A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo é Isso!

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

MÚSICA É PERFUME - A HISTÓRIA DA BANDA DE MÚSICA MAESTRO OLÍVIO LOPES ANGELIM


A banda de música e sua formação inicial. Fotografia de 1918.

A história da Banda de Música de Brejo Santo tem seu início no ano de 1917. O cidadão brejo-santense Tiburtino Inácio da Silva Torres achava que a cidade estava muito calada, triste, como um filme mudo sem orquesta. Do próprio bolso encabeçou a missão de musicar nossa cidade, que esporadicamente se deixava hipnotizar pelo som rudimentar e belo das bandas cabaçais. O som dos metais certamente traria mais poesia para o pequeno lugarejo.

Instrumentos comprados, o mecenas contratou o maestro barbalhense Francisco Neru para organizar os músicos e deixar a banda afinada, como uma caixa suiça, dessas em que se dá a corda. Batizou-a de Banda de Música Carlos Gomes, em homenagem ao grandioso compositor brasileiro, autor da ópera "O Guarani".

A banda, desde seu surgimento, era o adorno mais bonito nas festividades populares, como a festa do Sagrado Coração de Jesus - nosso padroeiro, assim como nas comemorações cívicas e durante o carnaval.

As lições iniciais de música frutificaram e revelaram grandes talentos, dentre eles,  Olívio Lopes Angelim (13/08/1901-05/09/1985), um conhecido alfaiate local, que levou para música a mesma responsabilidade e qualidade dos ternos que costurava. O investido maestro não só passaria a exigir dos seus discípulos o acerto das notas; mas um rigor de horários, zelo pelo uniforme, concentração nas lições. Trouxera do Exército toda aquela regência de costumes. 



O povo saía às ruas, lotando as calçadas ou seguindo em aglomeração para ouvir aquelas melodias tão bonitas. A Vila parava para ver a banda passar em suas especiais apresentações. Para renovarem o repertório, os músicos se reuniam na pomposa morada do Sr. Manuel Leite de Moura, rico comerciante e dono do primeiro gramofone da vila. O anfitrião sempre recebia discos de 78 RPM da famosa Casa Edison, do Rio de Janeiro: eram polcas, valsas, tangos, fox-trot... Depois de darem a corda por uma dezena de vezes naquele engenho magnífico, saíam com a música escrita em partitura, para ensaiarem e reproduzirem ao público como novidades sobre o que se ouvia pelo Brasil e pelo mundo.

A Banda de Música, entretanto, ganhou um poderoso inimigo no ano de 1928. O Padre Nonato Pita, vigário da paróquia, por considerar que a música mundana tocada pela banda era um barulho blasfemo contra os ideais divinos, não só proibiu a sua participação nas cerimônias religiosas, como jurou publicamente que dissolveria aquela turba.

A notícia caiu como uma bomba nos pés de maestro Olívio. Privar a população da música nas festividades do padroeiro? Isso é que era um grande pecado!

A juventude e os intelectuais foram aos jornais e com o padre passaram a trocar farpas. O vigário acusava os jovens de subversivos, baderneiros, inimigos de Deus; aqueles revidavam os ataques, insinuando trazer à luz todas as sombras de um passado negro do pároco.

A banda se organizou mais ainda na realização de retretas ao pôr-do-sol, distribuindo ao ouvidos dos brejo-santenses os seus acordes precisos e hipnotizantes. Não haveria mordaça imposta por nenhum tirano. Com essa atitude a popularidade do padre só caía e sua permanência em Brejo dos Santos se fazia cada vez mais insustentável... 

