A Munganga Promoção Cultural

A MUNGANGA PROMOÇÃO CULTURAL: O Brejo Isso!

sábado, 18 de abril de 2020

O BREJO ARCAICO E A GUERRA DE PINTO MADEIRA

CONFLITOS POLÍTICOS E SOCIAIS NO CARIRI ANTIGO


Local do fuzilamento de Joaquim Pinto Madeira, na manhã de 28 de novembro de 1834.
Está localizado no Bairro que leva seu nome, em Crato - CE.
Fonte: ejaf-escolajosealves.blogspot.com


PADRE JOÃO MARTINS DE MORAIS


    O padre João Martins de Morais, companheiro do padre Antônio Manoel de Sousa, o famoso padre “Benze Cacetes”, sacrificado em sua carreira eclesiástica e nos haveres, pela causa de Joaquim Pinto Madeira, ficou no rol dos esquecidos.

    Natural do Sítio Coité, na época pertencente a vila do Crato, atualmente localizado no município de Barbalha, Joaquim Pinto Madeira foi um militar, rico proprietário rural e chefe político da vila de Jardim, que ao tomar conhecimento da abdicação de D. Pedro I, acompanhado de um grupo de partidários, entre eles o vigário de Jardim, padre Antônio Manuel de Sousa, marchou para a vila do Crato, onde levantou o grito de rebelião, em 27 de dezembro de 1831. De imediato, prendeu seus adversários liberais e readmitiu todos os que haviam sido demitidos por ordem do governo da Regência, no episódio que passou à história como Guerra de Pinto Madeira. 

  O general Pedro Labatut, um mercenário francês que atuava no Brasil desde as lutas pela independência, foi o encarregado de combater Madeira, que na iminência de ser derrotado rendeu-se às forças legais no lugar Correntinho, próximo à Santa Fé, em Crato.

    Na manhã de 28 de novembro de 1834, menos de quarenta e oito horas após seu julgamento, Pinto Madeira fora levado para seu calvário, no Alto do Barro Vermelho, subúrbio da vila de Crato - hoje bairro Pinto Madeira. Durante o percurso fúnebre do qual faziam parte o carrasco, dois guardas, algumas autoridades e dois padres chamados “confessores da agonia”, o condenado teria pedido a estes que conseguissem com as autoridades presentes a permutação de sua pena por enforcamento para fuzilamento em atenção à função militar que exercera. Depois de muita discussão o pedido de Pinto Madeira foi concedido.

    Ainda que de cunho regional, essa rebelião está vinculada às demais rebeliões ocorridas no período regencial, tais como a Cabanagem, a Sabinada e a Balaiada.

    Pois bem, a família Martins de Morais seria a grande aliada de Pinto Madeira no Vale do Riacho dos Porcos, tendo como importante representante o padre João Martins de Morais. Este era filho de mulher forte do Cariri antigo, Dona Antônia Maria do Espirito Santo Furtado Leite (Iaiá Velha) e do capitão João Martins de Morais (Pai). Esta, uma simples sertaneja que no decurso das guerrilhas em prol da casa dos Braganças, no primeiro reinado, em 1824, desempenhou papel saliente, concebendo na própria residência, manobras táticas, prestando serviço de enfermagem aos feridos, abastecendo de gêneros alimentícios os combatentes, etc.

    O padre João Martins de Morais deixa sua Fazenda Poço onde residia, com seus genitores e seus irmãos, e vai a auxilio do seu colega e um dos cabecilhas da revolta de 1831. Refiro-me ao padre Benze Cacetes, vigário colado na Barra do Jardim, Antônio Manoel de Sousa. Os dois Sacerdotes tomam parte saliente na Guerra de Pinto Madeira.

    Durante os anos em que Pinto Madeira era a maior influência política do Cariri, os Morais gozariam dos favores e proteção do potentado caririense. Durante as décadas de 1820 e 1830 estenderam seus domínios desde o Vale do Riacho dos Porcos até o Brejo da Barbosa, onde adquiriram várias propriedades e se tornaram igualmente donos de vastas extensões de terras por toda a região. Outra família próspera, a Furtado Leite, estendia seus domínios desde a povoação de Milagres ao Buriti e ao Cuncas. Logo essas poderosas famílias se uniriam através de laços matrimoniais ou acordos políticos.

    O diário, sob o título "Expedição do Ceará em auxílio do Piauí e do Maranhão", escrito por Tristão Gonçalves Pereira de Alencar, e publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, demonstra que o citado João Martins de Morais (Pai) manteve relações oficiais com os chefes da Expedição, o próprio Tristão Gonçalves e José Pereira Filgueiras, quando estes se encontravam estacionados em Crato, de passagem para aquelas províncias. Em ofício, solicitaram ao João Martins, auxílio para a Expedição em marcha, no que foram atendidos, pois, em 15 de maio de 1823, o mesmo João Martins entregava, em Crato, aos dois chefes, 38 cabeças de gado no valor de 228$000 réis, a 6$000 cada uma.

