Há lugares e pessoas que de alguma forma permanecerão muito vivos dentro de nós, mesmo que os anos passem e tentem embotar nossas lembranças. O Café de Dona Dofina ficava ali na Rua Intendente Lourenço Gomes, onde hoje é o Bar de Mororó, entre a Santa Teresinha e minha rua. Cresci ali, a partir dos braços de minha mãe, que me levava nas suas idas e vindas, para tomar um café descompromissado ou desfrutar de todos os banquetes de deleites que aquele lugar oferecia.
Era um cheiro sempre quente de bolos no forno, tachos fumegantes de doces que saía da cozinha, atravessava a sala, dançando pelas mesas, atravessando portas e janelas e tomando a rua.O lugar era a própria casa da senhora, já viúva e desde há muito empreendedora naquele mercado doméstico que povoava os gostos de toda uma gente, provavelmente já antes de 1950. Ajudada principalmente por Francisca, sua fiel escudeira, na execução dos temperos e ingredientes, caldeirões e colheres de pau, Dona Dofina executava sua alquimia do sabor, conquistando uma vasta e fiel clientela.
- Dona Dofina, me dê um pão com doce de leite e banana.
- Dona Dofina, eu quero uma cajuína gelada e um pão doce!
- Dona Dofina, a senhora já tem doce de mamão verde com coco?
- Dona Dofina, quero aquele torresmo que só a senhora sabe fazer?
- Dona Dofina, por acaso a senhora tem um bolo de puba e de bom-bocado?
- Dona Dofina, me conte o segredo desses seus bifes apimentados? Não me diga que é só a banha de porco e pimenta do reino...
- Dona Dofina, é verdade que a senhora usa pedra ume pra cortar o leite?
E estava ela ali, sorridente, mãos quentes, cabelos brancos e longos arrumados num coque, vestido folgado com bolsos fartos, para passar um troco, solícita, com sua mente bem viva. Sem egoísmo, não escondia seus segredos culinários - embora fosse difícil acertar o ponto de seus gostos, porque todas as suas medidas eram feitas no olho.
A velhice não lhe roubara a vivacidade, a alegria no rosto e o carinho com que recebia cada um. As crianças das redondezas estavam sempre a querer agradar a eleita avó de todos, levando-lhe rosas, bulgaris e outras flores certamente roubadas em algum jardim desvigiado, para lhe enfeitarem os santos; ou pimentas, de algum quintal conhecido, para compor seus molhos. Flores ou pimentas eram sempre recompensadas com uma guloseima. Quando a meninada era grande, sedenta feito formiga, ela nos afagava com um cheiro, afinal, a pobre não podia padecer daquele prejuízo.
O café já não existe mais. Dona Dofina nos deixou há tantos anos que nem sei mais. Alguns sabores daquela época nunca se repetirão do mesmo jeito. Vez por outra, quando minha mãe refaz uma receita de doce, de bolo, que leva um desses preciosos segredos por ela compartilhados, a gente volta a revisitá-la, guiados pelos sabores inesquecíveis e por doces saudades.
Porto Velho-RO, 07 de março de 2020.
Hérlon Fernandes Gomes
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