Aspecto da Matriz do Sagrado Coração de Jesus antes do desabamento, ocorrido em 09 de dezembro de 1949. Acervo de Marineusa Santana. |
No final do ano de 1949 iniciava-se uma reforma na
Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus para ampliação e adequação estética do
Templo, que nessa época já tinha 81 anos, sendo o início de sua construção datada
em dezembro de 1868. O Mestre de Obras contratado chamava-se Cícero e era de
Juazeiro, e este, um experiente construtor de capelas e igrejas por todo o Cariri.
O Vigário da Paróquia era o padre Pedro Inácio
Ribeiro desde 1930 e no final da década de 1940 foi acometido de hidropisia
(barriga d'agua). Após esse infortúnio
na vida do padre Pedro a artrite reumatoide acometeu o Sacerdote. As
dificuldades começaram a aparecer, pois os seus movimentos estavam pouco a
pouco sendo comprometidos. No final da década de 1940 ele já sentia a
necessidade de um Vigário Cooperador para auxiliar nas tarefas ministeriais da
Santa Igreja. O padre Luís Antônio dos Santos, natural de Lavras da Mangabeira,
seria o segundo Padre que viria auxiliar o padre Pedro, ele atuou de 1949 a
1951.
Coroação de Nossa Senhora na Igreja Matriz no ano de 1949, com a presença do padre Pedro Inácio Ribeiro. Acervo de Marineusa Santana. |
Porteiras, nesse período, deixou de ser cidade, se
tornando um Distrito dessa comuna, junto ao Poço e o São Felipe, como também
sua Matriz de Nossa Senhora da Conceição e demais Capelas pertenciam à Paróquia do Sagrado Coração de
Jesus.
Pois bem, por volta das cinco e meia da tarde do dia
09 de dezembro de 1949, uma sexta-feira, os operários estavam trabalhando nas colunas
internas de sustentação da Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus e inesperadamente, todo o telhado e paredes
internas vieram abaixo. O barulho chamou logo à atenção de toda a cidade e o povo
ficou em pânico. Fala-se que 10 pessoas foram atingidas no momento, sendo que
um operário chamado Olávio, de 17 anos morreu no local e seu pai, mestre
Antônio, morreu a caminho do hospital em Crato. Dentre os feridos achava-se o
Sr. Misael Fernandes Pinheiro, coletor estadual da cidade, que estava visitando
as obras no momento. Os feridos mais graves foram levados ao hospital em Crato.
Um fato inusitado desse fatídico episódio é que nesse
mesmo dia estava pousado na cidade um avião da empresa Cimaipinto e o aviador
Rolf Fehrlen, tomado o seu avião, foi a Juazeiro do Norte pedir auxílio médico
para os acidentados, conforme afirma o jornal Correio de Juazeiro: Semanário Independente
e Noticioso; N° 48; de 11 de dezembro de 1949; pág. 6.
Edição n° 18 do jornal Correio de Juazeiro, de 11 de dezembro de 1949. |
O desabamento da Matriz de Brejo Santo foi noticiado em vários jornais: em Pernambuco (Diário de Pernambuco),
São Paulo (Correio Paulistano) e na Capital da República na época: Rio de Janeiro
(Gazeta de Notícias, Diário de Notícias e A Noite).
Sabe-se que em 1954 a Matriz ainda estava em obras e
a população se recuperava do terrível episódio.
Aspecto da Igreja Matriz no ano de 1949. Fonte: IBGE. |
Segue a descrição inédita e na integra do desabamento
da Matriz registrado no Livro de Tombo da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus:
Dezembro de
1949. Inicia-se o mês com a festa de Nossa Senhora da Conceição na vila de
Porteiras. Houve a distribuição dos fieis em cinco grupos correspondentes aos
Santos cultuados na capela de Porteiras: Sagrado Coração de Jesus, Nossa
Senhora da Conceição, São Vicente de Paulo, São José e Santa Teresinha do
Menino Jesus. Esta festa de Nossa Senhora da Conceição da vila de Porteiras foi
bem vista pelo povo e trouxe uma renda de Cr$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) líquidos
que o padre Luiz Antônio depositou na Cooperativa de Barbalha em benefício da
capela de Porteiras. Foi celebrada a festa da Padroeira de Porteiras pelo padre
Luiz Antônio que desta vez conseguiu resolver os rendimentos da festa para
serem aplicados aos serviços que deveriam processar-se na capela. Neste mesmo
tempo, encontra-se na sede da Paróquia o Revmo. Frei Juvêncio que vem
substituir o padre Luiz por 10 dias, enquanto o padre Luiz vai visitar sua
família.
Em 09 de
dezembro de 1949, parte o padre Luiz Antônio para visitar sua família no
município de Lavras e deixou em seu lugar o Revmo. frei Juvêncio, Sacerdote
Franciscano do convento Otávio Bonfim, em Fortaleza. Neste mesmo dia, às cinco e
meia da tarde a cidade de Brejo Santo foi abalada e atordoada com o maior
sinistro que se poderia imaginar: Desabam de uma vez só todo o teto da parte da
Matriz que se achava em construção, compreendendo o desabamento de toda a nave
central e lateral direita, levando consigo as correspondentes paredes internas.
