A ERA VARGAS E OS INTERVENTORES MUNICIPAIS
O artigo abaixo possui como base o texto escrito por Francisco Erivaldo Santana, em seu livro Ensaios Historiográficos sobre Brejo Santo, de 2014.
Nas publicações escritas sobre a história de Brejo Santo, é um hábito informar uma longa relação de Prefeitos. Nesse catálogo, listam-se todos os gestores sem a devida diferenciação entre Prefeitos propriamente ditos, Intendentes e Interventores (municipais). É necessário, porém, a devida distinção. O perfil institucional e o momento histórico de atuação de cada uma dessas figuras possuem, como se verá adiante, grande alcance explicativo da nossa cena política passada.
À figura do Intendente seguiu-se a do Interventor (municipal), nascida em período político de exceção (1930/1936 e final – 1937/1947). O Interventor era um gestor imposto à comunidade local pelo mandante estadual (Interventor estadual), de igual investidura: o Interventor federal. A gestão do Interventor municipal se dava sem presença da Câmara Municipal, de modo ditatorial. A exata compreensão da figura do Interventor local requer adentrar evento político marcante da história brasileira, em que se insere: a Revolução de 1930.
Entre os múltiplos fatores, três se destacam para explicar esse significativo evento histórico nacional.
Primeiro, no Brasil e no mundo, os anos de 1920 foram uma época de grande fermentação política.
Aqui, os militares, atores do golpe republicano, voltaram à cena política no chamado movimento “tenentista”, de que emergiram todas as altas patentes futuras que, à direita e à esquerda do espectro político, inquietaram a vida nacional nas décadas seguintes. O ciclo do ativismo político dos militares, no Brasil, encerrou-se em 1985, com o desencantamento de seu mando por 21 anos, e a certeza adquirida de que força e o tecnicismo não bastam à construção de uma nação próspera e livre. (Os marcos iniciais do “tenentismo” estão na Revolta do Forte Copacabana em 1922 e na Coluna Miguel Costa-Prestes – projeção da revolta militar iniciada em São Paulo, receberam o reforço de tropa do Rio Grande do Sul, em 1925, dando origem à marcha, conhecida por Coluna Miguel Costa-Prestes, por ser encabeçada pelo capitão Luís Carlos Prestes. A coluna percorreu 24 mil quilômetros do interior do Brasil, dispersando em março de 1927 na divisa entre o Brasil e Paraguai/Bolívia. Até Lampião foi mobilizado, pelo Padre Cícero e seu braço armado, Floro Bartolomeu da Costa, para dar combate à Coluna).
No mundo, a Europa, polo de gestão e irradiação da civilização ocidental e de seus valores, mergulhou no autoritarismo, de esquerda e de direita: Bolchevismo na Rússia (1917-1918), Fascismo na Itália (1922) e, por fim, o Nazismo na Alemanha (1933), num crescendo confuso em que se defrontavam crenças moribundas e nascentes, projetando apreensões e esperanças. A consequência foi a Segunda Guerra Mundial, em cujo cenário se há sempre de louvar a resistência britânica, sob Winston Churchill, e também a participação dos Estados Unidos da América.
Inglaterra e Estados Unidos da América fizeram a guerra prestando contas a parlamentos livres e sem arreganhos sanguinários.
Segundo evento: o estouro da bolha da Bolsa de Valores de Nova Iorque lançou o Ocidente na Grande Depressão dos anos 1930, a maior crise do capitalismo, e reflexamente das sociedades plurais. (Quem leu sobre a crise internacional iniciada em 2008, ouviu referências à Grande Depressão, e assistiu - e continua a assistir, com seu desdobramento europeu, na Eurozona – à correria mundial para evitar a repetição das mazelas vivenciada no pós 1929).
Por fim, e imediatamente mais importante para os acontecimentos nacionais: a derrota eleitoral, em 1930, da Aliança Liberal (Getúlio Vargas – João Pessoa, presidentes dos Estados do Rio Grande do Sul e da Paraíba, respectivamente) frente aos candidatos da situação Júlio Prestes (SP) – Vital Soares (BA), indicados pelo então Presidente da Republica, o paulista Washington Luís, com a insensata preterição da expectativa mineira, embasada na política das oligarquias regionais sob a hegemonia do eixo São Paulo – Minas Gerais. Foi nesse contexto que se deu a Revolução de 1930. Deflagrado em 03.10.1930, em Porto Alegre, o movimento pôs fim à chamada República Velha (ou Primeira República). O grande esteio da deflagração foi a aliança entre Rio Grande do Sul e Minas Gerais, apoiada pela Paraíba e reforçada pela neutralização de São Paulo, maduramente tecida pela liderança dissidente.
Uma vez vitorioso o movimento, Getúlio Vargas mandou os tenentes (militares e civis, o tenentismo passou a expressar um modo de pensar o Brasil) para os Estados-membros como Interventores Federais (São Paulo, João Alberto; Ceará, Fernandes Távora; Bahia, Juracy Magalhães; Pernambuco, Lima Cavalcante; Paraíba, José Américo de Almeida; etc.). Houve exclusão apenas de Minas Gerais (Olegário Maciel, sucessor de Antônio de Andrade – ambos engajados no movimento dissidente – permaneceu no cargo de Presidente do Estado, mas, morto em 1933, foi sucedido pelo interventor Benedito Valadares, surpreendentemente mestrado na conhecida e esperta política mineira).