Fonte: Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; Tomo XVLIII; 
Parte I; Rio de Janeiro; 1885;pág. 432.

    Nascido em dezembro de 1801, no Sítio Riachão, atualmente no município de Milagres, Ceará, padre João Martins de Morais era filho legítimo do capitão João Martins de Morais (nascido em 15.08.1761 na Freguesia de São José dos Cariris Novos, atualmente no município de Missão Velha) e de Dona Antônia Maria do Espírito Santo Furtado Leite (nascida em Umburanas, atualmente no município de Mauriti). Casaram-se em 02.02.1801. Neto paterno do capitão Bartolomeu Martins de Morais, português da cidade do Porto, e de sua esposa, Ana Maria Ferreira, da cidade de Salvador, Bahia; neto materno do capitão Gregório do Espírito Santo, do então distrito de Milagres e de sua mulher, Isabel Furtado Leite, sendo Isabel, por sua vez, filha do tenente-coronel Luís Furtado Leite de Almeida, português, da Ilha de São Miguel e de sua mulher, Beatriz de Sousa, da ribeira baiana de Pambu (atual Bom Conselho). Além de João Martins de Morais, eram filhos do casal João Martins e Antônia Maria: Rita Martins de Morais, Ana Rosa Martins de Morais, Joaquina Maria Martins de Morais, Maria Antônia Martins de Morais, Rosa Martins de Morais, Antônia Martins de Morais, Pedro Martins de Morais e Antônio Martins de Morais.

    O coronel Bartolomeu Martins de Morais e o citado tenente-coronel Luís Furtado Leite de Almeida, estabelecidos na ribeira do Riacho dos Porcos, na passagem da primeira para a segunda metade do século 18, fundaram acolá, as famílias Martins de Morais e Furtado Leite, marcantes na vida econômica, social e política em terras atualmente dos municípios de Milagres, Mauriti, Brejo Santo, Porteiras e Jati. Foram as Fazendas Poço e Coité, os núcleos econômicos, respectivamente dos Martins de Morais e dos Furtado Leite.

    Parente do padre João Martins de Morais, Dr. Leite Maranhão, afirma que o Sacerdote “se retirou para a Bahia, na Guerra do Pinto, porque era partidário deste”.

    Monsenhor Raimundo Augusto, igualmente parente do citado Sacerdote, conserva, a respeito do assunto, a tradição vigente na família. Em resumo diz ele que o padre João Martins de Morais tomou parte ativa na rebelião empreendida por Pinto Madeira. Vencido este, o Sacerdote passou a viver oculto, não sem ciência dos pais, é claro. Sobrevivido copioso inverno, não se aguentou. Não tendo cessado as perseguições aos pintistas e sendo um deles, a mãe tentou solução de arranjo de família, e neste sentido, expediu positivo com carta para Dona Joana Martins do Espírito Santo Filgueiras, a quem pedia proteção para o filho perseguido. A destinatária, sobrinha materna do pai do Sacerdote, portanto prima deste último, era então, casada com o capitão Romão Pereira Filgueiras, irmão do famoso caudilho, já desaparecido, Capitão-Mor de Crato, José Pereira Filgueiras.

    O casal era partidário radical do anti-pintismo, pelo que a resposta fulminante: “O destino do padre João Martins de Morais será a forca”. Isso obrigou o Sacerdote a procurar asilo entre seus parentes da Bahia, afirma o citado monsenhor Augusto, provavelmente em Pambu, berço da bisavó do mesmo padre João Martins, Dona Beatriz de Sousa Silveira. Lá faleceu o Sacerdote.

    Na versão do general Joaquim Pinheiro Monteiro, o padre João Martins de Morais refugiou-se em Penedo, Alagoas, acompanhado de sua genitora. Vejamos: “Mãe e filho são deixados em Penedo por circunstancias imperiosas. Aquela volta ao Ceará, mas já sem o filho, que abalado pela violência do exílio não resiste ao traumatismo moral e falece, em janeiro de 1835”.

    Dona Antônia, além de ser proprietária da Fazenda Poço, possuía também outros imóveis dentre os quais se salienta o Sítio Pedra Branca.

   Ali costumava passar, em companhia do esposo João Martins, a época da safra, assistindo a fabricação rotineira da rapadura.

    Com a ausência que durou três longos anos, esta sua última propriedade fora ocupada devidamente pelo Tenente da Milícia, José Gregório Tavares consorciado com Josefa Maria da Conceição.
Dona Antônia, porém, mulher varonil não obstante, ferida pelo infortúnio e profundamente abalada pela morte do filho, tenta e consegue reivindicar seus direitos espoliados.

    Envidou esforços titânicos para isso. Por esse tempo chegam ao Cariri o Visitador Diocesano e seu secretário. Acompanha-os Antônio Raimundo Brígido dos Santos que se dizia muito prejudicado pelos pintistas. Requer ao Juiz de Paz, João Dantas Ratheia um Libelo Civil a fim de ser indenizado de vultoso prejuízo, apontando como principal responsável, o padre João Martins de Morais.