O desmoronamento causou horroroso pânico em toda a cidade e não poderia ser
para menos, visto que o estrondo se ouviu a grande distância e sabendo-se que
além dos operários em exercício que poderiam ter ficados soterrados, outras
pessoas das famílias locais que costumavam visitar o andamento do serviço,
assim como outros curiosos, eram todos expostos sobre os escombros. A multidão
em volta do Templo não sabia como solucionar os casos mais urgentes e pessoas
gritavam e outras choravam. Terceiros tentavam penetrar no recinto, invadido
pela poeira, em busca de entes queridos que não eram vistos fora do Templo e a
confusão e o horror deu a impressão exata de um dia de juízo. Finalmente foram
encontrados sob as ruínas vários feridos e um morto, para os quais foram
tomadas as devidas providencias médicas. Como os operários eram quase todo de
Juazeiro, o morto, jovem de 17 anos, por nome de Olávio, foi transportado para
sua cidade de origem, e os feridos foram imediatamente levados para hospital de
Crato, com exceção dos menos feridos em que aqui tinham famílias. O Sr. Mizael
Fernandes, coletor estadual desta cidade, saiu também gravemente ferido, mas só
foi transportado para o hospital vários dias depois.
Sabendo do
ocorrido, de Juazeiro do Norte, volta o padre Luiz Antônio à Brejo Santo, mas
encontrando os feridos em Missão Velha, foi hospitalizá-los em Crato. Na mesma
noite de hospitalização, um dos mais feridos, que era o pai do que havia
morrido, faleceu também no hospital. Era o senhor mestre Antônio, irmão de
mestre Cícero, empreiteiro do trabalho da Matriz, o qual, mestre Antônio
acompanhou o seu desditoso filho até a eternidade.
Comentários
em torno do assunto
Para fazer
comentários infundados sobre o assunto não faltaram interessados nos dias que
se seguiram ao desabamento da Matriz de Brejo Santo. Muitos comentaristas
começavam por descobrir as causas do desabamento que eram na maioria dos casos,
causas cerebrinas e falsas que atingiam às vezes até as raias de superstições;
depois comentavam o próprio ocorrido e tentavam às vezes analisar as suas mais
remotas consequências. É de notar-se que alguns comentaristas gratuitos
chegavam mesmo a lançar a pecha de culpabilidade sobre elementos que por força
das circunstancias, se achavam realmente envolvidos no caso, mas que receberam
o golpe do desabamento como desagradabilíssima surpresa que a qualquer um
poderia vir como a estes veio à revelia da inocência e boa intenção. Para
consolação dos responsáveis devemos assinalar, aqui, que todos os comentários,
antes de ocorrer o sinistro, passaram, em silencio admirador e respeitoso, sob
as arcadas da construção.
Antes de
terminarmos essa nossa apreciação, devemos concordar com os seguintes pontos de
vista:
a) A
inexperiência dos orientadores da construção não podia nem devia, a conselho,
mesmo por prudência, sobrepor-se aos conhecimentos reais ou pressupostos do
técnico construtor, ainda que esta inexperiência possa e deva ser contada como
fator de culpabilidade;
b) A
imperícia do mestre construtor, que realmente prepondera sobre os demais
fatores, pode ainda um pouco atenuada pela confiança que o mesmo depositava no
material ordinário de que se servia e, outrossim, pela comprovada reta intenção
e boa vontade do desditoso construtor;
c) O
complexo de circunstâncias, causas atenuantes ou agravantes e outros fatores incógnitos
que fizeram derruir o templo sagrado em construção, não pode e nem deve ser
analisado em opiniões apresadas e indébitos que visam apenas sensacionalismo e
somente pensam em solução simples e unilateral.
Na realidade, a
Igreja estava em construção, e de fato desmoronou e a única solução que resta é
levantá-la novamente sob pena de ficarmos sem Matriz. Rezemos, pois, para que o
Sagrado Coração de Jesus nos dê força, coragem, confiança e entusiasmo para
continuarmos a trabalhar pela grandeza de nossa fé e pelo brilhantismo de um
novo templo à altura de nossos sentimentos religiosos. Vamos pra frente, com
Deus e para Deus.
II Livro de Tombo da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, Brejo Santo – CE. |
II Livro de Tombo da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, Brejo Santo – CE. |
II Livro de Tombo da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, Brejo Santo – CE. |
II Livro de Tombo da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, Brejo Santo – CE. |
O Brejo é Isso!
Bruno Yacub Sampaio Cabral
Referências Bibliográficas:
- II Livro
de Tombo da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, Brejo Santo – CE, págs. 72 e
73;
- Uchôa, Waldery; Anuário do Ceará; 1953/1954;
- Leite, Maria Santana; Memorial Padre Pedro Inácio Ribeiro, O Santo do Sertão, Uma Biografia; 2002; Brejo Santo, Ceará;
- Nóbrega, Fernando Maia da; Brejo Santo Sua História e Sua Gente; Imprensa Oficial do Ceará; Brejo Santo, 1981.
Jornais:
Ceará:
- Jornal Correio de Juazeiro: Semanário Independente e Noticioso, edição n° 48, Ano 1, de 11 de dezembro de 1949; pág 6;
Pernambuco:
- Jornal Diário de Pernambuco, edição n° 286, ano 125, de 13 de dezembro de 1949; pág. 2;
São Paulo:
- Jornal Correio Paulistano, edição n° 28.73, ano XCVI, de 13 de dezembro de 1949;
Rio de Janeiro:
- Jornal Diário de Notícias, edição n° 8326, ano XX, de 13 de dezembro de 1949;
- Jornal Gazeta de Notícias, edição n° 291, ano 74, de 13 de dezembro de 1949;
- Jornal A Noite, edição 13.356, ano XXXVIII, de 12 de dezembro de 1949.
Sítios Eletrônicos:
Depoimentos:
- Francisco Leite de Lucena; em 08 de dezembro de 2019;
- Maria Auriluce Arrais Bezerra; em 09 de dezembro de 2019.
- Maria Auriluce Arrais Bezerra; em 09 de dezembro de 2019.
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