Essa percepção, simples mais significativa, viabiliza o entendimento de que os gestores municipais da vila de Brejo dos Santos (a última alteração toponímica municipal ocorreu através do decreto estadual nº 448, de 20-12-1938, passando de Brejo dos Santos para Brejo Santo), João Anselmo da Silva (1930-1931), Luiz Gonzaga Júnior (1931-1934), Franklin Tavares Pinheiro (1934-1935), José Matias Sampaio (nos períodos de 06.1935-11.1935 e 10.11.1937 a 29.10.1945), Manoel Inácio Torres (substituto pelo prazo de 04 (quatro) meses, de 12.1935 a 03.1936), José Jacinto de Araújo (1945 a 1946), Joaquim Leite de Araújo (1946), Vicente Alves de Santana (1946 a 1947) e Napoleão de Araújo Lima (1947), não exerceram cargo de Prefeito, nem mesmo de Intendente.
O Interventor no Município foi uma figura nova e transitória de gestor municipal. Como surgiu? Nasceu em período politico de exceção: 1930/1936 e final-1937/1947. Em que consistiu? À semelhança do Interventor Federal no Estado-membro, esse gestor ascendia ao cargo por nomeação do governante estadual de turno e geria o Município sem a presença da tradicional instituição legislativa local: a Câmara de Vereadores (o Legislativo foi então supresso em todos os níveis da federação: União, Estado-membro e Município). Sua época? De 1930 a 1947 (salvo o breve período de janeiro a novembro de 1937), todos os gestores municipais foram Interventores, nomeados seja pelo Interventor Federal (por exemplo: José Martins Rodrigues e Menezes Pimentel, os mais notórios), seja pelo Governador eleito/empossado pós Estado-Novo, no aguardo do resultado das eleições municipais, como foi o caso de Napoleão de Araújo Lima ("Seu Napo"), em 1947, nomeado pelo recém-eleito governador Faustino de Albuquerque.
É oportuna a explicação de que a origem da Interventoria ancora na ascensão de Getúlio Vargas no cenário nacional, que ele ocupou plenamente de 1930, ao liderar o movimento revoltoso então, até seu suicídio em 1954, após seu retorno como Presidente da República eleito pelo voto popular (1951-1954). Ao longo desse período, Getúlio Vargas comandou os destinos do Brasil como chefe do governo provisório (1930-1934), Presidente da República (1935-1937, eleito indiretamente pela Constituinte de 1934), ditador o institucionalizado Estado Novo (1937-1945) e novamente Presidente da República em 1950, aí eleito pelo voto popular.
E que se entenda também que a Interventoria não foi criação do acaso. Cumpria um propósito político, que esteve atrelado às aspirações tenentistas. Getúlio Vargas, arguto como sempre, manipulando-as, propiciou renovação política, via Interventores, impactando sem eliminar, contudo, as oligarquias tradicionais. Haveriam de ser úteis no futuro – e de fato o foram – no rearranjo político-eleitoral pós-Estado Novo, sobretudo no Nordeste. No plano político, as oligarquias dos Estados vitoriosos em 1930 procuravam reconstruir o Estado nos velhos moldes. Os “Tenentes” se opunham a essa perspectiva a poiavam Getúlio em seu propósito de reforçar o poder central. Isso, fica fácil de ver, oportunizou renovação, mas sem rupturas drásticas. E daí a ocorrência de ajustes locais surpreendentes, cuja análise descabe no reduzido espaço destes ensaios.
RELAÇÃO DOS INTERVENTORES MUNICIPAIS EM BREJO DOS SANTOS
DE 1930 A 1936 E DE 1937 A 1947.
A última alteração toponímica municipal ocorreu através do decreto estadual nº 448, de 20-12-1938, passando de Brejo dos Santos para Brejo Santo.
JOÃO ANSELMO E SILVA, 1930 A 1931. |
LUIZ GONZAGA JÚNIOR, 1931 A 1934. |
FRANKLIN TAVARES PINHEIRO, 10.1934 A 06.1935. |
JOSÉ MATIAS SAMPAIO, 06.1935 A 11.1935. |
MANOEL INÁCIO TORRES, SUBSTITUTO PELO PRAZO DE 04 (QUATRO) MESES, 11.1935 A 03.1936. |
JOSÉ MATIAS SAMPAIO, 10.11.1937 A 29.10.1945. |
JOSÉ JACINTO DE ARAÚJO, 1945 A 1946. |
JOAQUIM LEITE DE ARAÚJO, 1946. |
VICENTE ALVES DE SANTANA, 1946 A 1947. |
NAPOLEÃO DE ARAÚJO LIMA, 1947. |
O Brejo é Isso!
Bruno Yacub Sampaio Cabral
Leia Também:
Fontes bibliográficas:
- NÓBREGA, Fernando Maia da; Brejo Santo sua história e sua gente, de Brejo da Barbosa a Brejo Santo, Breve sinopse do município; Brejo Santo; 1981;
- SILVA, Otacílio Anselmo e, Esboço Histórico do Município de Brejo Santo, em Itaytera; ano 2; n° 2; Crato, 1956;
- MACÊDO, Lenira, Juarez: Questão de honra, coragem e missão; Brejo Santo; 2009;
- BERNARDI, Jorge Luiz; A organização municipal e política urbana; Curitiba; 2012;
- https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/brejo-santo/historico.
Fontes iconográficas:
- CAVALCANTE, Francisco Mirancleide Basílio e; LUCENA, Francisco Leite de; História Político-Social Brejo-santense, Brejo Santo, 2008;
- Galeria dos Gestores Municipais de Brejo Santo, sede da Prefeitura Municipal, abril de 2019.
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