    O Juiz bem parcial na causa foi contrário, à pretensão, justa de Dona Antônia. A matrona, porém, não se abate. À frente de grupo armado, decide-se a reivindicar pela força, seu direito, que a justiça prevaricadora lhe negara, sem apoio na lei. Após dias de luta, Dona Antônia, em março de 1835, tenta ação judicial e obtém então, ganho de causa. Apodera-se do mencionado Sítio que estava sob domínio de José Gregório Tavares. Ali viveu ainda longos anos.

    Mais tarde outro personagem aparece, portanto, coberto pela poeira dos arquivos, o padre João Martins de Morais. Sua mãe, pela tenacidade, pode também ser enquadrada na galeria das mulheres varonis do Cariri do século 19, entre as quais se sobressaem as heroínas Bárbara Pereira de Alencar e sua nora Ana Triste, a mulher de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe. Não podemos esquecer a firmeza de convicção da sertaneja Joana Martins do Espírito Santo Filgueiras que preferiu sufocar o amor de família a seu primo padre João Martins de Morais, apontando-lhe, enérgica, como única saída naquela emergência de cúmplice do pintismo: a forca.


    O Brejo é Isso!


    Por Bruno Yacub Sampaio Cabral.

    Leia também:


DOS SANTOS DO BREJO AO BREJO DOS SANTOS


    Fonte bibliográfica

- ALENCAR, Tristão Gonçalves Pereira de; Expedição do Ceará em auxílio ao Piauí e Maranhão; revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; Tomo XLVIII; Parte I; Pág. 432; de 1885; Rio de Janeiro;

- ARAÚJO, Padre Antônio Gomes de; Os Arnaud no Cariri; Obras do Padre Antônio Gomes de Araújo vol. 3; Coleção Estudos e Pesquisas; vol. VII; Faculdade de Filosofia do Crato; 1980;

- ARAÚJO, Padre Antônio Gomes de; O magnífico Reitor da Universidade do Ceará; Obras do Padre Antônio Gomes de Araújo vol. 3; Coleção Estudos e Pesquisas; vol. VII; Faculdade de Filosofia do Crato; 1980;

- BRÍGIDO, João; Ceará, Homens e Fatos; Edições Demócrito Rocha; Fortaleza; 2001;

- BRITO; Sócrates Quintino da Fonseca e; A rebelião de Joaquim Pinto Madeira, Fatores Políticos e Sociais; Universidade Federal de Santa Catarina (Mestrado); Florianópolis; 1979;

- IRFFI, Ana Sara R. P. Cortez; Pinto Madeira e seu exército de cabras: Conflitos políticos e sociais no Cariri cearense pós independência; Clio, Revista de Pesquisa Histórica; N° 35; Jan-Jun 2017; Recife;

- FILHO, J. de Figueiredo; História do Cariri; Volume 3; Capítulo 10° ao 14°; Coleção Estudos e Pesquisas; Faculdade de Filosofia do Crato; 1966;

- LEITE; Maria Jorge dos Santos; A influência das liberais no Cariri cearense e a Sedição de Pinto Madeira; XXVII Simpósio Nacional de História; Natal; 2013;

- LIMA, Francisco Augusto de Araújo; Famílias Cearenses Um; Editora Premius; Fortaleza; 2001;

- LIMA, Marcelo Ayres Camurça; Acordo e conflito: Relação das oligarquias agrárias, setores comerciais e camadas populares nas primeiras décadas da República Velha, no Ceará; Revista de Ciências Sociais; V. 16/17; N° 1/2; Fortaleza; 1985/1986;

- MARANHÃO, Leite; Contribuição ao estudo genealógico das principais famílias de Milagres; Revista do Instituto do Ceará; Tomo LXIV; Ano LXIV; Emp. Editora Fortaleza Ltda; 1950;

- PINHEIRO, Irineu; Efemérides do Cariri; Imprensa Universitária do Ceará; 1963;

- PINHEIRO, Irineu; Joaquim Pinto Madeira e a Revolução de 1832; Revista do Instituto do Ceará; Tomo LVII; Ano LVII; Emp. Editora Fortaleza Ltda; 1943;

- PINHEIRO, Raimundo Teles; Guerra do Pinto (síntese); Revista do Instituto do Ceará; Tomo XCIX; Ano XCIX; Fortaleza; 1985;

- SOUSA, Carlos César Pereira de; Milagres: nossa terra cariri; Fortaleza; Expressão Gráfica e Editora; 2021;

- STUDART, Guilherme; Diccionário Bio-bibliográfico Cearense: Joaquim Pinto Madeira; Typo-lithographia A Vapor; v. 2; Fortaleza; 1910;

http://ejaf-escolajosealves.blogspot.com/2015/03/joaquim-pinto-madeira.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_Pinto_Madeira

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