A lavagem de roupa suja nos jornais ameaçava trazer à luz os segredos de um passado negro do sexagenário padre, impelindo-o a refugiar-se em Porteiras e deixando o Brejo para trás. Só para ilustrar, trago trecho de dois jornais, desse período:
"(...) ESSE QUE NÃO PASSA DE UM CRIMINOSO, POIS FOI EXPULSO DO MUNICÍPIO DE PRINCESA (PARAÍBA) POR SER AUTOR MANDANTE DE CRIME DE HOMICÍDIO NA PESSOA DO DISTINTO MÉDICO DR. ILDEFONSO LACERDA LEITE, PRIVANDO A SOCIEDADE, NÃO SÓ DE UM ELEMENTO DE DESTAQUE, COMO AINDA DE SER UM CARIDOSO QUE EXERCIA A NOBRE PROFISSÃO DE MÉDICO. PROCESSADO, TENDO HAVIDO ATÉ INTERVENÇÃO DO GOVERNO ESTADUAL, QUE ENVIOU O CHEFE DE POLÍCIA, DR. ANTÔNIO SIMEÃO, PARA MELHOR ESTUDAR O CASO, O PE. PITA ACHOU NA FUGA A SALVAÇÃO. A VIDA DO PE. NONATO TEM SIDO UMA SEQUÊNCIA DE CRIMES E AÇÕES REPROVÁVEIS E, ACOSSADO, SEM DÚVIDA, PELA CONSCIÊNCIA, REFUGIOU-SE EM BREJO DOS SANTO, DANDO-SE ARES DE SANTO E VIRTUOSO." (O CEARÁ - QUINTA-FEIRA, 16 DE FEVEREIRO DE 1928)


"HÁ TEMPOS, O VIGÁRIO DESGOSTOU-SE, SEM MOTIVO JUSTO, COM BANDA DE MÚSICA MANTIDA À CUSTA DE MUTOS ESFORÇOS POR UM GRUPO DE RAPAZES.  POR ESSE MOTIVO, O PADRE NONATO JUROU AOS SEUS DIZERES QUE DISSOLVERÁ A MENCIONADA BANDA DE MÚSICA. RECENTEMENTE, PENSANDO PREJUDICAR A ALUDIDA BANDA DE MÚSICA, DEIXOU DE EFETUAR A FESTA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, O QUE PROVOCOU GERAL DESGOSTO ENTRE OS CATÓLICOS.” (O CEARÁ - SEXTA-FEIRA, 7 DE JULHO DE 1928)



Em 1929, com a chegada de padre Pedro Inácio Ribeiro, recepcionado com alegria pela Banda de Música, as relações amistosas foram retomadas, selando o pacto musical com as festividades religiosas. A amizade deste vigário com o maestro Olívio era tão grande, de modo que mereceu um dobrado musical criado em sua homenagem pelo regente. Isso se tornou um costume para maestro Olívio, que passou a presentear outras personalidades com presentes afins. Assim o fez com o professor José Teles de Carvalho, Napoleão de Araújo Lima (Seu Napo), entre outros. 

Em 1996, onze anos após a morte de maestro Olívio, a banda passa a levar seu nome, em reconhecimento ao legado deixado por esse homem, idealista no seu propósito. Ele não deixou filhos de sangue, mas sua imensa prole, foi construída na paixão pela música, ultrapassou um século e está até hoje por todos os cantos da nossa terra. A missão e o amor do maestro e de outros tantos importantes componentes do grupo permitiram que a banda se perpetuasse, vencendo os percalços de estrutura, esquecimento e abandono em alguns momentos de sua trajetória. Mas hoje, ela sobrevive pujante entre nós, consubstanciando-se na nossa mais antiga obra de resistência cultural.

Com os ouvidos da poesia, tomados de encantamento e subjetividade, garanto que consigo ouvir, perdidos pelo vento, acordes de saudade deixados pela Banda, ao longo do tempo, por onde passou. Uma brisa me traz alguns acordes de Por una cabeza, o tango de Gardel proibido nos anos 20 na pacata Vila de Brejo dos Santos, considerado uma heresia; um vento rasteiro de aurora, com alguns confetes e cheiro de lança-perfume, transportam-me aos anos 60, hipnotizado pelos acordes d’A Marcha da Quarta-Feira de Cinzas, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, arrastando a algazarra carnavalesca dos foliões, que se despede da terça-feira gorda do Brejo Santo União Clube até a Praça Dionísio Rocha de Lucena... 

O Brejo é isso!

Hérlon Fernandes Gomes

Maestro Olívio é o senhor de óculos escuros à direita.













BIBLIOGRAFIA
BASÍLIO, Francisco Mirancleide. Memórias de Brejo Santo.
LEITE, Maria Santana Leite. O Santo do Sertão
LEITE, Maria Santana Leite. Reminiscências.
Jornais O Ceará. 1928. Hemeroteca Brasileira – Biblioteca Nacional.
Site da Banda de Música Mestre Olívio Lopes Angelim

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