos encantar com sua voz inconfundível, diretamente de seu estúdio particular, cercado de rádios antigos, condecorações, pelas ondas da SomZoom, 106.5, vestido inteiro da alma profunda do Cariri.


Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE

08 de Agosto de 2023



Para Helaine e Kilmer, minha irmã e meu cunhado, vizinhos de Antônio Vicelmo e d. Marisa, arquétipos desse casal cercado de amor.

Para Bruno Yacub, que me acompanhou para conhecer Antônio Vicelmo pela primeira vez. Identificamo-nos sobremaneira com o festejado jornalista, uma grande inspiração.